(O parque é do povo e também do quero-quero)
Parques públicos em meio ao tumulto barulhento das cidades, deveriam ser, na medida do possível, transformados em áreas protegidas pelo melhor dos argumentos contra o desatino urbano: a reconquista do silêncio.
As hordas humanas, empurradas para as cidades, vão ensurdecendo na mesma proporção em que estrondejam as máquinas. Se foi reduzindo a acuidade dos ouvidos, enquanto o homo, dito sapiens, fazia a transição da selva para a urbe.
Admitiu-se, então, que o progresso traria inevitavelmente a balbúrdia dos carros, trens, aviões, máquinas, com suas buzinas, sirenes, estampidos, para não falar naquela tortura, entendida como irrelevante, todavia atroz, do massacrante ruído do secador de cabelo, todos os dias acionado, bem ao lado, pela mulher vaidosa, com as suas bem acariciadas madeixas.
Lin-Yutang, desprezado escritor chinês que nos anos quarenta foi viver nos Estados Unidos, e tanto escreveu sobre o mundo, o seu tempo, e os costumes oriundos de uma milenária civilização, recorria sempre a Confúcio para destacar seus sutis ensinamentos. Um deles: ao passear num parque ou jardim, as pessoas deveriam manter-se silenciosas, tanto, até serem capazes de distinguir um impossível som: o farfalhar das asas de uma adejante borboleta.
Confúcio, faz mais de dois mil anos, antecipou-se à visão quântica, e intuiu que o flanar de uma borboleta repercutia no cosmos.
Voltemos ao tempo presente, à realidade que nos cerca.
Edvaldo Nogueira tem sido um inconformado com o atraso, e dedica-se a garimpar o que é moderno. Mas o mundo roda rápido, o que já foi moderno, como por exemplo uma cidade trepidante, nervosa, barulhenta, se torna desatualizado ao longo desses sucessivos saltos pós-modernistas, gerando novas concepções, invulgares demandas, anseios imprevisíveis.
Sonha-se, agora, num hoje sempre efêmero, com uma cidade futurista, sem desassossegos da pressa, sem as trepidações de um progresso desconectado com a feição humanizadora que se busca construir. O próprio prefeito, o próprio cidadão, é hoje o resultado de um processo de arejamento que o faz distante do modelo polarizado da luta de classes, a clivagem social a separar proletariado subjugado e classes dominantes sobranceiras, requerendo, então, uma supostamente equalizadora, mas, efetivamente bárbara “ditadura do proletariado.”
A realidade social tornou-se tão complexa, que não cabe na estreiteza dos slogans. Do pós-comunista, católico, não concordando nunca que a religião fosse o “ópio do povo", surgiu, em termos políticos atuais, um social-democrata, e do ponto de vista existencial, um cidadão em busca das fórmulas minimalistas da existência, ou seja, a adesão à simplicidade, entre outras coisas.
Então, não há como admitir Edvaldo desconstruindo a ideia da cidade pós-moderna. Nessa cidade que já se forma para um futuro breve, os parques, os jardins, as áreas verdes, terão de ser envolvidas pelo sentimento de busca impossível daquele silencio, que nos deixe ouvir o som do bater de asas das borboletas.
O Dr. Samarone, médico sanitarista que lança olhares para muito mais além dos cuidados específicos com o arcabouço da máquina humana, define-se como defensor das causas perdidas, e escandaliza-se, por exemplo, com o tranquilidade ameaçada do quero-quero, do bem-te-ví, do canário, do sabiá, os viventes alados que, em Aracaju, encontram refugio no Parque da Sementeira Augusto Franco.
Aquela área, até extensa, entre uma muralha de prédios, foi a vitória da visão moderna da cidade contra a expansão desordenada da selva de pedra.
Vitoria que se deve ao prefeito Heráclito Rolemberg, e ao governador Augusto Franco, isso, no início dos anos oitenta.
De lá, ate hoje, o parque recebeu sempre cuidados que o fizeram cada vez melhor. Déda o arborizou mais intensamente, e teve, para isso, a dedicação de um homem que espalha verde, o agrônomo Franciso Ney Maia, e a participação do Instituto Vida Ativa, doando as mudas. João Alves iniciou o Memorial Marcelo Déda, Edvaldo o completou. Criou-se um local propício à meditação, com o enlevo da trilha escolhida por Oliveira Junior, que sabia muito bem qual as músicas que o seu amigo, poeta, gostava de ouvir.
Os canários voltaram a habitar a cidade, acomodando-se nas árvores e relvas do parque.
Empenha-se, o dirigente da EMSURB, Luiz Roberto Santana em criar, anexo ao parque, uma área específica para a vegetação de restinga, aquela, que acompanha as nossas praias, e hoje desaparecendo. E assim teremos um jardim, onde estarão preservados o grageru, araticum, maçaranduba, cajuí, ingá, murici, etc....
Como se vê, o parque é uma preciosidade botânica, uma casa dos avoantes, um espaço especial para os que fazem esporte, meditam, contemplam árvores, pássaros, sorvem a natureza.
Então, o que se espera do prefeito Edvaldo Nogueira?
Que ele faça, do Parque da Sementeira Augusto Franco, uma área de lazer protegida da insensatez de barulhos absurdos, e de multidões que pisoteiam e danificam.
O reconhecimento a essa decisão sensata não será apenas dos quero-quero, e canários, que terão assegurado o seu merecido e intocável sossego.