Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa | Jornalista
TEXTOS ANTIVIRAIS (29)
02/09/2020
TEXTOS ANTIVIRAIS (29)

CIÊNCIA E IGNORÂNCIA O TRAJETO DAS VACINAS

(As vacinas funcionam, estão mundialmente provadas)

No dia 15 de novembro de 1904 comemorava-se o décimo quinto aniversário da queda da Monarquia e instalação da República no Brasil. Não houve comemorações, muito menos o espocar de fogos. A cidade do Rio de Janeiro passou a noite acordada e amedrontada com um nutrido e prolongado tiroteio. Naquele tempo, traficantes e milicianos ainda não haviam ocupado os morros e favelas, trocando balas entre eles mesmos, e com a Polícia. Por isso, tiroteio era coisa estranha e alarmante.

Ao amanhecer o dia seguinte, nas ruas que dão acesso à Escola Militar da Praia Vermelha eram retirados os cadáveres, e outros que se encontravam debaixo dos escombros do prédio bombardeado. Entre os rebeldes que desafiaram o governo, contaram-se 200 mortos, jovens cadetes do Exército, e o general Travassos que os liderara.

Nunca imaginaram que o Exército iria combatê-los com força total.

Estava sufocada a Revolta Contra a Vacina.

A cidade do Rio de Janeiro iniciara o século vinte passando por transformações urbanas modernizadoras. Saneamento, amplas avenidas, estabelecendo a convivência com o mar, com a baía da Guanabara; libertando-se do confinamento geográfico imposto pelos morros, que também começaram a ser atravessados por túneis.

A burguesia fazendo o footing pela nova e charmosa Avenida Central, começava a sentir-se como se estivesse numa Paris tropicalizada. O modelo de cidade traçado pelo prefeito Pereira Passos e o urbanista Paulo de Frontin, seguia as pegadas do que o arquiteto Haussmann fizera pouco antes em Paris, algo suntuoso, ao mesmo tempo excludente, jogando os pobres para bem longe.

O Rio, segundo os cronistas da época afrancesava-se, mas a ausência de saneamento, as favelas surgindo, a pobreza junto aos esgotos, tudo isso provocava as pestes que assolavam a população, e davam ao Rio a fama de um inferno tropical. Parte do que um francês, Claude Levi-Strauss, anos depois chamaria de Tristes Trópicos.

A peste bubônica veio em 1890; antes, com os imigrantes europeus viera a varíola.

Então, o presidente Rodrigues Alves convidou para vir ao Rio o famoso sanitarista francês Émile Roux, que dirigia o Instituto Pasteur, o centro de referência mundial em infectologia. Roux respondeu ao convite, sugerindo ao presidente que convidasse um jovem brasileiro, que nem chegara aos 30 anos e era o seu principal assistente. Chamava-se Osvaldo Cruz. Ele retornou ao Brasil, em breve, seria a mais comentada e polêmica personagem da capital da República. Criou as brigadas de extermínio de mosquitos e ratos. Pagava por rato capturado, seus guardas percorriam casas, quintais, terrenos baldios, exterminando o Aedes Aegypti, sim, ele mesmo, que ainda hoje sobrevive e continua matando.

Por sugestão de Osvaldo Cruz o Congresso aprovou uma lei tornando obrigatória a vacina contra a varíola já em uso na Europa.

Rui Barbosa, ele mesmo, a Águia de Haia, ou, segundo o popular baiano a “aguía de iaiá”, não foi só responsável pela quebradeira do Brasil quando Ministro da Fazenda; também estimulou uma revolta, ao afirmar que não permitiria que o seu sangue fosse envenenado por um vírus. O famoso jurista desconhecia muitas coisas, apesar da sua fama de portentoso erudito, não sabia, por exemplo, nada a respeito da evolução das ciências médicas.

O general Travassos, comandante da revolta militar, era positivista, da mesma forma que grande parte da oficialidade do Exército, e é contraditório que, sendo discípulo de Augusto Comte, se revelasse adversário da evolução científica.

A vacina fora apenas um pretexto para fazer crescer o medo e a insatisfação popular, e assim, tornar mais fácil a deposição de Rodrigues Alves. Ele era mais um da safra dos “fazendeiros”, a casta conservadora, apegada a privilégios inconcebíveis numa República. O movimento armado já tinha um “eleito” para assumir o governo, seria o tenente-coronel Lauro Sodré, também positivista, e crente nas virtudes de um despotismo esclarecido, no qual ele seria o déspota número um.

