(Negócios fechados desemprego a vista)
Esta semana, chegou ao restaurante de Quitéria localizado à margem da rodovia do Sertão, em Canindé, um oficial de justiça. Sua missão: intimar a proprietária a por abaixo as instalações que construíra, e onde funciona o negócio que é o seu sustento, e da sua família. O prazo: 10 dias. Enquanto o moderno meirinho cumpria, educadamente, a tarefa que lhe fora determinada, choravam abraçados, e convulsivamente, a proprietária Quitéria, os seus colaboradores, e uns poucos clientes que restavam àquela hora, quase o meio da tarde.
Essa mesma cena já deve ter-se repetido em dezenas de outros estabelecimentos situados às margens da Rodovia do Sertão, desde o entroncamento com a BR-235 até Canindé do São Francisco, onde está localizado o agora ameaçado restaurante. Iguais cenas certamente foram registradas também, em todas as estradas sergipanas, depois que a Justiça, atendendo a pedido do Ministério Publico Estadual, decidiu demolir tudo que estivesse nas áreas de domínio.
Os membros do Ministério Público e os Magistrados autores da ordem, poderão argumentar que nada aconteceu assim, de forma sumária. E eles têm razão. Houve tratativas anteriores que não chegaram a bom termo, as construções permaneceram, e outras foram surgindo.
A questão, aqui, cinge-se a algo que é muito mais importante do que a frieza da lei: a condição humana e as circunstancias sociais.
Faz tempo, já se vão mais de cinco anos, que afundamos nesta, que é a mais grave crise da nossa história republicana. Pior mesmo do que a grande depressão iniciada em 1929, porque, àquela época, ainda éramos uma enorme fazenda, com pequena concentração demográfica nas cidades, e o impacto do desemprego era menor.
Temos diminuído o exército inerme de desempregados, mas, eles ainda rondam a casa dos doze milhões. Em Sergipe o quadro tornou-se mais grave, porque a desindustrialização nos atingiu fortemente, coisas assim como o fechamento da FAFEN, da desmobilização da Petrobrás, do colapso de tantas fábricas.
Nessas circunstancias terrivelmente adversas, manda o bom senso, determina a razão, que o emprego venha a ser preservado de todas as formas possíveis.
John Maynard Keynes o Lord inglês que deu a senha para retirar a economia mundial da recessão iniciada em 1929, recomendava a presença do Estado para salvar o capitalismo em colapso, e sugeria um forte programa de obras públicas, chegando, com exagero e humorismo a considerar proveitoso cavar buracos, e depois tapá-los, desde que isso gerasse empregos.
Se aqui isso não pode acontecer, tanto por ausência de recursos para imitar o que fez o presidente Franklin Delano Roosevelt nos Estados Unidos, como pelo ultraliberalismo em voga, então, que pelo menos as instituições públicas não contribuam para ampliar o desemprego e agravar a crise social.
Ao longo das estradas existem negócios variados resultantes da capacidade de resistência das pessoas que se fazem empreendedoras, e assim vão tocando a vida.
Se essas pessoas são obrigadas pela autoridade dos operadores da lei a cruzarem os braços, a fome, uma péssima conselheira, levará alguns deles ao desespero. Então, empunharão uma faca, um revólver, para cometerem assaltos. Depois, o mesmo Estado que deles retirou a sobrevivência os considerará bandidos, e como tal serão tratados.
Quando se interrompe uma atividade produtiva, se reduz também o aporte de recursos ao erário, e cofres secos não pagam salários, inclusive dos que têm competência para aplicar a lei.
É proibido, de fato, a ocupação de espaços públicos como as faixas de domínio nas estradas, mas isso vem sendo feito há muito tempo , e até hoje não se tem notícia de que tenha havido acidentes em consequência dessas atividades, nem que tenham gerado prejuízos aos cofres públicos.
No caso específico de Canindé, o que está ocorrendo agora, se deve, talvez, a um cochilo dos vereadores que, faz tempo, já deveriam ter aprovado uma lei considerando espaço urbano toda a extensão da Rodovia do Sertão margeando o Perímetro de Irrigação Califórnia, assim, toda a área se tornaria uma artéria urbanizada, e, em consequência, não haveria mais faixa de domínio. Essa sugestão já teria sido oferecida pelo engenheiro Kaká Andrade, que foi Secretário do Município nas gestões do seu irmão Orlandinho, falecido no terceiro mês do inicio de um novo mandato.
O presidente da Câmara, Weldo Mariano, assegurou que vai elaborar o anteprojeto de lei, submetê-lo à votação em caráter de urgência, e após aprovado, levado ao prefeito para ser sancionado. Tudo poderá ser feito em regime de urgência, e, com isso, não haveria mais ameaças aos microempresários na área, e ninguém perderia empregos.
Por uma questão de bom senso, a draconiana ordem para que se faça a desocupação, e em seguida a demolição, poderia, no caso especifico de Canindé ser suspensa, como igualmente em outros locais, dando-se algum tempo, até que se chegue a um desfecho livre de traumas.
É necessário que essa ânsia policialesca de punir seja substituída pela busca de soluções, inspiradas em primeiro lugar pelo respeito ao ser humano, ao cidadão trabalhador, que prefere ganhar a vida com dignidade, sem se deixar levar pelos acenos sedutores de dinheiro e poder, que emanam das organizações criminosas.
Outros casos idênticos estão acontecendo, na mesma linha de decisões equivocadas, que estariam a merecer uma reflexão mais próxima das circunstancias e adequada à quadra difícil que estamos penosamente tentando vencer.
Há o caso dos matadouros municipais interditados há mais de dois anos. Essa medida extrema, e nada eficaz, levou ao colapso o negócio da carne em Sergipe. São centenas de desempregados, é o abate do boi voltando a ser feito “na folhinha”, ou seja, na clandestinidade, sem recolhimento de impostos , e sem inspeção sanitária. Todo o abate concentra-se hoje em apenas dois frigoríficos, que não conseguem atender completamente a demanda, estão, sem duvidas, ampliando sua capacidade de produção, absorvendo mais mão de obra, mas, o resultado geral do fechamento dos matadouros, é uma obra socialmente perversa e economicamente devastadora.
Mais recentemente, um Juiz Federal determinou a interdição da obra de um resort sendo implantado numa área litorânea do município de Pacatuba, sob a alegação de que teria invadido áreas de proteção da Reserva Santa Izabel. O projeto está comprovadamente fora do entorno de proteção da reserva. Pacatuba é um dos municípios mais pobres de Sergipe, e o hotel interditado iria criar quase cem empregos diretos e indiretos.
O atual presidente da ADEMA o biólogo Gilvan Dias, sem sair dos parâmetros técnicos e legais, tem sido atuante na defesa do meio ambiente, e ao mesmo tempo ágil na concessão de licenças. O projeto barrado já teria merecido a liberação do órgão ambiental, cuja competência técnica é inquestionável.
Entre a interpretação da lei e a sua eficácia, existe o espaço que a exegese faculta para as alternativas da aplicação em sintonia com a realidade.
E hoje, a nossa realidade social está a exigir, sobretudo, prudência, sensatez, reflexão. Também, uma boa dose de pragmatismo.