Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
TEXTOS ANTIVIRAIS (30)
15/09/2020
TEXTOS ANTIVIRAIS (30)

O QUILO DE ARROZ E AS CINZAS DO JACARÉ

(Na devastação do Pantanal não só o jacaré vira cinza)

No pantanal mato-grossense os jacarés estão virando cinza?

Nada disso, devem estar velhos e morrendo afogados.

O fogo está consumindo tudo, o pantanal, a Amazônia?

Quem diz isso? Trata-se apenas de um comportamento cíclico, uma coisa “cultural”. As pessoas cultivam a terra e botam fogo nas suas roças. Os índios fazem assim, desde muito antes de Cabral.

O resto, essa atoarda pelo mundo afora, é uma conspiração contra o Brasil, articulada por países europeus, pela China, e executada aqui por essas ONGs comunistas, e tendo a “Globo lixo” para fazer escândalo.

A Mata Atlântica está sendo outra vez dizimada? Nada disso, são antigos proprietários de áreas que agora estão desmatando, tudo de acordo com a lei. Foi por isso que botamos a “boiada para andar”.

As coisas andam de tal forma maravilhosas, que até o mico-leão dourado dá-se ao luxo de fazer turismo, e foi flagrado passeando pela densa floresta amazônica.

De repente, pelas praias nordestinas espalhou-se aquela imensa, gigantesca, mancha de petróleo.

Devia ser da Venezuela disseram, já pondo lenha na fogueira da conflagração permanente em que nos meteram.

Surgiu o Covid. Era só exagero, pânico, mais uma vez provocado pelos esquerdopatas, com a participação escandalosa da “Globo-Lixo”, e até pelo Ministro Mandetta, que tentava cuidar da saúde com visão científica. O vírus é instrumento solerte dos interesses geopolíticos da China, que pretende dominar o mundo. Não vai haver a mortandade que se propala, é preciso desafiar o vírus, não colocar máscara, continuar trabalhando normalmente, como se nada esteja acontecendo. Depois, quem tem corpo de corpo de atleta e não é “bundão”, não vai morrer. Basta tomar cloroquina e fica tudo resolvido.

Alguém assumirá agora a responsabilidade pelos mais de 135 mil mortos?

Alguém terá o sentimento humano de demonstrar, pelo menos, respeito aos que morreram e às suas famílias? Ou, de lembrar de forma digna, daqueles esforçados e mesmo heroicos profissionais da saúde, nessa luta terrível, beirando a morte, assistindo a morte, convivendo com o sofrimento há mais de cinco meses.

Mas há quem prefira passear desafiadoramente, negando a tragédia, desqualificando o trabalho dos que a enfrentam, e afrontando a evidencia científica.

A Amazônia queima agora muito mais, porque houve quem estimulasse a derrubada de árvores, a ocupação da floresta, e mesmo a reedição multiplicada, daquele inferno que foi o mundo cão da miséria humana de Serra Pelada. O famoso Major Curió, o “feitor de Serra pelada”, um aventureiro destituído de escrúpulos, torna-se agora um “herói nacional”. Como iremos continuar reverenciando o exemplo do Marechal Rondon, diante desse cenário?

O então candidato, nas andanças pela Amazônia, prometia moto-serra e fuzil, para desmatadores e garimpeiros, dizia que as terras indígenas deveriam ser “recuperadas”, que as áreas de reserva ambiental eram um exagero.

Agora, os que ouviram as promessas, tomam a iniciativa de transformá-las em realidade.

Isso explica a intensidade do fogo.

E explica também a quase indiferença diante de uma tragédia sem precedentes.

Hoje, são as cinzas do jacaré, amanhã, serão as cinzas do agronegócio, a mais bem sucedida e promissora atividade econômica do Brasil nos últimos anos.

Sem a preservação da Amazônia, sem o cuidado ao meio ambiente, brevemente, a mesma desertificação que já ocorre no sul baiano, a região de onde sumiu por completo a frondosa Mata Atlântica, acontecerá em toda a área do cerrado. No sul baiano, culturas estão sendo substituídas por outras mais resistentes, porque as chuvas diminuem ano a ano, e os rios caudalosos secam. Cidades como Teixeira de Freitas e Eunápolis surgidas no breve período de euforia com os lucros da madeira extraída, agora, já fazem racionamento de água.

Não há como ser otimista neste país, onde as regras mais elementares de convivência com a natureza estão sendo sistematicamente desprezadas, por um governo que o mundo já classifica como bizarro ou criminoso.

A indicação do vice presidente Mourão para presidir o Conselho da Amazônia, foi um alento, uma esperança, porque o general, guarda distancia do palco tumultuado e esquisito montado no Planalto.

Mas todos os órgãos ambientais foram afetados por medidas restritivas, ou mera perseguição mesmo; as instituições científicas foram objeto de uma guerra implacável, e há um ministro do Meio Ambiente figadal inimigo da ecologia.

