Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa | Jornalista
PEQUENOS FRASCOS, PERFUMES, VENENOS
25/10/2018
PEQUENOS FRASCOS, PERFUMES, VENENOS

(Os falsos bois, das falsas boiadas de Valadares Filho)

O professor emérito Luiz Pereira de Melo, não chegava a um metro e sessenta. Juiz, Desembargador, presidente do Poder Judiciário, ele nunca abandonou as salas de aula. Ensinava pelo prazer de ensinar, pela satisfação imensa de formar gerações de futuros advogados, aos quais sempre vaticinava a esperança de que, alguns deles, alcançassem o porte de um Tobias Barreto, acrescentando ao nome do ilustre sergipano:  ¨aquele Himalaia da cultura nacional¨.

O professor Pereirinha, a forma carinhosa como os alunos o chamavam, gostava tanto da companhia dos livros que quase ocupava a sua casa modesta, espaço reduzido para o casal e a prole numerosa, cuidadosamente arrumando livros pelas salas, quartos, e até no banheiro. Bibliófilo compulsivo e leitor voraz, formou uma biblioteca calculada em vinte mil livros. Certa vez, numa roda de amigos, Paulo Costa, irreverente, brincalhão, quase perde a amizade do amigo, colega na Faculdade de Direito da Bahia, quando referiu-se às ¨vinte mil virgens de Pereirinha¨.

O professor Luiz Pereira de Melo dedicava-se ao magistério com tal entusiasmo que, aposentado, e aproximando-se dos noventa anos, continuava nas salas de aula, e repetindo os bordões que todos os seus alunos decoraram, e ao relembrá-los, depois, fazem uma afetuosa reverencia ao velho professor. Um deles era: ¨Os grandes perfumes estão contidos nos pequenos frascos¨.

Se aplicava a metáfora referindo-se a ele mesmo, certamente o fazia com absoluta propriedade. Na sua estatura pequena, havia o melhor perfume de um caráter virtuoso.

O caráter é uma qualidade, uma condição, algo abstrato, todavia essencial, na formação do ser humano. Sendo um conjunto de virtudes, quando elas não existem em um indivíduo, logo se poderá afirmar que ele é um mau caráter.

O caráter pode caber ou faltar tanto em um Golias, como em um David. O caráter independe do espaço físico, do volume dos corpos, exatamente por ser a dimensão inconsútil da própria essência do Ser. E o ser humano se revela pela alma, não pelos corpos, sejam de gigantes ou pigmeus. Em qualquer corpo há espaço para a alma.

Excesso de ambição, vaidade excessiva, egocentrismos, mentira e irresponsabilidade, são falhas morais que deterioram e deformam o caráter, ou denunciam a sua ausência, e fazem a alma pequena.

Valadares Filho, ou Valadarizinho, como de forma carinhosa poderá ser chamado, terá um porte físico ainda menor do que o do nosso reverenciado professor Pereirinha.

Mas a comparação entre os dois ficará agora restrita aquilo que se poderá medir com a trena, em centímetros.

O caráter não se circunscreve aos sistemas métricos, ele se revela na sua grandeza, pequenez ou ausência, nos atos que o cidadão prática ao longo da vida.

Nesta campanha eleitoral que agora chega ao fim, o candidato Valadares Filho revelou uma deplorável ausência de caráter. Talvez a ambição extrema, a ansiedade patológica pela conquista do poder o tenha deformado, o que é lamentável, tratando-se de um jovem nascido em lar honrado, e onde o caráter seria objeto de culto.

Essa peça final de sua propaganda de candidato que surgiu na TV, é algo que somente poderia ter nascido de uma mente onde o caráter fosse uma condição acessória, ou desprezível.

Fotos aéreas exibem a ¨fazenda de Belivaldo¨, são vistas boiadas imensas de gado Nelore de alta qualidade genética. Ao lado, em letrinhas quase milimétricas, há o esclarecimento que ninguém consegue ler: ¨imagens meramente ilustrativas¨. Claro, a explicação em letrinhas minúsculas ninguém leu, mas ficou na cabeça de todos a ideia de que aquela era a ¨fabulosa propriedade rural de Belivaldo¨, a quem Valadarizinho, carente de argumentos concretos, pretende pintar como desonesto.

