Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa | Jornalista
TEXTOS ANTIVIRAIS (31)
22/09/2020
TEXTOS ANTIVIRAIS (31)

A RESPEITO DE UMA INTERVENÇÃO E DAS CASSAÇÕES DE MANDATOS (31)

(Edgard, o interventor que chega. Ednaldo, o prefeito que sai)

O TJ/SE decidiu, pela inusitada soma de treze votos a zero afastar o prefeito de Canindé do São Francisco. É a terceira intervenção que sofre aquele outrora rico município, num espaço de vinte e cinco anos. Canindé tinha cofres recheados, em torno deles gravitavam interesses, entre os quais avultavam aqueles, defendidos por esquemas de agiotagem, e misturados com pistola.

A partir da segunda intervenção comandada diretamente pelo Ministério Público, reorganizaram-se as contas, e tanto pistoleiros como agiotas, ou as duas coisas juntas, foram saindo de cena.

O antes tumultuado município vive tempos de paz, e sumiram as violências resultantes da disputa política. Mas, os cofres foram secando, por uma soma de circunstancias adversas. Não houve, contudo, nenhuma ação objetiva nos últimos quatro anos para reduzir gastos, evitar desvios, adequar a burocracia aos tempos de escassez. Pelo contrário, o que teria espantado os desembargadores, foram as evidências de gastos perdulários, e espantosos privilégios.

Apesar do curto espaço de tempo, - três meses e alguns dias -, entenderam os desembargadores que era preciso conter a sangria, e, com isso, sinalizar um possível reencontro equilibrado entre despesas e receitas.

Recebendo a decisão da Justiça e tendo 24 horas para indicar à Assembleia Legislativa o nome do Interventor vapt-vupt, o governador Belivaldo Chagas apelou ao economista e contador Edgard Motta, para que ele aceitasse o sacrifício de correr contra o tempo, e, mesmo numa pandemia, deixasse o sossego de aposentado, para, outra vez, por ordem numa casa em pandarecos; e não só isso, mas elaborar também um diagnóstico da situação, que servirá de base para as ações judiciais subsequentes. Ao que tudo indica, serão inúmeras.

Esse tipo de ação envolve os três poderes, e assim, afasta a impressão de ativismo judicial, que aliás nunca foi a característica do poder judiciário sergipano, muito zeloso nesse terreno onde a política se faz mais presente.

No decreto de intervenção o governador estabelece um prazo máximo de 60 dias para que o interventor, Edgar Motta, apresente um relatório, discriminando as medidas adotadas, bem como um demonstrativo da situação financeira da Prefeitura. Esse relatório deverá ser encaminhado ao governo do estado, ao Poder Judiciário, ao Poder Legislativo, ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas.

Ao longo dos curtos e afanosos três meses de intervenção, Edgar Motta poderá elaborar, também, um roteiro virtuoso de ações sugeridas, que poderia ser seguido pelo prefeito a ser eleito agora em novembro.

No caso, o papel constitucional do governador é indicar um nome para a interventoria, e submetê-lo à apreciação do Poder Legislativo. Os prazos são exíguos, todos de 24 horas.

Espera-se, então, que nessa quarta feira Edgar Motta assuma o comando da desventurada nau à deriva, a Prefeitura de Canindé.

Edgard Motta tem, a seu favor, além de competência e experiência, o comportamento calmo de um monge budista. Parece ser a sua metodologia pessoal para acumular energias, e usá-las pontualmente, com parcimônia e rigor.

Assim, ele retirou do atoleiro de desmandos o Hospital de Cirurgia, ao chegar como interventor nomeado pelo governador Albano Franco. Ele cumpriu, inteiramente, uma missão que muitos apontavam como impossível. Não existe, todavia, uma vacina eficaz e duradoura para evitar o contágio daquele vírus do peculato, que desfigura a dignidade humana. Depois da saída de Edgard, com o tempo, outros desatinos aconteceram no Hospital de Cirurgia. Mais recentemente, o governador Belivaldo Chagas, e o Ministério Público, recorreram ao remédio drástico de mais uma intervenção.

Os serviços prestados pelo Hospital de Cirurgia melhoraram consideravelmente.

Quando acontece uma intervenção dessa natureza, interrompendo um mandato legítimo, conquistado pelo voto, o pecado não aparece apenas ao lado de quem é atingido pela medida extrema. Há outros atores institucionais que pecaram pela ausência de ações tempestivas, visando coibir os erros detectados no início, para que eles não se acumulassem tanto, e se expandindo ao longo das brechas de omissão, ou descuido, que infelizmente existem.

