Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
OCUPEM A PREFEITURA O PREFEITO DESAPARECEU
09/08/2019
OCUPEM A PREFEITURA O PREFEITO DESAPARECEU

Há um filme americano chamado Apertem os Cintos o Piloto Sumiu. Claro, é tudo ficção,  uma paródia excelente de muito humor.

Já imaginaram a situação dos passageiros de um avião voando sem piloto?

No caso do avião, com certeza, o susto é enorme, e também o último. Se não houver a bordo entre os passageiros, um comandante habilitado, capaz de assumir os controles, a tragédia acontece em pouco tempo.

Mas esse risco de sumiço do piloto que somente poderia ocorrer em caso de morte, na aviação comercial não existe, porque, do lado direito do comandante sempre está o copiloto, que, aliás, durante a maior parte do voo é quem comanda o avião. O copiloto precisa fazer mais horas de voo para habilitar-se a receber o distintivo de comandante. Mês passado num jato voando de Belo Horizonte a São Paulo, o comandante morreu. O copiloto assumiu, nenhum passageiro soube, apenas foram informados de que a rota seria alterada e o avião pousaria em outro aeroporto.

É por isso que, popularmente, e em relação a variadas circunstancias, sempre se diz  sobre uma pessoa experiente: “Ele tem muitas horas de voo". Isso no masculino,  mas, se a expressão for relacionada a uma mulher, terá um significado dúbio.  Isso faz  parte, infelizmente, do nosso imenso arsenal de imbecis preconceitos.
 No mês de março de 2017, morreu, em Aracaju, o prefeito de Canindé Orlandinho Andrade.

Eleito com votação estrondosa Orlandinho, um líder político dotado de sensibilidade humana, permaneceu menos de quatro meses no cargo que ocuparia pela terceira vez.

De Orlandinho, podia-se dizer com justiça que ele tinha “muitas horas de voo”. Juntava  experiencia, à capacidade de criar laços de amizade, sempre mais amplos e firmes, irradiava simpatia, e era um cidadão simples e prestativo.

Seu “copiloto” era Ednaldo da Farmácia, um empresário, benquisto, todavia, sem possuir nem uma horinha de experiencia em administração pública. Junte-se a isso uma total inapetência para governar, um alheamento completo em relação ao município e ao seu povo, e se terá o cenário de um desastre semelhante ao avião sem piloto, ou, por imperícia dele, entrando em stoll, iniciando um “mergulho chato", uma das situações mais temidas na aviação.

Completando 28 meses no cargo, o prefeito não colocou um tijolo sobre o outro, pelo contrário, tendo agora sumido por completo e deixando à deriva o município, antes já sem rumo certo, onde havia tijolos sobre tijolos, assentados com cimento, tudo agora está desabando. Essa é a metáfora perfeita para a situação dos prédios públicos existentes ou inconclusos,  e que estão desabando, ou são depredados, saqueados, sem que apareça ninguém para dar, pelo menos, um tímido sinal de que a autoridade maior do município ainda existiria.

Some-se aos tijolos que desabam e registre-se a ausência de vontade de construir o que quer que seja, e se terá, então, o panorama geral do município que não é somente desalentador.

É trágico.

As aulas, neste ano  da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2019,  que deveriam ser reiniciadas na segunda quinzena de junho, foram marcadas para este 14 de agosto. A causa do atraso teria sido o excesso de chuvas, como foi alegado. Acontece que choveu em todo o território sergipano, da praia ao sertão, do São Francisco ao Real, e mesmo Canindé tendo registrado o menor índice de chuva, alegou-se que as estradas estariam intransitáveis. Acontece que, antes da chuva todas as estradas estavam em péssima situação, e permanecem agora do mesmo jeito. Acontece que, nos 75 municípios sergipanos, exceto  Canindé, toda a rede escolar está em pleno funcionamento. Os professores canideenses, com atraso de 3 meses, receberam 84%, na semana que passou, com a promessa de que o restante seria pago nesta segunda- feira, dia 12. Mas a empresa responsável pelo transporte escolar, com faturas em atraso, parece ter desistido, e anunciou-se, ou melhor, sussurrou-se, nos desvãos dos esvaziados gabinetes da Prefeitura, que uma licitação emergencial estaria sendo preparada.

A evasão escolar alcança níveis alarmantes. Um sinistro recorde. São mais de dois mil e quinhentos alunos que deixaram as escolas municipais. Eram pouco mais de nove mil quando Ednaldo assumiu, agora andam na casa de seis mil e quinhentos. Uns quatrocentos estão estudando em Poço Redondo, onde o prefeito  mantém aberta as escolas, e vai conservando como pode as estradas. Outra parte se encaminhou para as escolas estaduais, um menor número para algumas particulares. As famílias empobrecidas pela crise, e afetadas pelo abandono do município, não podem mais suportar o gasto com a escola privada.

Retira-se, com indiferença e irresponsabilidade, a oportunidade de futuro que a escola poderia oferecer aos jovens. Enquanto isso o Sindicato dos Professores denuncia desvio de verbas federais destinadas à educação, da ordem de um milhão e meio de reais.

O lixo espalha-se pela cidade, o Hospital, com aspecto desolador, mais parece um descuidado necrotério, não tem o mínimo necessário para um simples curativo, o mesmo acontecendo nos postos de saúde. O pessoal que faz o combate às epidemias não tem fardas, nem sequer crachás que os identifique, e as pessoas recusam-se a  abrir as portas das casas para a inspeção. No Hospital, foram encontrados focos dos  vetores da dengue, zica, chicungunha, e mais mosquitos que aja.

Mas, em Canindé, de onde o prefeito parece ter sumido, permanece ativa, pressurosa e célere a advogada Kátia Siqueira, hoje, ao que parece, Procuradora Geral do Município, e investida, na ausência do titular,  de todos os poderes que lhe caíram ao colo, inclusive, e principalmente, o de pagar precatórios, sobre os quais se espalham dúvidas e, principalmente, múltiplas e diversificadas suspeitas.

Na Câmara, tramita um processo de impeachment contra o prefeito, que teria recebido a adesão de nove dos onze vereadores.

Mas há quem afirme que até que se complete o ritual do impeachment, um fato novo poderia acontecer,  mesmo a renúncia do  prefeito, ou o seu impedimento por outros meios legais e sumários.

O fato é que, quando por lá aparece uma viatura do DEOTAP, ou da POLÍCIA FEDERAL, as pessoas enchem o peito com o ar saudável da esperança.

(Fotos de Canindé: O prefeito desapareceu)

 







 

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