O COVID-19 E A FOGUEIRA DE SÃO JOÃO
(O covid queimando na fogueira)
No nordeste, sem fogueiras, o São João fica meio sem graça, insosso. A tradição vem refluindo das capitais para acomodar-se por onde o asfalto ainda não cobriu o mundo.
Nesses tempos, onde o vírus rabudo, tinhoso, belzebu excomungado, mete medo e dá as ordens, caso desobedecido aleija, ou mata, desse jeito, com as fogueiras mesmo não proibidas, apenas desaconselhadas, ninguém, fogosamente animado, se dispôs a juntar sequer acanhados gravetos, para neles riscar fósforo e fazer crepitar o fogo.
Na Sibéria agora é verão, e acima do Círculo Ártico, com alarme, as pessoas viram nos termômetros 38 graus positivos. Nessa onda de negacionismo, tanto de que a terra é redonda, como da pandemia que nos devasta, e das evidências do aquecimento global, uma Sibéria tropical seria algo inexplicável, ou uma prova efetiva contra os renitentes.
Para alguém que esteve durante o verão finlandês buscando ver o sol da meia-noite, lá pelo norte da cidade de Rovaniemi, por onde passa a linha imaginária daquele círculo, e surpreendeu-se com a temperatura de apenas 3 graus, fica difícil imaginar que, ainda mais perto do polo norte, ocorram temperaturas tropicais.
Essa mesma pessoa, que buscava tão longe a noite virando dia, agora, nesse inverno nordestino que veio com muita chuva e até ventando frio, viu, oscilando no termômetro temperaturas entre 16 e 18 graus. Então, relutando em aderir por inteiro, tanto à tese do aquecimento, como à sua completa negação, resolveu fazer algo mais prático: acender uma fogueira bem junina, à falta de uma lareira acolhedora. Ali pelo terreiro, a fogueirinha apagada por medo do covid, esperava quem viesse para atender às ânsias calorentas de todas as pré-fogueiras.
Um talo de fósforo realizou o sonho, e eis a fogueira única, solitária, a tremeluzir na noite silenciosa de um mês de junho emudecido.
Ficou em torno, aproveitando o calorzinho, imaginando coisas virtuais, como tudo agora, e acontecendo justamente por ali, em torno de onde alcançava a luz cambiante da fogueirinha indecisa.
Imaginou um fervilhante forró com a Orquestra Sanfônica, felizmente refeita, e Amorosa, a Diva desse viril e esbraseado lirismo nordestino, fazendo esvoaçar a asa-branca etérea; depois, quanto surrealismo, transmudando-se numa andaluza, percutindo um “passo doble” no tablado e nas frenéticas castanholas.
Mas, durou pouco essa fuga ou devaneio. Afinal, em tempo de pandemia, o sonho se torna inviável, policiado de perto pela crueza dos acontecimentos. Ficou então quieto ao lado da fogueira, e ao baixar a vista surpreendeu-se com um enxame de bichinhos estranhos, que pareciam rolar pelo chão, misturando-se àquelas bolinhas redondas que as cabras espalham profusamente, desde que bem alimentadas.
Os bichinhos assemelhavam-se àquelas esferas caprinas, mas, tinham protuberâncias pontiagudas, que até dificultavam sua rolagem incerta, com trejeitos de coisa traiçoeira.
Então, já imerso por completo na realidade daquela noite restrita, de um São João murcho, aguçou a vista, e quando um daqueles bichinhos friorentos costeando a fogueira, tornou-se nítido, logo o identificou: era o mafarico, o infame, o desnaturado, o vírus maléfico, ele próprio, em pessoa. Exatamente, em carne e osso? Nada de carne nem de osso, apenas uma gosma abjeta, assim como o caráter dos desnaturados. Era ele mesmo: o covid-19.
Jeitosamente apanhou o covid, acomodou melhor a máscara para evitar aspirá-lo, e o jogou à fogueira.
Sentiu então que consumara a sua obra. Da fogueira exalava um cheiro horripilante, putrefato, o cheiro do covid. Acabara de ser destruído o vírus malfazejo.
Foi dormir e acordou agoniado. Precisava encontrar as cinzas do covid. Ainda escuro começou a remexer no borralho da fogueira, tentando achar restos do bicho carbonizado. Chovera durante a noite, e as cinzas se transformaram numa massa pastosa.
Desesperou-se. Perdera a oportunidade de mandar a carcaça inerme do covid derrotado ao Ministério da Saúde, o QG onde acantonaram as tropas mal sucedidas que tentam combatê-lo.
Animou-se com uma ideia melhor. Pensou: pode ser que o Weintraub, depois de fazer uma fogueira na educação brasileira, seja impedido por higiene ética de ocupar a sinecura no Banco Mundial.
Então, poderia ser recambiado ao Brasil, e ganhar um inusitado emprego.
Não tendo realizado o sonho pérfido de acender fogueiras expiatórias onde se divertiria a queimar, entre outros, os “vagabundos do STF”, faria, talvez, o que seria a primeira boa ação da sua infausta existência: abanaria o fogo tentando tostar covides.
