Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
TEXTOS ANTIVIRAIS (100)
27/06/2022
TEXTOS ANTIVIRAIS (100)

 

ENTRE ESCROQUES E ESCROQUERIAS 

O presidente Bolsonaro e os seus pastores.

 

Que o ex- ministro da educação Milton Ribeiro é um escroque, disso não restam dúvidas. 

Explicitam os dicionários: Escroque, individuo que por meios fraudulentos se apropria de bens alheios.Talvez, pela etimologia francesa, o nome escroque possa guardar alguma proximidade com o vigarista que não esteja circunscrito ao ambiente dos trapaceiros, ou ladrões vulgares, frequentadores das sarjetas do crime, ou bas fond, como definem os franceses. 

O escroque seria comparável ao assaltante vulgar, desses que costumam lotar as celas atulhadas e infectas, mas, com outra característica: a transfiguração da sua personalidade, para apresentar-se disfarçado na aparência de bom moço, ou homem de bem, a imagem devidamente polida, e assim, alcançando status social, até mesmo exercendo cargos públicos de relevância. 

O escroque poderá ser um trapaceiro engravatado, ou ladrão de casaca. 

Escroques, podem ser encontrados em todos os setores e instituições: nos tribunais, nas universidades, nas confissões religiosas, nas empresas, nos parlamentos, nas forças armadas, nas polícias, nas redações. O escroque não tem a identificação pregada na testa.  

Assim, eles se insinuam ardilosos em todos os ambientes. A questão consiste em identificá-los, mantê-los a uma asséptica distância. Não foi o que aconteceu com o pastor alçado à condição de Ministro da Educação, sem qualificações intelectuais para o cargo, e repleto de deficiências morais. Por “determinação superior”, juntaram-se a ele outros “pastores”, estes, indecentemente escroques. Espalharam-se, então, as escroquerias. Os escroques, travestidos em “homens de Deus”, fizeram do Ministério da Educação outrora ocupado por luminares figuras, algo parecido com um diabólico balcão de negócios. Trataram de rasteiras escroquerias, chantagens, tráfico de influência, advocacia administrativa, (afinal, eram indicados por determinação superior) e moveram os cordéis que acionam cofres, e o fizeram “abençoados” pelo Ministro, com aquele rosto, e aquela fala enganosa de hipocrisia: a farsa “evangelizadora”.   Pessoas dessa estirpe, de maneira jocosa e contundente, em tempos idos, eram assim denominadas: “Virgens de Puteiros”. A frase foi esquecida, mas as “Virgens” permanecem, e a República corre o risco, em meio a tantas escroquerias, de transformar-se no “puteiro” que as acolhe. 

Carlos Lacerda, o jornalista e político que marcou época com o calor da sua eloquência verbal, e o afiado gume de uma escrita elegante ou devastadora, ao ver-se preterido na sua aspiração de tornar-se candidato à presidência nas eleições canceladas de 1965, investiu, com desmedida fúria, contra o presidente marechal Castelo Branco. Lacerda, o “general civil” do golpe de 1964, em artigo publicado no seu jornal Tribuna da Imprensa o chamou de “Anjo da Rua Conde Lage”. 

A rua era a “zona livre” do baixo meretrício carioca. Até o meretrício sofria discriminações “sociais”. O “alto meretrício”, jamais foi assim chamado, porque se tornaria, ontem e hoje, perigosamente abrangente. 

Carlos Lacerda, além de extremamente grosseiro, foi cruel e injusto com o marechal-presidente. Castelo, como tenente-coronel foi combatente na Itália, e era, como militar e cidadão um homem honrado. 

A ousadia do jornalista nos tempos em que a censura já picotava jornais, foi uma nota agressivamente dissonante no tom suave da grande mídia brasileira, diante do regime que tanto ajudara a instalar-se. 

 A afoiteza tinha suas razões. Lacerda era o porta-voz credenciado da chamada “linha – dura” militar, um segmento radicalizado, já ensaiando esquentar motores dos blindados da Vila Militar, e trocarem Castelo pelo novo ícone que haviam escolhido, o general Costa e Silva. Fortemente instalado no Ministério da Guerra, o também Marechal acalentava os sonhos desvanecedores de Yolanda, a esposa, que desejava vê-lo com a faixa presidencial ao peito, fazia o seu marketing no espaço de O Globo, ocupado pelo colunista social Ibrahim Sued. 

