O grande historiador John Kenneth Galbraith deu um apelido ao século passado, chamando-o “século das revoluções” aquele tempo mais sangrento da história humana, uma era de turbulências, de acirramentos ideológicos, onde se registraram duas gigantescas e devastadoras guerras mundiais.
A primeira, (1914 – 1918) foi o prelúdio do até agora não ultrapassado recorde de extermínio: a Segunda Grande Guerra (1939-1945).
No interregno entre as duas calamidades ocorreram a Revolução Comunista de outubro de 1918, a Guerra Civil Espanhola (1934-1938) a Revolução Comunista Chinesa, levando, em 1949, os comunistas liderados por Mao Tse Tung ao poder, a ascensão do fascismo na Itália, com Mussolini tornando-se primeiro Ministro, o nazismo com Hitler chegando pelo voto à Chancelaria da Alemanha em 1933, a Guerra da Coreia, (1949-1952), a guerra do Vietnã e a Guerra da Argélia, esses, apenas os episódios mais sangrentos.
Mas o século vinte que testemunhou o nascimento dos grandes extremismos políticos, atestou também a certidão de óbito de todos eles. A ideia ou a atração totalitária, constrangem a natureza humana, desconstroem a solidariedade a cidadania, e a possibilidade de convivência. Por isso têm vida curta.
Todo totalitarismo resulta da insensatez, afronta à inteligência, porque os seus alvos preferidos são as liberdades essenciais do ser humano. E o ser humano nunca será livre se algum aparato de Estado ou de poder pessoal o obriga a pensar através de esquemas, a comportar-se e a viver dentro das regras que lhes são impostas.
Os instrumentos para que a opressão se estabeleça são sempre as ideologias ou religiões, desvirtuadas pelos seus líderes extremistas, ou sacerdotes intolerantes.
O militante político extremista justifica a si mesmo quando coage, prende, tortura, mata, faz a apologia da violência, se considera um guardião de valores, um defensor da sociedade ou da pátria, lutando contra o mal que vê, personificado, naquele que escolheu como inimigo.
O sacerdote fanático não hesita em queimar os templos de outras religiões, e se sentirá mais recompensado ainda, se, dentro dele arderem nas chamas os seus seguidores, ímpios, infiéis, inimigos de Deus. E na fumaça trazendo odores de carne tostada ele identificará a expiação consumada do desgraçado, de quem, pelo castigo do fogo que consumiu-lhe as carnes salvou-lhe a alma. Então, o carrasco acendedor de fogueiras, após restarem somente as brasas, dormirá o sono tranquilo dos justos. Quem sabe, poderá até sonhar com Jesus Menino subindo numa pitangueira.
Quando a Segunda Guerra acabou, deixando um rastro que já chegaram a avaliar em quase cem milhões de mortos, sabia-se que o flagelo da guerra não estaria sepultado, mas, sob a égide das Nações Unidas abriu-se um panorama novo com a Proclamação Universal dos Direitos Humanos, uma longa peroração de direitos, sonhos, aspirações, até utopias, em busca de sintonia consciente ou não com a brevíssima frase que um cara despojado, tez escura, vasta cabeleira salpicada pela poeira dos desertos, sandálias gastas pelo andar peregrino, dissera, e então, já se iam quase dois mil anos: “Amai-vos uns aos outros”. Sem dúvidas a maior das utopias, mas as utopias podem perfeitamente servir de inspiração para metas factíveis.
O “amai-vos uns aos outros” é frase que poderia ser a essência de todas as religiões, mas, como meta para ser social e humanamente alcançável, poderá exigir ainda mais uns dois milênios sendo repetida.
“Tolerai-vos uns aos outros” é frase que, até por conveniência, se torna mais viável, mais fácil de aplicação prática. A tolerância é a fórmula que o bicho humano encontrou para ir sobrevivendo, sem precisar guerrear todos os dias. Com o passar do tempo a tolerância adquiriu uma roupagem civilizatória, que inclui a aceitação, a temperança, o respeito entre as pessoas.
O governo Bolsonaro resulta, principalmente, da onda antipetista que se transformou em ódio, e a raiva vicejou então de parte a parte. Acabou-se a convivência, degringolou de vez a aparência de civilidade, que se tornara parte do cotidiano nos nossos parlamentos.
Bolsonaro soube capitalizar essa onda, ajudou a engrossá-la, estimulou o confronto, o seu governo contempla setores que vão da direita à extrema direita, e seria previsível que as suas ações fossem pautadas por essas posições ideológicas.
Desde que siga as regras constitucionais, e isso ele tem prometido, o papel da oposição e das pessoas que não concordam com a maré direitista que enche com Bolsonaro, é argumentar, usar amplamente dos direitos que deverão ser mantidos, para criticar e combater o governo. Não há como contestar o resultado das eleições, atribuí-lo ao uso abusivo das fake-news. Houve fake de todo lado e nenhum candidato até hoje foi tão exposto nas suas derrapadas verbais como o foi Bolsonaro, e ele acabou aceito, votado por 58 milhões de brasileiros e entronizado como um mito.
Por outro lado, não é politica de Estado impor ideologia, não é politica admissível de Estado anunciar a extinção de um partido político ou da esquerda. A esquerda faz parte de todo o espectro político-ideológico do mundo civilizado, assim como o centro ou a direita. Se antes tivemos um governo de centro-esquerda, aliás com a participação também de setores da direita, principalmente nos momentos mais indignos, a rotatividade essencial na democracia fez surgir agora o enorme campo da direita, que se imaginava erradamente fosse imperceptível. E não é, como está evidente.
A grande preocupação que deveria dominar todos os setores responsáveis da politica, da sociedade em geral, seria no sentido de distensionar o cenário da vida pública, e pacificar a sociedade.
Com o exercício pleno da tolerância, e assim pondo freios naturais à marcha da insensatez que os extremos promovem.