Entre os cadetes que escaparam vivos, estava Augusto Maynard Gomes. Ferido, foi preso. Depois, libertado, participaria de várias rebeliões. O tenente Maynard seria outras vezes preso, e acabou vitorioso com a revolução de 30. Veio ser interventor no seu estado, Sergipe; já era major, e com Helena, sua segunda esposa, dirigente da Legião Brasileira de Assistência em Sergipe, liderou campanhas de vacinação contra a febre amarela e a varíola. Entre os êxitos da Interventoria, eram destacadas as cifras referentes à redução da varíola e da febre amarela. Ou seja, o cadete impetuoso e não esclarecido, civilizou-se, aderiu à modernidade, e como governante salvou milhares de vidas, utilizando a vacina.

No Rio de Janeiro a vacinação continuou, os ratos e mosquitos sendo exterminados, e em dois anos o surto de varíola acabou, da mesma forma, a febre amarela e a peste bubônica. Com o tempo, acabariam em todo o país.

A vacina é o maior avanço registrado no campo da medicina, desde que ela começou a ser aplicada subiu a expectativa de vida. No Brasil já foi de 40 anos, e agora vai ultrapassar os 80.

Antes da Vacina Sabin, morriam milhares de crianças no Brasil e no mundo, ou resultavam aleijadas, vítimas da paralisia infantil.

O Dr. Albert Sabin veio ao Brasil divulgar a vacina que descobrira. O governo militar o cercou de homenagens, e ele, já idoso, apaixonou-se por uma famosa socialite carioca. O governo comprou grandes quantidades da vacina, o Dr. Sabin liberou a patente, voltou ao Brasil várias vezes, aqui, a vacina começou a ser fabricada, o seu inventor fazia, ele próprio, a divulgação, e criou-se um sentimento coletivo que provocou a imunização em massa.

Quem conhece hoje alguém atacado pela paralisia infantil?

Nos anos setenta apareceu uma grave epidemia no Brasil: a meningite. Eram os tempos de Médici, e a censura rígida aos meios de comunicação estava em vigor. Alegava-se, no âmbito do governo, que tudo não passaria de uma conspiração comunista para desestabilizar o país. Aí começou a morrer gente, a coisa foi aumentando. O governo rapidamente mudou de posição, reconheceu que havia o surto de meningite. Houve uma mobilização, esclarecimentos dados pelo Ministério da Saúde, e começou a intensa vacinação obrigatória, a partir das escolas, depois, abrangendo toda a população. Assim, venceu-se a meningite, evitou-se um maior número de mortes, e de vítimas que sobreviviam com graves sequelas. Não houve quem fizesse restrições à vacinação em massa. Não houve uma autoridade que viesse a falar baboseiras letais.

As forças armadas brasileiras tornam obrigatória a vacinação dos seus quadros, e participam, todos os anos, das campanhas de vacinação em massa, principalmente na região amazônica.

Há uma lei recente do próprio presidente Bolsonaro, tornando compulsória tanto a vacina como outras medidas profiláticas em relação ao vírus Covid 19.

É universalmente reconhecido que, depois das vacinas, sumiram a varíola, o sarampo, a febre amarela, a tuberculose, a paralisia infantil, e tantas outras doenças.

Mas há no mundo um movimento de gente extremada, aqui no Brasil representado pelos filhos do presidente, um deles, foi “nomeado” por Steve Benonn, o ativista americano da insanidade, agora processado por roubo, para liderar o movimento na América Latina.

Proclamam uma liberdade individual sem limites. Todo cidadão armado, para defender a si mesmo e à sua propriedade; todo cidadão acima da própria lei, desde quando entenda que a sua liberdade pessoal foi violada, como no caso daquele desembargador na praia de Santos. É uma ressurreição do anarquismo com roupagem nazi-fascista. Um pacote impensável e devastador de absurdos ideológicos, ao lado de frustrações existenciais que extravasam em comportamentos grotescos, e anti-sociais. Eles combatem a vacina, como se negam a usar máscaras, são todos supremacistas brancos, e adoram um criminoso como aquele, que abateu um homem negro, desarmado, indefeso, com sete tiros pelas costas.

Quando o indivíduo ultrapassa o bom senso, se empodera, coloca-se acima da lei, o coletivo evidentemente se vai dissolvendo, arrasta também o indivíduo rumo a barbárie e então vigora a lei da selva. Em última análise é o que desejam esses adeptos do negacionismo, e inimigos da civilização, que também em nome da liberdade individual combatem a vacina.

