Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
O NOVO E VELHO DELEGADO SENADOR
15/10/2018
O NOVO E VELHO DELEGADO SENADOR

(Alessandro e Valadarizinho: O senador eleito trocou rápido o jeans e o tênis da modernidade, pelo fraque e cartola da "velha política")

As eleições de 74 foram realizadas após um arrastado período de indefinições e dúvidas. Estávamos sob a regência férrea do Ato Institucional nº 2, com a imprensa rigidamente censurada e o Congresso falando pelas brechas permitidas da mordaça. Pelas insinuações que jornalistas preciosamente habilidosos como Carlos Castelo Branco deixavam escapar dos filtros de censores, conseguia-se adivinhar o panorama vigente nos quarteis, onde a ¨linha dura¨ pretendia banir de vez as eleições.

Mas o presidente Médici, o mais repressor do quinteto de generais que nos governaram ao longo de 21 anos, entendeu que a eleição deveria ser realizada, e a maioria dos oficiais generais concordou. Então, prometeu-se até que haveria liberdade, acesso ao rádio e a TV. Iriam confrontar-se os dois partidos existentes, a ARENA, Aliança Renovadora Nacional e o MDB, Movimento Democrático Brasileiro, que não era a excrescência de hoje, mas, formado por idealistas que lutavam para restabelecer a democracia.

A ARENA, um colosso, constituído por mais de 80% de integrantes dos antigos partidos que foram extintos. Os que não aderiram ao regime autoritário e escaparam temporariamente das cassações foram formar o MDB, partido consentido, mas, visto com muitas reservas, porque nele se fora abrigar a esquerda, e o reduzido grupo comunista que não escapara para o exilio e aqui sobrevivia driblando a repressão.

Em Sergipe, o deputado federal José Carlos Teixeira, com o apoio do pai, o respeitado empresário Oviedo Teixeira, e dos irmãos empresários da construção civil, Luiz e Tarcísio, formaram o MDB, e o sustentavam. Não foi fácil achar gente disposta a tornar-se emedebista, muito menos a querer candidatar-se.

Um dia, José Carlos, Guido, Tertuliano Azevedo, foram à casa do médico Gilvan Rocha, um ginecologista e obstetra conceituado, que tinha pendores para a arte. Era pintor e um intelectual em sintonia com o mundo.  Ofereceram-lhe uma vaga de candidato a deputado federal, e ele terminantemente recusou, quando o grupo, desolado, já se despedia, ele, em tom de brincadeira disse: “Mas se houver uma vaga de Senador eu topo”. Zé Carlos nem esperou que ele terminasse, e respondeu: “Você será o nosso candidato”.

 Se perguntassem naquele tempo qual a chance de Gilvan tornar-se vencedor, os próprios emedebistas responderiam: ¨Zero¨.

Não avaliavam, certamente, o tamanho do clima de insatisfação com o regime que passava de uma década, e, além do mais, as circunstâncias da política tradicional sergipana. A ARENA fora formada quase compulsoriamente pelos grupos políticos que historicamente se antagonizavam em Sergipe. Juntaram-se no mesmo barco comandado pelos generais os remanescentes da oligarquia do PSD-PR, e os da UDN, liderada pelo líder caudilhesco e forte Leandro Maciel. Ele era o candidato ao Senado. Pela primeira vez a televisão entraria em cena, e Gilvan foi brilhante, enquanto Leandro, já idoso, repetia velhos temas.

 O clima político aparentemente aliviado não afastara a repressão, e no entorno da Rádio Jornal, onde se faziam ao vivo para serem simultaneamente retransmitidos os programas eleitorais, ficava atenta a Policia Federal para conduzir até as suas dependências, aqueles jovens do MDB que se entusiasmassem muito nos discursos.