No livro ‘O Queijo e os Vermes’, o italiano Carlos Ginsburg, enfoca a vida de um simples moleiro nascido em 1532, numa aldeia encravada nas montanhas do Friuli. Chamava-se Domênico Scandella, e era mais conhecido por Menocchio. Foi levado à fogueira do Santo Oficio, porque, sendo letrado, percorrera muitos dos livros que então começavam a sair do invento de Guttenberg, e deu-se a falar e pregar heresias. Entre elas uma Cosmogonia, e até uma teoria da evolução. Menocchio sustentava que no princípio o mundo era água, essa água foi batida, tornando-se espuma, que coagulou à maneira de um queijo. Desse queijo, surgiu uma infinidade de vermes, e desses vermes alguns se tornaram humanos.
Nesses impensáveis tempos de pandemia devastadora, se vivo fosse, Menocchio poderia fazer alguns acréscimos à sua teoria do mundo e da vida, admitindo que vermes podem transformar-se em covides, e humanos podem retroagir à condição de vermes.
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SERGIPE, BELIVALDO E O FUTURO
(Belivaldo: Desatando o nó do presente e tentando o futuro)
O que se imagina para Sergipe nos próximos meses?
A resposta depende principalmente do que acontece agora em relação à pandemia. As atividades econômicas, como já ficou definido pelo governador e o conselho criado para compartilhar decisões sobre a crise, serão reiniciadas ao longo de julho. Mas podem acontecer retrocessos, a depender da evolução do imprevisível e letal covid-19.
A preocupação maior consiste em saber quais as intenções efetivas do governo federal. Sairá o crédito para as empresas? Haverá um projeto, tal como o esperançoso plano esboçado pelo Ministro da Casa Civil Braga Neto, mas logo contestado, e até ridicularizado por Paulo Guedes?
A ideia do general da Casa Civil e de alguns Ministros que têm sensibilidade para o instante que vivemos, era injetar recursos imediatos para reativar obras, e principalmente a construção civil, aqueles setores que mais geram empregos e fazem circular renda. Caso algo semelhante aconteça, melhoram as perspectivas. Se nada disso ocorrer, a crise será mais demorada.
Sergipe depende, quase totalmente do que acontece no plano federal.
O estado tinha ótimas perspectivas que arrefeceram com a recessão, com a crise que já existia na indústria do petróleo, mas, os projetos estão prontos, as articulações avançadas, e caso o consumo de óleo e gás volte a crescer, como se espera, um fluxo de investimentos considerável recomeçaria a acontecer, basicamente, na área das petroleiras que operam off shore.
Há, digamos assim, mil providências a serem tomadas e ajustadas, um cenário novo a remodelar. Há enfim muitos desafios. Entre eles, a retomada das atividades da hibernada FAFEN, a entrada em operação da CELSE, que já está pronta e acabada, aguardando aumento da demanda por energia; e tantos outros projetos na área do gás.
No turismo, a retomada das atividades acontecerá em meio a uma sinergia entre governo e empresários, que poderá render resultados.
Com a nova formatação para as políticas públicas no campo do saneamento básico, não se pensa em privatização da DESO, mas uma Parceria Público Privada se desenha, e poderia ser concretizada com rapidez, para aproveitar a onda favorável no setor privado.
A agonia de Belivaldo Chagas para enfrentar a pandemia, evitar um colapso maior, e com os olhos voltados para a economia, faz parte do seu cotidiano.
A preocupação mais imediata, é a manutenção regular da folha de pagamento. Chegou uma parte dos prometidos recursos do governo federal, que saíram por pressão do Congresso.
Mas, a necessidade de manter em operação todo o aparato da Saúde, que é caro, complexo e sensível, está consumindo tudo o que existe. Um simples exemplo: o SUS paga em torno de mil e seiscentos reais diários por cada internamento na UTI de paciente do Covid-19. Esta, a participação do Governo Federal, além de equipamentos e medicamentos que são enviados. Todavia, o governo do estado gasta algo em torno de cinco mil reais por cada caso.
Não há cofre recheado que aguente, quanto mais os cofrinhos mirradinhos de Sergipe.
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O CAOS NOSSO DE CADA DIA
(Decotelli, um ministro mentiroso?)
Hosana nas alturas, faz cinco dias que nem o presidente nem os seus filhos turbulentos, fazem qualquer manifestação agredindo o bem senso, e pondo em sobressalto o ambiente político e as instituições. Foi a maior trégua desde que o capitão e seus filhos chegaram ao poder, e isso já se prolonga por um ano e seis meses.
Quando Temer concluiu o tempo do mandato que ele arrebatara da inepta Dilma, a economia brasileira dava sinais de recuperação promissores, graças, principalmente, à competência do Ministro Meireles e ao discernimento do próprio presidente, que parecia liderar uma quadrilha, mas, posto de lado seu incurável deslize, ele tinha uma noção razoável do que deve fazer um governante para obter resultados indispensáveis num período de crise.
