Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
O TIRO E O LORD KEYNES
04/07/2019
O TIRO E O LORD KEYNES

(O tiro interompeu o simpósio do gás)

Houve um tiro. Dentro de um auditório onde mais de 500 pessoas se aglomeravam o governador do Estado acabara de falar, instalando o Simpósio de Oportunidades, Novo Cenário da Cadeia do Gás Natural em Sergipe.

Eram nove horas e vinte minutos do dia 4 de julho, e o evento acontecia no Hotel Radisson, em Aracaju. Certamente, aquele evento se realizado, consolidaria no país, a ideia de que o gás de Sergipe  será uma das principais ferramentas para começar o desbloqueio da esperança. Ela está minguando, há cinco anos represada no espaço fechado da ausência de iniciativas.

Parece haver um conformismo fatal com a crise que nos corrói, e nos leva rapidamente ao colapso.

Teríamos nos agarrado, excessivamente, a uma só expectativa: a reforma da previdência. Será aprovada, aliviará o caixa da União, e, se forem incluídos Estados e Municípios, da mesma forma também aliviados os seus cofres. Mas isso acontecerá ao logo de alguns anos. O efeito benéfico imediato poderá ser uma reversão de expectativas no mercado, hoje pessimista.

A nova economia do gás, agora sinalizada, é um alento enorme para revitalizar a esperança que nos foge. E daqui de Sergipe acenou-se primeiro, e com mais concretude, para a possibilidade que temos de agarrar da forma mais pragmática possível a oportunidade que é também do Brasil.

Nenhum país tem força suficiente para resistir a um período de cinco anos, variando entre PIB negativo, ou inexpressivos índices acima de zero, que não chegam a um por cento. Tecnicamente,  é uma recessão brutal.

Temos uma geração sacrificada, porque iremos necessitar de muito tempo para chegar ao que éramos em 2014.

O Simpósio sobre o gás, que foi interrompido pela fatalidade de um tiro, apontaria saídas à médio prazo para investimentos e geração de empregos.  Se o país voltar a gerar a cifra hoje impensável de 500 mil empregos anuais, teríamos que percorrer vinte e cinco anos e meio, até recolocar os 13 milhões, hoje de braços cruzados, sem aqui incluir os cinco milhões de desalentados, e  outros milhões sobrevivendo com subempregos. Mas, temos condições de gerar muito mais empregos, seguramente, além de um milhão a cada ano.

No verão de 1944, quando o mundo entrava na etapa final da Segunda Grande Guerra, reuniram-se na cidadezinha acanhada de Breton Woods, em New Hampshire, EUA,  representantes de 44 países. Eles queriam traçar os rumos para a economia mundial após o fim do conflito. Entre eles  estavam  estranhos enviados por um país que nada tinha a ver com o capitalismo, a União Soviética, comunista. Eram o comissário Stepanov,  e o seu assessor, um economista armênio com alguma fama de competência, Arutiunian. Perguntaram ao representante russo o que ele fazia naquela reunião, e ele respondeu: “ Dinheiro não tem cor ideológica “.

A estrela de Breton Woods era o inglês Lord Keynes.  Ele escrevera um livro famoso: Teoria Geral do Emprego Juros e Moeda. Lendo aquele livro, em 1933, o presidente Roosevelt resolveu armar-se com as ideias keynesianas para vencer a  depressão. Em síntese, Keynes preconizava a intervenção seletiva do Estado na mercado, para impulsionar a demanda e garantir a geração de emprego. Chegou a afirmar que em tempos de economia recessiva, era lícito cavar buracos e depois tapá-los, desde que isso gerasse emprego. Afirmou mais ainda: “um terremoto seria uma boa oportunidade para a economia revitalizar-se e crescer com a reconstrução.”

O fato é que as ideias de Keynes incorporadas pelo presidente Roosevelt, que lançou o New Deal, um programa intenso de obras públicas, retiraram em curto lapso de tempo os Estados Unidos da crise, e com isso o mundo também respirou.

