Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa | Jornalista
TEXTOS ANTIVIRAIS (73)
06/09/2021
TEXTOS ANTIVIRAIS (73)

OS “SETE DE SETEMBRO”

(A bandeira, as crianças, a democracia e o futuro)

Historicamente, sempre tivemos comemorada com festa, desfiles estudantis e militares, pomposos discursos patrióticos, a maior efeméride nacional: o Sete de Setembro.

Em Aracaju, os militares desfilavam pela manhã, as ruas enchiam-se de gente para aplaudir com muito mais intensidade os “pracinhas”, ex-combatentes na Segunda Guerra, que formavam o primeiro pelotão. Ao longo dos anos o passo cadenciado deles foi se tornando lento, o tempo ia reduzindo o grupo. Hoje, resta apenas um punhado deles, que, se condições físicas ainda tivessem, gostariam de participar conduzidos numa viatura.

Usava-se roupa nova, aqueles que podiam vestir sem esforço e os que em grande maioria espremiam o orçamento, nas duas grandes ocasiões em Aracaju: dia de Ano Novo, para ver ou acompanhar a procissão no rio Sergipe, e, no 7 de Setembro, para ver os desfiles. Havia um contraste entre as fardas novas, o equipamento reduzido, todavia, sempre reluzente da tropa do Exército, com o surrado fardamento, as armas obsoletas da Polícia Militar, e os policiais de baixa patente que marchavam pareciam esquálidos e desnutridos.

Os colégios competiam entre si para receberem as medalhas conferidas aos que melhor desfilavam. No desfile de 1946, o primeiro após o fim do Estado Novo getulista, o colégio Jackson de Figueiredo do casal de educadores Judith e Benedito Oliveira, colocou à frente dos seus três pelotões, uma bandeira retangular do Brasil, levada horizontalmente, segura por argolas nas suas pontas por quatro crianças, eram: Gilton Garcia, Paulo Igor Teixeira, Demócrito Carvalho, e este escrevinhador. Os quatro eram filhos de integrantes da União Democrática Nacional, a UDN: Luiz Garcia, Paulo Costa, Jocelino Emídio de Carvalho e Clóvis Mozart Teixeira. Dizia-se, que o gesto dos diretores do Jackson, tinha como objetivo simbólico festejar a chegada de um novo tempo, arejado com os ventos de uma democracia estreando, embora frágil e vulnerável, representada pelas crianças, numa alusão esperançosa ao futuro democrático, pacífico e civilizado deste país, sem riscos de afundar em delírios autoritários.

Às vésperas do 7 de Setembro de 2021, a democracia, “aquela plantinha tenra, necessitando ser regada sempre para sobreviver,” na frase tantas vezes usada e reusada, estará, mais do que nunca, sendo posta à prova.

Toda a concentração de ódio, de malquerenças, de insanidades e animosidades, de ânsias autoritárias, de desrespeitos e ofensas, de todo esse entulho de insensatez , desequilíbrio e incompetência acumulado ao longo desses dois anos e oito meses pelo capitão presidente, adoeceu a Nação, criou uma multidão imensa de gente que não enxerga saídas, a não ser via ruptura institucional, e vai sair às ruas com sentimentos bem próximos aos declaradamente fascistas, que se juntaram numa horda barulhenta e ameaçadora na Marcha sobre Roma, em outubro de 1922. Dai em diante, com a chegada do bufão tonitroante Benito Mussolini ao poder, sabe-se bem a sequencia de desastres que a história registra, culminando com a Segunda Guerra Mundial, e um saldo ainda não exatamente quantificado, mas, que gira em torno de 70 milhões de mortos, e países literalmente arrasados.

Entre os que participarão dos atos inominados em São Paulo e Brasília, há fanáticos perigosos, e gente talvez até de índole pacífica, que imagina, convictamente, estar servindo ao país, oferecendo um cheque em branco para o capitão, que se diz incapacitado de governar, tendo o STF, os meios de comunicação e a oposição no seu rastro, para impedir suas ações.

Qualquer um que queira fazer uma análise isenta, despojando-se da intransigência político-ideológica, chegará, sem dúvidas à conclusão de que Bolsonaro não foi impedido de governar, ele, apenas desperdiçou seu tempo, fabricando atritos, e criando um clima de animosidades e ódios jamais visto na nossa história como Nação.

Bolsonaro diz que só deixará o poder de três formas: preso, morto ou vitorioso.

Ampla e festejadamente vitorioso, ele já poderia ter sido desde o primeiro dia do seu mandato. Bastaria entender e deixar bem claro que seria o presidente de todos os brasileiros, ao mesmo tempo, convocando a todos para um trabalho solidário e comum, para que fossem alcançados bons níveis de crescimento econômico e melhoradas as condições de vida do povo brasileiro. Bastaria mostrar-se aberto ao diálogo com os brasileiros, e com o mundo, abordando temas fundamentais, como a geração de emprego, a correção das nossas desigualdades entre pessoas e regiões, e demonstrasse um olhar abrangente, sintonizado com a modernidade, cuidando das questões ambientais, da segurança pública, sem aquela simplificação bárbara de que apenas é preciso matar, para que não haja traficantes nem ladrões; e agora se assiste a violência recrudescer, com o ressurgimento do “cangaço urbano”, bandidos armados facilmente, exibindo armas hoje legalizadas e sem a fiscalização do Exército e da Polícia Federal, que ele mesmo desmontou, da mesma forma como desarticulou todo o sistema de monitoração ambiental, fazendo retornar a devastação da Amazônia, que, no seu governo, já fez sumir do mapa florestas em área maior do que a equivalente ao território do nosso estado de Sergipe, que é o menor da Federação, embora, é bom lembrar, quase do mesmo tamanho de Israel. Tudo isso se fez aceleradamente, e sem repressão. No Ministério do Meio Ambiente havia um calhorda sócio de contrabandistas de madeira, que queria “deixar passar a boiada”, sem repressão nenhuma, até que assumiu a presidência do Conselho da Amazônia o vice-general Mourão, hoje, tratado como inimigo do clã presidencial, que, aliás, em face das últimas notícias, já poderia receber uma definição mais precisa, embora contundente.