Custa a crer que o próprio presidente Bolsonaro esteja entre esses que fazem pouco caso da própria vida e ignoram completamente a vida dos outros. Lamentavelmente, o presidente aderiu ao desatino desses sacripantas obscurantistas, e disse: “Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina. O governo do Brasil defende a liberdade dos brasileiros”.

Que liberdade seria essa? Liberdade para morrer?

Aquela mesma “liberdade” antes por ele defendida de ignorar a pandemia, de desafiar as normas e sair sem máscara, misturando-se nos aglomerados, e até invadir hospitais para constatar que tudo não passaria de uma farsa.

Muita gente acreditou no presidente, muita gente acreditará outra vez nele, e desprezará a vacina, como desprezou a máscara e fez troça da pandemia.

Até propaganda oficial contra a vacina a Secretaria de Comunicação da Presidência da República já está fazendo, gastando dinheiro público para exaltar a morte.

Já nos aproximamos dos 125 mil mortos e agora rejeita-se a vacina.

Outra vez o Brasil em tumulto, outra vez nossa imagem internacional sendo dissolvida. Qual o investidor que virá a um país onde o próprio governo faz propaganda contra a vacina?

E vem a inevitável pergunta: Se o vice Hamilton Mourão fosse o presidente, o Brasil viveria esse tumulto de radicalismo, misturado com morbidez e ignorância?

Só nos falta agora reviver a revolta contra a vacina.

Espera-se que haja tempo ainda, para o presidente mudar de rumo, e dizer num pronunciamento à Nação, que apoia integralmente a vacina, e que ninguém poderá fugir dela.

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O HOMEM DO PETRÓLEO

(José Francisco, um grande especialista em petróleo)

Quando se fala em Sergipe em um homem, autodidata, que era profundo conhecedor das nossas jazidas minerais, os mais velhos logo lembram de Walter de Assis Ferreira Batista.

Mas, quando se fala em alguém especialista em petróleo, conhecedor da indústria de petróleo, de todas as etapas da exploração, passando pelos dutos, pelo refino, pela logística, vem a lembrança o nome do engenheiro José Francisco Barreto Sobral. Tanto dedicou-se ao tema que o absorveu por toda a vida, tanto batalhou para que surgisse o petróleo em Sergipe, e aqui se montasse toda uma estrutura de exploração e industrialização, que até ganhou um apelido que não o constrangia, pelo contrário, sentia-se até satisfeito: era o Zé Petróleo. Ele conhecia tudo sobre petróleo, interpretava bem as circunstancias do mercado nacional e internacional, tinha visão global do negócio. Passou a vida a estudar o problema fez cursos no exterior, era um consultor de alto nível.

José Francisco, aos 89 anos nos deixou, exatamente quando em relação ao futuro da indústria do petróleo em Sergipe, mais surgem indagações não inteiramente respondidas. Talvez, ele que permanecia lúcido e atento, estivesse a perguntar: por quê a hibernação de toda a estrutura de produção em Sergipe? E tantas outras perguntas relacionadas a uma outra hibernação, a da FAFEN; e se a petroleira continuará mesmo suas operações nas águas profundas sergipanas, ou transferirá seus campos para outras empresas?

Certamente, essas questões instigavam a imaginação de José Francisco. Afinal, ele acompanhou de perto, tomou decisões cruciais desde que começou a jorrar petróleo, até quando se tornou Superintendente da Petrobras em Sergipe. Aposentado permaneceu no mesmo ritmo de protagonismo como assessor de governos, encaminhando propostas e apontando soluções para questões ligadas à industrialização do gás, à implantação de empresas subsidiárias, e a definição sobre a questão fundamental para Sergipe, a construção do porto off-shore. Em todos esses momentos se encontrará a participação de José Sobral. Mas ele, petroleiro por excelência, foi além do petróleo. Comandou a execução de um projeto de casas populares no governo Paulo Barreto. José Francisco Barreto Sobral, que se tornou Rotariano para melhor servir, era uma dessas personalidades raras, que se doam muito mais às causas públicas, coletivas, do que ao seu mundo privado, mas, não deixou de ser um marido, um pai de família orientador e sozinho, quando se foi cedo Hortência, e viúvo, ficou a conduzir os filhos, Mônica, Marília e José Francisco, para os quais ele sempre foi o maior exemplo.

Há sergipanos para os quais em Sergipe deveria haver avenidas, praças, escolas, com os seus nomes. José Francisco Barreto Sobral é um desses.

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