A fraude, a farsa, a mentira, a simulação, não encontram clima onde possam prosperar, quando existe o caráter. O caráter, quando é sem jaça, como antigamente se dizia, as repelem, e as afastam com nojo.

Assim, a metáfora do saudoso e lembrado professor Pereirinha, poderia, diante do caso em foco, sofrer uma deprimente adaptação: ¨Os pequenos perfumes, ou venenos, estão contidos nos pequenos frascos¨.

EQUÍVOCOS DA NOSSA DETERIORADA REPÚBLICA

Nem precisa incluir a corrupção quando se listam os equívocos, os erros clamorosos da ideia que fazemos de República.

Com o passar do tempo, o conceito de coisa pública, de servidor público, tornou-se desconectado da sua essência. Diante do acúmulo de privilégios que aristocratizaram o poder supostamente exercido em nome do povo, as instituições, os três poderes, a cada dia se foram distanciando da sociedade.

A corrupção é coisa antiga, multissecular, nos acompanha desde o tempo das caravelas. Nos últimos anos exacerbou-se, e minou devastadoramente a credibilidade das instituições, e o descrédito recaiu mais forte sobre a classe política. Mas nenhum dos três poderes escapou da degringolada naquela escala que mede a confiança popular, afetando, quase nas mesmas proporções o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

Tanto sob o aspecto corporativo como no comportamento pessoal dos principais integrantes desses poderes, houve, em conjunto, um visível distanciamento dos reais sentimentos da maioria dos brasileiros.

Para a grande massa de assalariados, que vivem na margem sacrificada da sobrevivência, com o nosso esquálido salário mínimo, qualquer servidor público que receba acima dos dez mil reais é visto como um ¨marajá¨.

Quando os serviços públicos entram num continuado processo de deterioração, o Executivo paga o maior preço, mas o Legislativo e Judiciário também se esvaziam, a partir da ideia formada na cabeça do povo de que os parlamentos são inúteis, e a Justiça um aranzel lento, seletivo, de misturados descasos e vastos privilégios.

Quando o extremista, filho do outro que lhe transmitiu a cultura da intolerância, afirma que um soldado e um cabo bastariam para fechar o Supremo Tribunal Federal, sem dúvidas, cometeu um grave crime, uma incitação às forças armadas para que rasgassem a Constituição e demolissem a arquitetura mestra da democracia. 

De forma grosseira, como é o estilo do clã, traduziu o sentimento que faz parte do dia a dia das indignações do povo. E o clã a que nos referimos, formado por pai e filhos que se fazem campeões de votos e impulsionam com as suas grosseiras marcas tantas candidaturas vitoriosas, é, exatamente, o produto desse caldo de cultura social nocivo, que se foi formando na mesma proporção em que as Instituições da República se desqualificavam.

Agora, surge o coronel reformado que, tudo indica, seria um desequilibrado mental.  Resolveu botar fogo no circo, e incendiou mesmo, quando, depois dos insultos absurdos contra a ministra Rosa Weber, mudou o tom e se fixou em Gilmar Mendes, e o desafia, e o destrata, o classifica de canalha.

Quem neste país apostará um talo de fósforo na integridade moral de Gilmar?

Mas a instituição, o Supremo Tribunal terá, a qualquer custo, de ser preservada.

Por esse ralo de descrédito descem as instituições, que se tornam frágeis, e desabam diante da fúria insensata, e claramente afrontosa à democracia, verberada por um oficial sem maior expressão, e com potencial para gerar uma crise de graves proporções.

Mas a crise já foi contida, e a ação partiu, em primeiro lugar do Exército, cujo comando determinou um inquérito para apurar as responsabilidades do militar ensandecido, além de emitir uma nota em que afirma: ¨O referido militar afronta diversas autoridades e deve assumir a responsabilidade pelas declarações que não representam o pensamento do Exército Brasileiro¨.

O Supremo reagiu, a sociedade reagiu, e a Polícia Federal já abriu inquérito.

Onde falta juízo é preciso que alguém o coloque.

 Nenhuma instituição, seja civil, militar religiosa, está vacinada contra o vírus de indivíduos sem caráter, corruptos ou fanatizados.

Os remédios para essas anomalias estão previstos na lei.

Grito, prepotência, ameaça, arrogância, messianismos, causam tumultos, e nada mais do que isso.

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