Tendo a confiança quase irrestrita de mais de cinquenta milhões de eleitores, e uma diferença sobre seu adversário acima de dez milhões de votos, o capitão presidente tinha tudo para ser amplamente vitorioso no seu governo, sem precisar, agora, dizer-se diante da alternativa de vitória ou morte.

Pátria ou Morte”, é necessário lembrar, é aquela consigna de guerra criada pela revolução cubana, para manter acesa uma chama de patriotismo sem limites, na verdade uma idolatria aos irmãos Castro, um, deixando o poder quando morto, outro, quando senil, todavia, ficando como última palavra no governo recém criado.

Às vezes, se torna preciso em última instância morrer pela pátria, o que significa a defesa do nosso chão, a proteção do nosso povo contra invasores externos; nas outras condições, é preciso viver com a pátria, desde que a pátria seja de fato acolhedora, uma pátria sem preconceitos, uma pátria que abrigue todas as ideias, todas as crenças, todas as raças, uma pátria que não seja palavra ôca, na língua solta de gente carente de bom senso e lucidez.

Bolsonaro insultou, enxovalhou, denegriu, mentiu, criou atritos e animosidades em todos os setores, e a consequência foi o “Fora Bolsonaro” vocalizado extemporaneamente, bem antes de concluir o seu primeiro ano de mandato.

Mas ele, repetimos, poderia estar comemorando neste Sete de Setembro a sua vitória pessoal, associada ao sucesso da Nação que ele desprezou, trocando-a pelo curralzinho de apoiadores dizendo o que ele queria ouvir.

Poderia comemorar o sucesso no combate à pandemia, se, logo no início, aparecesse com uma máscara ao lado de médicos e cientistas, convocando o povo para a resistência contra a Covid, exaltando a necessidade das medidas preventivas, tal e qual já eram adotadas nas Forças Armadas, nas Polícias, e poderiam ser absorvidas pela quase totalidade dos brasileiros. Preferiu, mais uma vez, criar divisões, gerar polêmicas, desacreditar Ministros da Saúde para finalmente escolher o Pazzuelo que só lhe dizia sim, e abriu as portas do Ministério da Saúde para uma quadrilha de rufiões, enquanto morriam como moscas, dezenas de milhares de brasileiros.

Bolsonaro é isso mesmo, uma força perversa que se desloca em direção apenas aos seus objetivos pessoais de poder, e dos seus filhos, cópias fiéis do que ele próprio é, e faz.

Bolsonaro estaria vitorioso, se neste Sete de Setembro, desfilassem ordeiramente os militares, das Forças Armadas, das Policias, todos orgulhosos de um país que crescia, que gerava oportunidades em ambiente de ordem e paz, já se notando a mesa do pobre com mais comida, os seus soldos com a segurança de estabilidade, sem a corrosão da inflação, suas armas, seus equipamentos modernizados; o Brasil com uma excelente imagem no mundo, atraindo investimentos; seus Chefes de Estado dialogando e construindo alternativas melhores para o Brasil e o mundo. A arte brasileira, a criatividade do povo brasileiro, a cultura brasileira ampliando sua participação no que é universal e permanente; a Amazônia, transformando-se em exemplo, e nos foros internacionais o Brasil fortalecido, inclusive, a exigir as devidas compensações ao mundo, pelo que teríamos feito em direção às metas ambientais; assim, não teríamos perdido aqueles mais de dois bilhões de reais do Fundo da Amazônia, (rejeitado estupidamente pelo capitão) que países europeus garantiam, e, somando-se a outros, já teríamos o dobro para utilizar em ações na imensa área que o mundo entende como uma das partes mais sensíveis, para evitar o aceleramento do aquecimento global. Nessas coisas, Bolsonaro sequer acredita, ou dá importância. Por isso, já somos, como queria o desastrado e fanático chanceler Ernesto Araújo o país pária do mundo.

Então, neste nosso Sete de setembro não cabem mais crianças, coletivamente carregando bandeiras, a simbolizar a crença, a confiança, e a esperança no futuro.

Desgraçadamente, este nosso 7 de Setembro de 2021, não é aquele que poderia significar a união harmoniosa do país, em torno da ideia de independência nacional, como objetivo comum conquistado, e que deverá permanecer, desde quando não nos falte a democracia plena, para nela abrigar sem perigos de violência e guerra, o que pensam e desejam todos os brasileiros.

Sem isso, a independência será uma farsa, disfarçando os silenciosos sepulcros, onde estarão sepultadas a dignidade e a honra do nosso povo.

O Brasil, o povo brasileiro, estão a esperar uma palavra respeitada e com autoridade plena, que, neste caso, poderia ser a do Vice-Presidente da República general Hamilton Mourão, secundado pelos presidentes do Senado e Câmara, e do presidente do STF, para pôr fim a essa baderna ameaçadora e desnecessária, e salvar a democracia, antes que as condições econômicas e sociais do país aproximem-se dos limites do caos e da desordem total, gerada pelo capitão presidente.

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