Enquanto o marido, Ministro da Guerra, por sua vez tratava de “afiar as baionetas da tigrada”, os extremados oficiais de média patente, e alguns estrelados, ao mesmo tempo contendo os mais inquietos. 

Por esses caminhos ínvios e incertos da História, em 1968, Costa e Silva, feito presidente indireto, com a aquiescência conciliadora de Castelo Branco, baixou o Ato Institucional nº 5, e colocou Carlos Lacerda na primeira fila dos punidos com a morte política. Era o castigo por Lacerda ter idealizado a Frente Ampla, indo apertar as mãos dos seus antes acérrimos inimigos, João Goulart, o presidente deposto, e Juscelino, o ex-presidente cassado. O objetivo da Frente Ampla era abreviar a vida do regime militar. Que, como se sabe, sobreviveu até terminar pacífica, e consensualmente, em 1985. 

Mas, voltando ao começo, aos escroques, e relembrando da contundente verrina do jornalista Carlos Lacerda, injustamente dirigida ao presidente Castelo Branco, imaginemos, se vivo ele fosse, a quem Lacerda dirigiria a metáfora sobre “anjos” transitando pelos “meretrícios”.  

 

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O DR. DRÁUZIO VARELA E O EXERCÍCIO DA INCERTEZA 

Um médico diagnosticando problemas sociais.

 

Numa dessas noites juninas, na Globo- News, o jornalista Pedro Bial entrevistava o médico Dráuzio Varela. O encontro de duas fulgurantes inteligências, e mais a alargada experiencia de vida do médico e cidadão, com os olhos voltados para a causticante realidade brasileira, por isso mesmo, desencorajando os olhares menos resilientes. O Dr. Drauzio consegue desvendar a crueza do cenário brasileiro, sem desfocar a visão, por ser, acima de tudo, um brasileiro repleto de encorajadores afetos pelo Brasil e os brasileiros. 

No seu livro Exercício da Incerteza, anunciado na entrevista, e nela sendo dissecado, surge a dimensão ocultada da desigualdade social, naturalizada como coisa inevitável, e até exaltada e aprofundada nos três séculos de escravatura. 

O Dr. Dráuzio não se perde em dissertações acadêmicas, nem se enrola no economês elitista. Na entrevista, ele deu um diagnóstico um tanto diferente daqueles apresentados com a exuberância enfadonha da erudição catalogada, e vai direto: a desigualdade persistirá, enquanto for entendida apenas, como um problema a depender da eficácia das políticas públicas. Enquanto a sociedade civil não tomar consciência e se tornar igualmente protagonista, formando uma frente coletiva e proativa sobre o problema, a solução estará distante. 

Lembra o Dr. Drauzio: na megalópoles São Paulo, trinta e uma mil pessoas vivem nas ruas, no Brasil, mais de trinta milhões de pessoas passam fome. Outros tantos milhões sobrevivem com menos do que o salário mínimo. 

Ele dá um exemplo da indiferença: uma família de classe média alta, morando num condomínio quase de luxo, pede   uma pizza grande para o jantar domingueiro. Chega o moto-boy, depois de fazer peripécias no trânsito, arriscando a vida para conseguir um bom número de entregas. O valor: 300 reais, já incluída a entrega. Acionam a máquina, e dão, por fora, uma gorjeta de 2 reais. 

O exemplo da pizza pode servir para um leque de circunstancias idênticas, através das quais se faria uma volumosa transferência de renda. 

Se a classe média, a alta principalmente, e os ricos, entendessem que poderiam dar gorjetas maiores, pagar aos seus empregados algo acima do salário mínimo, com o “sacrifício”, talvez, de menos uma garrafa de vinho, haveria uma expressiva transferência de renda. 

O Dr. Dráuzio Varela exaltou o SUS, que considera o sistema de saúde mais abrangente do mundo, e um grande instrumento de transferência de renda. São mais de 250 bilhões- ano para que seja possível atender a todas as camadas da população. Mesmo com atrasos, com demora nas cirurgias eletivas, a partir da Constituição de 1988, o brasileiro dispõe de acesso gratuito a médicos, hospitais e remédios. 