Bolsonaro e os seus filhos formam um quadrunvirato de incendiários.
Todas as atitudes deles, sinalizam, apesar dos disfarces, um visceral desprezo à democracia e uma incompreensão, ou mesmo ojeriza àquela tessitura constitucional da sinergia que deve vigorar entre os poderes, para que se estabeleça a necessária harmonia entre todos, e a desejada e imprescindível independência de cada um. O instrumento único para que se alcance tudo isso é o diálogo. Não se pode dizer exatamente que Bolsonaro seja alguém afeito ao diálogo, até mesmo, porque em certos casos suas limitações intelectuais, ou mesmo intelectivas, fazem a conversação derivar para o bizarro ou desconexo.
Uma das esquisitices do quadrunvirato, é que eles são políticos, porém em algumas ocasiões revelem abominar a política, embora vivam da política, e até agora tenham tido sucesso, numa ascensão meteórica, só explicável pelo nível de degradação a que chegou o ambiente da vida pública brasileira.
Enfrentamos uma pandemia que se transforma em catástrofe nacional, vivemos uma recessão econômica, e o Brasil é hoje um desprezado pária entre as nações.
Faz pouco tempo o presidente galopava entre aqueles grupos miúdos de apoiadores, demonstrando entusiasmo com a ideia de ampliar seu galope sobre as instituições, e fazer secar sob os cascos do seu cavalo as ideias generosas que cultivamos, em cinco séculos de processo civilizatório.
Um núcleo raivoso de desajustados sociais, tentava amedrontar, criando um fantasma vingador que viria impor as suas vontades, a “venezuelização” do Brasil, tendo à frente do processo demolidor a cópia de um Maduro, muito pior do que o original.
Em todo esse período de turbulências pré-fabricadas, um núcleo que consegue pensar, planejar e agir, ainda que a revelia de Bolsonaro e dos seus filhos, tem evitado que a escumalha recolhida por eles no caldeirão de impurezas mentais e éticas acelere o caos.
E essa escumalha, quando é afastada, logo se substitui por outra.
Sai o Waintraub, da Educação, entra o professor Decotelli, gente com boa referência, docente da FGV. Mas vem logo a decepção. No mínimo, não sendo um extremista delirante e maléfico como o anterior, antes de assumir, já surge o mentiroso, o fraudador, o vaidoso que mente, para responder à inquietação do ego sempre insatisfeito. Comete uma fraude de tal forma ridícula, que logo o desclassifica como cidadão.
Ele não é doutor pela Universidade de Rosário na Argentina e muito menos pós-doutorado pela Bergische Universität Wuppertal, na Alemanha. É acusado também de plágio na sua dissertação de mestrado na FGV.
Em qualquer país civilizado do mundo, um mentiroso jamais seria nomeado Ministro da Educação. Aliás, comprovada a mentira, o mentiroso já se revela incapacitado para exercer qualquer cargo público.
Mas por aqui, agora, surge o critério decisivo para a nomeação através de uma “banca examinadora” formada pelos três filhos, todos pós-doutorados em incoerências e extremismos.
Ser militante da guerra ideológica, admirador de Donald Trump, negar a pandemia, ser homofóbico, (racismo conta ponto), valorizar mais as armas do que os livros, rir da ideia do aquecimento global, festejar queimadas “levando progresso à Amazônia”; aguardar, ansiosamente patriótico, que três soldados e um jeep, fechem o STF e o Congresso Nacional, ai, então, será aprovado “summo honore.”
Todavia, o núcleo militar que ainda consegue salvar o governo de maiores vexames, está debruçando-se sobre o fraudado currículo do futuro ministro, que agora tem o Ministério Público também no seu rastro. Confirmada a fraude será dito a Bolsonaro: anule o ato de nomeação.
Enquanto isso a Educação brasileira está sendo criminosamente esfrangalhada por incompetentes fanáticos. O mesmo acontece com a Cultura, com a Saúde, patrulhada pelo capitão que nega a pandemia.
A improvisação, a prevalência da ideologia extremista em vez da técnica e da ciência, do bom senso, faz acontecer desastres, entre eles o escândalo dos 600 reais de ajuda aos desempregados e pobres, recebidos, por culpa dos critérios adotados, por mais de seiscentas mil pessoas, entre elas, empresários, militares, funcionários públicos, e todo tipo de gente sem ter necessidade, mas, alega ter direito ao benefício. Nisso, alguns bilhões foram jogados fora, da mesma forma como se desperdiçaram recursos para a fabricação da cloroquina inútil, o milagre receitado pelo Doutor Bolsonaro.
Juntem, a tudo isso, a tonteira que a economia em colapso criou em Paulo Guedes, incapaz, até agora, de formatar um plano para evitar a falência em série de centenas de milhares de empresas, e teremos, perfeitamente previsível, o caos nosso de cada dia, todos os dias que durar o mandato do capitão, que agora Queiroz já encolheu, finalmente, no isolamento social.