É bom lembrar que na observação direta dos atos de um Prefeito, estão, na primeira linha os vereadores; fiscais legitimados pelo voto popular. Todavia, é muito rara qualquer iniciativa das Câmaras. No caso de Canindé, houve, ano passado, o afastamento do prefeito, numa votação de nove votos contra apenas um. Um mês e meio depois, a Justiça reintegrava ao cargo o prefeito Ednaldo. Depois, quase todos os vereadores que cassaram, subscreveram, num instante de colapso do bom senso e déficit moral, um bizarro apelo aos desembargadores, para que o prefeito permanecesse no exercício do mandato, que, pouco antes, eles mesmos haviam cassado. Do ponto de vista ético, aquele sibilino e insólito documento, teria convencido mais ainda aos magistrados, que se fazia imprescindível jogar a pá de cal no periclitante término de mandato do prefeito.

Há o Ministério Público, com seus representantes em todas as Comarcas, há o Tribunal de Contas, que, agindo com presteza evitariam as situações extremas.

As vezes acontecem equívocos, quando promotores resolvem imiscuir-se em questões menores, como se fossem um substituto do gestor eleito, e relegam a um plano inferior a atribuição constitucional de fiscalizar o cumprimento das leis. Não há maior violação da lei do que o desvio de dinheiro público, e tanto o MP como o TC, sem exorbitar das suas funções, poderiam dar prioridade às ações preventivas e pontuais.

Quando ocorrem os desvios, melhor dizendo, as malversações, logo se forma a voz pública que, inclusive, constrói a narrativa pormenorizada das ocorrências, como se processam, e quais os seus principais protagonistas. A voz pública, agora multiplicada ao infinito pelas redes sociais, se fortalece sem a necessidade de custosos aparatos burocráticos; é direta, incisiva, as vezes ferina. Todavia, raramente existe a sensibilidade para ouvi-la. Talvez, esses ouvidos moucos sejam a causa maior do descrédito que corrói as nossas enferrujadas instituições.

Se destampassem os ouvidos, não haveria a necessidade de intervenções, e se os destampassem por completo, para que não se escutassem apenas vozes parciais, não se correria o risco dessa mania retardada de cassação de mandatos, a desfiguração da vontade popular, que, queira-se ou não, está expressa no voto.

Se a Justiça eleitoral não é capaz de prevenir, de afastar o ficha suja definitivamente do pleito, ações posteriores alcançando mandatos já legitimados pelos diplomas recebidos, não seriam os melhores

remédios, objetivando sanar falhas de origem. Além do mais, é imprescindível que se faça a necessária dosimetria das penas aplicadas, para que não se chegue ao exagero de cassar mandatos, quando o suposto erro cometido não causou danos ao erário.

Há dois episódios que bem elucidam essa ausência de dosimetria. Um, quando se pede a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, por violações às normas eleitorais, sem que se leve em conta o tamanho do tumulto que seria causado neste país tão dividido. Um outro exemplo, é a cassação aliás já determinada nas instâncias inferiores da Justiça Eleitoral, e agora em grau de recurso, da chapa Belivaldo-Eliane, quando se chega ao meio do mandato; aliás conquistado com a maior vantagem eleitoral da história política de Sergipe. Uma outra tentativa, todavia motivada por circunstancias diversas, e mais graves, é a de cassação do mandato do deputado federal Valdevan 90. Ele, antes da eleição, foi preso pela Polícia Federal, mesmo assim concorreu, e recebeu sem maiores problemas o diploma da Justiça Eleitoral. Por acaso não houve tempo para impugnar essa candidatura, e assim não se estaria conduzindo o eleitor a digitar, inutilmente, o número do seu candidato?

No Rio de Janeiro, depois de três tentativas de impeachment rejeitadas pela Câmara de Vereadores, o que a Justiça Eleitoral agora tenta fazer é calcar no prefeito Crivella o merecido carimbo de ficha suja, e, tempestivamente, suspender seus direitos políticos, assim, o impedindo de disputar mais um mandato. Essa, talvez, fosse a providência mais sensata, aliás estabelecida na lei da ficha limpa, ao que parece caída no esquecimento, ou inaplicada, em consequência do pandemônio recursal da justiça brasileira .

O argentário evangelizador, decepcionante prefeito, e vergonhoso homem público, não teria então mais uma oportunidade para ludibriar os cariocas. E da mesma forma que ele muitos outros “Crivellas”.

Cassações de mandatos, a punição extrema para qualquer político, sem falar na cadeia, deveriam ser atributos únicos das Casas Legislativas, e somente em casos excepcionais poderiam exigir a atuação precisa e pontual do Judiciário e Ministério Público.

Não sendo assim, o melhor é definir o voto como um precário instrumento para conferir a alguém um inseguro tempo de mandato.

Ou seja, transformando o voto popular apenas num entulho facilmente removível.

Surge assim, uma nova e brasileiríssima jabuticaba, que alimenta, às vezes, ânsias mal resolvidas dos exibicionismos de poder.

Mas o caso de Canindé, segundo maiores informações que agora chegam, seria um desafio a ser enfrentado, para não haver o risco de nos próximos meses o Judiciário acabar acusado de indiferença, ou omissão. Daí a unanimidade que conferiu excepcional consistência à decisão do Tribunal.

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