Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa | Jornalista
OUTRA VEZ OS PAPAGAIOS
08/10/2019
OUTRA VEZ OS PAPAGAIOS

(Entre bois e papagaios)

Faz uns três anos, diversos órgãos federais e estaduais mobilizaram-se, desencadeando uma operação no semiárido de Sergipe e Alagoas. O aparato foi enorme. Tinham o meritório objetivo de fiscalizar fabriquetas de laticínios, bares e restaurantes, enfim, todas as atividades que exijam obediência às normas sanitárias e ambientais. Queriam, também, detectar crimes diversos contra o meio ambiente, e adotar providências rígidas para conter abusos e transgressões.

Alguém terá mesmo de cuidar  desses problemas,  enquanto persistir a nossa  cultura subdesenvolvida  que os enxerga como se fossem irrelevantes.

Quando se juntam os Ministérios Públicos, Polícias, e todo o conjunto de entidades executoras da politica ambiental, é de se esperar que surjam bons resultados. Seria injusto dizer que a vistosa operação teria sido um fracasso.

Se houvesse  menos pressa em resolver velhos e arraigados problemas no espaço curto de três dias, existiria uma lembrança muito positiva entre os sertanejos, que não estariam agora com tristeza e raiva referindo-se ao que deram o nome de "operação pega papagaio”. É que, no desenrolar das ações, foram apreendidos pássaros e outros bichos silvestres, que estavam em cativeiro. Entre eles, um papagaio tornou-se célebre. A dona, sabendo da chegada dos libertadores de papagaios, resolveu esconder seu “lourinho" de estimação, com o qual convivia há mais de trinta anos. O colocou num armário do quarto onde dormia. Chegaram os homens do meio ambiente e da polícia levados pela denuncia de que havia um papagaio na casa da idosa. Sem mandado de busca e apreensão, violando   dispositivo constitucional  entraram  na residência, e varejavam o quarto, quando, o papagaio de dentro do armário, começou a assoviar “Muié Rendera", a música preferida da dona. 

Saiu o verdejante bicho, grasnindo desesperado (papagaio grasna ou charla, ou seria palra?). Mas, afinal, grasnindo, palrando ou charlando, o louro foi metido numa camionete e transportado, dizem, para um local onde se reciclaria, adaptando-se para sair da vida mansa do cuscuz com leite, protegido numa casa segura, e retornar à vida selvagem, às asperezas da “struggle for life", ou em português mesmo, a dura luta pela vida, aliás, um conceito da teoria da evolução de Charles Darwin que deu margem à várias vertentes autoritárias. A velha entristeceu, entrou em depressão, e morreu saudosa do papagaio, doce amigo, e decepcionada com os homes brutais que o retiraram dela. Do papagaio não se sabe se teve a mesma sorte de tantos outros animais silvestres, que já eram caseiros, e “libertados", livres, rapidamente morreram.

O sertão vivia naquela época o clímax de uma estiagem que tudo devastou.

Com a precária economia em frangalhos, sofreu o impacto do fechamento compulsório de queijarias, restaurantes, bares e tantos outros negócios miúdos que foram multados e lacrados, até que se adaptassem às normas ambientais. Muitos nunca mais abriram, e o desemprego ampliou-se.

Agora, comenta-se que haverá uma outra operação com características semelhantes, mas, se espera que seja feita com as devidas correções, para evitar maiores danos a uma região já tão sofrida.

O impacto do fechamento abrupto dos Matadouros, gerou um descompasso nas atividades econômicas que giram em torno do boi, a figura mais proeminente na região. Há desemprego, piorou consideravelmente a qualidade da carne, cresceu o numero de animais abatidos “na folhinha", ou seja, no meio do mato, sem nenhum cuidado sanitário, enquanto ocorre uma evasão de impostos. O boi sai de Sergipe onde Matadouros estão interditados, e vai ser abatido em municípios baianos, onde paga impostos.

Aqui, ficam os marchantes, açougueiros, fateiras, de braços cruzados, e alguns já imaginando em  mudar a utilidade que dão à longa e afiada faca  usada para retalhar a carcaça do boi.

É preciso repensar com urgência essa atitude que levou o negócio da carne em Sergipe a uma situação de penúria, enquanto  a população é condenada a comer um produto muitas vezes deteriorado. Há Matadouros que cumpriram as exigências e já podem ser reabertos, depois dos solavancos  que a interrupção das atividades causou em vários municípios sergipanos.

O Ministério Público de Sergipe, que tentou dar uma feição moderna ao negócio da carne, precisa reconhecer que na busca por essa meta, cometeu equívocos que devem ser corrigidos. Sabe-se, porém, que entre  “voluntários" assessorando o Parquet, há uma profissional que, antes de ser demitida do cargo que ocupava num órgão público estadual, quase extermina por completo o negócio da carne.

Enquanto fecham açougues e padecem fome os marchantes, há um frigorifico que ampliou consideravelmente suas atividades, principalmente com o fechamento do Matadouro de Itabaiana. Se abatia antes 50, 60 reses por dia, agora, tem abatido mais de seiscentas. Isso seria ótimo, o crescimento acelerado de uma empresa também gerando empregos.

O que não é saudável é um crescimento que se faz à custa de outras empresas que fecham as portas, de negócios pequenos que perdem de uma hora para outra a garantia que tinham de suprimento da carne.

É correta a determinação de que Prefeituras não tenham entre suas atividades aquela do abate do boi, mas, há Matadouros parados, com todas as exigências sanitárias obedecidas, e para os quais não se apresenta uma solução, nesse perrengue que  se arrasta por três anos. Se Prefeitura não pode ser dona de Matadouros, que urgentemente se permita a venda ou a concessão de todos os que, forçosa e incompreensivelmente são postos a “hibernar".

Capricho ou ausência de sensibilidade, para um drama que absolutamente não é bovino, é humano mesmo. E o papagaio nele entrou, tão somente, para que não faltasse uma papagaiada.

  
 

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