O Dr. Drauzio faz pesada crítica a devastação promovida pelo atual governo, tanto na Educação, e Saúde, como nas políticas sociais e ambientais. 

Sobre a guerra contra as vacinas, ele entende que uma onda de obscurantismo deteriorou uma prática na qual o Brasil era exemplo, depois de ter, com a vacina, eliminado doenças endêmicas, da mesma forma a pólio, o sarampo, a varíola, tudo resultante da produção cientifica, do trabalho dos profissionais da saúde.  

Lembrou que pela primeira vez na história do país, o Ministério da Saúde foi entregue a um leigo e desastrado, ou a negacionistas, exatamente quando se enfrentava uma pandemia. 

Segundo o Dr. Dráuzio, vamos gastar tempo para consertar tantos erros acumulados, tantas omissões, e tantos absurdos. Isso, no país que era referência mundial na aplicação de vacinas, no enfrentamento da AIDS, e que conseguiu, quando Jose Serra era Ministro da Saúde no governo de FHC, fazer a quebra de patentes. Um enfrentamento bem sucedido contra o privilégio dos grandes conglomerados da indústria farmacêutica, exclusivos fabricantes, até mesmo do coquetel usado para evitar a morte dos infectados pelo HIV. Nenhum país fez o que o Brasil conseguiu, e ofereceu aos outros, africanos, sul-americanos, aos muito mais pobres do que continuamos a ser. Com a diferença de sermos um dos maiores exportadores de proteínas, de grãos, e aqui, milhões de brasileiros passando fome. O país não é pobre. É, tão somente, calamitosamente desigual. 

 

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A PUNIÇÃO MONTADA NUM JEGUE 

Entre o veloz avião, e o jegue pachorrento.

 

A Justiça Eleitoral brasileira, conseguiu uma evolução extraordinária na organização e apuração dos votos, isso, na extensão gigantesca de um país como o Brasil. Em 28 anos nunca surgiram dúvidas, muito menos reclamações sobre a eficácia do sistema configurado nas urnas eletrônicas. Todos os políticos, sem exceção, eleitos ou derrotados, nesse largo espaço de tempo, tiveram seus votos revelados através das urnas eletrônicas. Não houve, até agora, um só desses candidatos que viessem a lançar duvidas, ou alimentar suspeições sobre as urnas eletrônicas. 

O que assistimos agora, em relação à Justiça Eleitoral, é apenas uma parcela da onda de desconstrução de tudo o que pareça ser incomodo a um desatinado projeto de supremacia absoluta de um credo fanático.  

Mas, uma coisa se pode, com equilíbrio e sensatez afirmar a respeito da Justiça Eleitoral: transitando com eficácia inquestionável pelo mundo da alta tecnologia, quando lida com eleição e contagem dos votos, a referida Justiça parece montar num jegue, quando se trata de julgar e oferecer o veredito final sobre possíveis irregularidades eleitorais, como por exemplo a desvirtuação do voto pelo exercício do poder político e econômico. 

O caso do pré-candidato ao governo de Sergipe, Walmir de Francisquinho e do seu filho Thalisson, deputado estadual é emblemático. O deputado perde o mandato quando faltam seis meses para concluí-lo, e o seu pai, que, quando prefeito de Itabaiana teria usado de todos os meios, possíveis ou impossíveis para elegê-lo, se torna inelegível. Não é este o primeiro caso, porque há alguns processos que se concluem quando os mandatos já estão encerrados. O governador Belivaldo, por exemplo, depois de três anos de mandato, fazendo um trabalho reconhecido por todos para a recuperação das finanças estaduais, o que resulta em investimentos públicos, que Sergipe deixara de realizar, teve de aguardar a confirmação ou cassação do seu mandato, o que foi feito quando chegava ao último ano. 

Não se quer aqui entrar no mérito dos julgamentos, apenas, a constatação de que, em tempos virtuais, a lentidão parece colocar em cena um hipersônico num caso, e o jegue em outros. Ou uma tartaruga em vez do jegue? 

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