Para os ortodoxos monetaristas, como é o caso de Paulo Guedes,  as teses  do lorde inglês são puros disparates, mas, o fato é que, aquela moçada ultraliberal da Escola de Chicago, não chegou a entender bem as observações que fizera o mestre de todos, Milton Friedman, sobre o excessivo liberalismo econômico que contaminara a Inglaterra, onde Margareth Teatcher, teria aplicado uma dose cavalar de “Estado mínimo."

Aqui entre nós, se Paulo Guedes retirasse uns cem bilhões do colchão de segurança que mantem para o sistema bancário, e os aplicasse em  um amplo programa de obras públicas, não teríamos já um desemprego menor?

Suicídios de desempregados acontecem todos os dias, mas os deles passam despercebidos.

Não há então tempo a perder com as irrelevâncias que agora dominam o debate político.

Não há tempo a perder, porque, além dos desalentados que não acreditam mais na recuperação do emprego, temos também aqueles que geravam empregos, desanimados, abatidos, alguns, atormentados ainda mais com o fechamento das suas empresas, e a consequência desumana de centenas ou milhares de pessoas jogadas na rua. Há aqueles, que, diante desse quadro de desalento, perdem o roteiro da própria vida.

O empresário Sadi Gitz foi um deles. Sua indústria cerâmica entrou em processo de hibernação e desempregou mais de seiscentos trabalhadores. O gás era um dos seus principais insumos. Como se sabe o preço do gás é um dos fatores a afetar duramente a competitividade de um leque variado de empresas. A sua cerâmica Escurial fechou, da mesma forma que este ano já fecharam também as duas FAFENs de Sergipe e Bahia. O Simpósio, como vimos, seria o primeiro passo para destravar  obstáculos, reduzir o preço do gás. Sergipe tem a vantagem especial de poder fazer isso mais facilmente e a curto prazo, recebendo o gás produzido no Catar e destinado à usina térmica que entra em operação no começo do ano que vem.

O Simpósio seria tão importante que aqui já estavam na abertura o Ministro das Minas e Energia Bento Albuquerque, executivos da Exxon Mobil, da Golan, da PETROBRAS, da CELSE, além dos sergipanos que buscam parcerias para a distribuição do gás. Chegou a ser firmado um protocolo com o governo do estado para a redução dos impostos. E várias medidas complementares, seriam debatidas. Mas houve o tiro. O empresário Sadi Gitz sacou o revólver e disparou na boca. Desespero, talvez, ou seguramente, também, um gesto extremo para o socorro aos que ficam.

Sadi era um empresário conceituado, uma pessoa afável, pacífica, repleta de amizades.

Absurdo?

Quem poderá avaliar o que se passa nos desvãos insondáveis da alma humana?

Na última grande crise  afetando os mercados globais, aquela acontecida em 2008, que começou nos Estados Unidos com a “bolha imobiliária" e a falência do Lehman Brothers, economistas, psicólogos e neurocientistas, criaram uma nova ciência: a neuroeconomia. Não se destinaria a prever as crises, mas a pretensão era  aparelhar as pessoas para enfrentá-las, e dosar as suas reações diante dos eventos imprevisíveis.

Na Grande Depressão que começou em 1929, o primeiro baque violento do capitalismo global, corpos despencavam dos  arranha-céus de Nova Iorque. Nas calçadas de Wall Street os suicidas esborrachavam-se. Recomendava-se a que quem fosse cruzar a rua  da Bolsa e das corporações,  que antes, precavidamente, ficasse de olho no alto dos prédios.

Num desses prédios, um gaiato colocou  uma placa junto à janela preferida pelos suicidas:

“ Prezados Senhores, 

Antes de lançarem-se ao espaço, verifiquem por favor, se não há ninguém na calçada.”

Um outro escreveu  num jornal satírico: “ Estou decepcionado,  passei ontem a tarde toda na Wall Street e entre os  corpos na calçada não identifiquei nenhum Rockeffeler."

Dizia-se também que os corpos mais gordos eram sempre de banqueiros.

Talvez tenhamos de recorrer aos neuroeconomistas, a ver o que eles poderão contribuir para amenizar em cada cabeça sofrida as dores da tragédia brasileira.


 

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