Somos um país com enorme proporção de analfabetos funcionais, e temas ecológicos, embora urgentes e ligados à nossa sobrevivência, não chegam a ser objeto de preocupações.

Um jacaré virando cinzas é coisa muito mais grave de que o aumento nos preços do arroz, porque é o alarmante sinal de que, se não dermos atenção à nossa casa, onde ficam o pantanal, a floresta amazônica, os rios, o cerrado, a caatinga, a mata atlântica, o pampa; no futuro, nem haverá arroz.

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CANINDÉ, E A INTERVENÇÃO EXTEMPORÂNEA

(Canindé e uma intervenção agora inútil)

Nessa quarta-feira, 16, reúne-se o pleno do Tribunal de Justiça de Sergipe. Em pauta, deverá estar a intervenção no problemático município de Canindé do São Francisco. Se acontecer, será a terceira registrada em vinte anos. No histórico das intervenções em todos os municípios sergipanos, feitas pela Assembleia, ou pelo MP e o Judiciário, sempre com o Executivo indicando o nome do interventor, há pouquíssimos casos bem sucedidos, que efetivamente reorganizaram a bagunça encontrada, e controlaram a corrupção sem limites. Com isso, deixaram um legado de gestão eficaz para os prefeitos novos, ou os afastados que retornavam. Pode-se apontar como exemplo de sucesso a intervenção feita no município de Canindé em 2001. Não foi feita especificamente contra a então prefeita Rosa Maria Feitosa, mas, para por um freio ao clima de desmantelo e violência que ela herdara, quando assumiu no lugar do prefeito foragido.

O Interventor nomeado pelo governador Albano Franco, foi um conceituado Procurador de Justiça, Fernando Mattos, que estava em fim de carreira. O procurador Geral de Justiça Moacyr Motta, que comandara o processo, ao lado do Tribunal de Contas, até chegar à intervenção autorizada pelo Tribunal de Justiça, criou uma força tarefa para atuar em Canindé, tendo à frente o então Promotor Público e hoje Desembargador Luiz Mendonça. O Juiz Diógenes Barreto, hoje Desembargador, foi rigoroso e ágil na decretação de inúmeras prisões, que atingiram, também, o núcleo da pistolagem ali instalado. O desmantelar desse núcleo, que tinha como figura mais perigosa o profissional da pistolagem Floro, ou Ricardo Calheiros, que fora Secretário de Finanças do Município, deu origem ao ódio que ele passou a ter do promotor Luiz Mendonça, motivando o cinematográfico atentado contra ele, quando exercia, anos depois, a presidência do Tribunal Regional Eleitoral. Ocorreu no centro de Aracaju, no começo da manhã, hora do rush. Cinco bandidos atacaram o carro do desembargador, ele escapou, mas o seu motorista até hoje enfrenta os traumas de um tiro na cabeça.

Assim, aquela intervenção fez uma radical mudança de rumo no município, inclusive com efeitos positivos em todo Sergipe, e no nordeste, onde se espraiava a rede dos pistoleiros de aluguel.

Canindé, perdeu, ao passar dos anos, a fama ultrajante de ser um centro de pistoleiros e degradação moral.

Hoje passadas várias administrações, no município não transitam mais ostensivos e arrogantes os pistoleiros, instrumentos usados pela politicagem rasteira, e sanguinária.

O TJ poderá decidir pela intervenção, mas, se o fizer, nem haverá mais tempo para qualquer ação concreta, e que possa deixar resultados. Agora, a intervenção tornou-se extemporânea, e não existe nenhum indício de que haja urgência para que venha a ocorrer. Há muito tempo o município já vive sob uma intervenção branca do Ministério Público, e do Tribunal de Contas, e a providência de uma intervenção retardada, tornou-se absolutamente inútil. Se acontecer, irá apenas tumultuar um clima de campanha eleitoral que transcorre pacificamente, e onde o tema intervenção não consta na agenda dos três candidatos; que participam de uma disputa civilizada, e onde não existe o receio de ingerência indevida do poder executivo municipal no pleito, até mesmo porque o atual prefeito não é candidato a reeleição e não declarou apoio a nenhum candidato.

E a hipótese das violências comuns, nos tempos da pistolagem, está completamente afastada.

Por outro lado, o Promotor da Comarca Dr. Emerson, conhece muito bem a realidade do município, ele é longevo no cargo de representante do MP em Canindé. Basta que ele permaneça acompanhando o fim de um mandato.

Depois, havendo a intervenção retardada, onde se encontrará um experiente e responsável gestor público, disposto a assumir uma interventoria em período eleitoral, e com a duração exata de apenas três meses?

O chamado “ativismo judicial” motivado pelo vácuo do Legislativo, e as mazelas dos próprios políticos, está agora em descenso, depois de tantos eventos nada republicanos que ocorreram. Com as eleições bem próximas, espera-se que a classe política assuma suas responsabilidades, e assim, assegure as suas prerrogativas. E ao eleitor caberá a missão de conferir dignidade ao exercício da política, fazendo as escolhas corretas.

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