Gilvan cresceu muito em Aracaju, e no interior pessedistas e perreistas nele despejaram votos.  Gilvan venceu, sendo parte de um fenômeno eleitoral que levou a oposição consentida à vitória em 16 estados brasileiros. Isso levaria o regime a criar na eleição seguinte a figura bizarra do Senador eleito indiretamente pelas Assembleias, e que logo receberam o nome de biônicos.

Gilvan foi um dos melhores senadores daquele período, destacou-se nacionalmente, foi líder da oposição, mas não soube fazer a nossa política provinciana, e só teve um mandato, apesar da sua eloquência, da sua cultura, da sua integridade pessoal.

O delegado Alessandro Vieira agora Senador da República, guardadas as circunstâncias, seria uma reedição do fenômeno Gilvan Rocha. O delegado, um quase desconhecido, projetou-se um pouco quando abriu um inquérito para apurar supostos casos de corrupção, ele está longe do brilhantismo de Gilvan, mas, teve ao seu favor o grande e equalizador instrumento que se chama redes sociais. Mas não foi só isso, o grande fator da sua vitória foram os votos deslocados para ele, pelos próprios candidatos que estariam supostamente na dianteira, enquanto ele apenas dava sinais de vida, em virtude da simpatia revelada em setores da classe média aracajuana. 

Todos os senadores das chapas concorrentes mais poderosas, digladiavam-se entre eles mesmos. Achando que Alessandro só iria no máximo a uns 15% e que o eleitor insistia em digitar os dois quadrinhos para Senador, recorreram ao voto cruzado, neles próprios, e naquele Alessandro, visto com simpatia, mas, pensavam, sem chances de ganhar.

André Moura na sua desavença com Heleno Silva, pediu aos seus apoiadores o voto nele, André, e o segundo poderia ser em Alessandro. Heleno, em escancarada confrontação com André, fez o mesmo. Jackson e Rogério, igualmente desavindos tiveram o mesmo comportamento.

Basta que se verifique a votação em municípios do Interior, como Itabaiana, por exemplo, para que se constatem os resultados positivos para Alessandro dessa desavença entre os mais cotados. O senador Valadares pediu o segundo voto para o seu companheiro de chapa, Henry Clay, mas, como até ele teve poucos votos, a segunda opção foi ainda pior.

Alessandro orientou sua narrativa de candidato pela crítica à ¨Velha Política¨, apresentando-se como o novo, livre da contaminação daquelas práticas do passado. Sendo delegado fortalecia sua imagem, nesses tempos em que o discurso da segurança pública ganha impensáveis espaços. Mas, sem os votos que lhe chegaram vindo de todos os poderosos oponentes, ele não alcançaria o sucesso, que nem chegara a imaginar.

O seu comportamento político agora, por coerência com o discurso de candidato teria de ser o distanciamento de todas as chamadas áreas políticas tradicionais. Afinal, ele era o novo, o candidato livre das influências da ¨velha política viciada¨.

Então, por ausência de visão política, resultante da falta de experiência, ou mesmo pela incapacidade de enxergar, o senador eleito Alessandro anuncia o seu apoio ao candidato Valadarizinho, aquele mesmo, a quem, no inicio da campanha acusara, e ao seu pai, de estarem boicotando a sua candidatura, porque eram useiros e vezeiros nas práticas da ¨velha política¨.

O senador eleito delegado Alessandro, teria se utilizado do look da modernidade apenas para cobrir-se com ele durante a campanha por cima do seu modelo verdadeiro, antiquado e mofado do fraque e cartola?

Alessandro sentiu logo o golpe profundo na sua nascente e já moribunda credibilidade, pela onda volumosa de críticas nas mesmas redes sociais que lhe abriram caminhos, e correu a refugiar-se em São Paulo, a pretexto de fazer um curso sobre novas práticas políticas.

Recorrendo, em paródia, ao sempre recorrido poeta luso, diríamos: ¨Tudo nem vale a pena quando a alma é mesmo pequena¨.

 

 

 

 

 

 

 

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