Carlos Heitor Cony não era, um 1964, um jornalista incluído no rol seleto daqueles luminares no dia a dia da imprensa escrita, na época, a grande formadora de opinião. Mas, sendo colunista do Correio da Manhã, isso bastava para lhe conferir algum destaque. No mês de abril de 1964, quando o ranger metálico das lagartas dos tanques pelas ruas do Rio de Janeiro ainda ressoavam aos ouvidos de muitos que tinham medo, e de outros tantos que estavam em festa, Carlos Heitor Cony, tornou-se, assim de repente, o mais famoso e polêmico jornalista do país. Seu texto sempre fora lapidar, e ele o aguçou, desafiadoramente, num artigo ao qual deu o nome de O Ato e o Fato.
O Correio da Manhã de Paulo Bittencourt, foi herdado pela viúva Niomar Moniz Sodré, até então uma socialite jovem, com quem casara o poderoso homem da mídia. O jornal já andava há algum tempo cambaleante, seguindo aquele roteiro de dez anos, calculado pelo sagaz Roberto Marinho, para a morte anunciada dos grandes diários.
As vendas imediatamente reagiram, porque o Ato e o Fato tornou-se uma série em capítulos diários. Mas a publicidade permaneceu escassa. E o Correio, minguou, morreu, sufocado pelo FATO avassalador do novo regime, enquanto Niomar foi exilar-se em Paris, e Cony cumpriu um calvário sucessivo de prisões continuadas.
O nome escolhido por Cony, para o artigo que interrompeu um coro quase uníssono de aplausos, relacionava o ATO, instrumento “jurídico” que legitimava o poder das armas ao FATO, a evidencia de uma ruptura institucional, com as suas consequências imprevisíveis.
Hoje, a curta e elucidativa frase, poderia também, para a pedagogia diária da mídia escrita, falada e televisada, significar a adesão ao compromisso de associar o ATO da notícia, do comentário, até da verrina, ao FATO real, indiscutível, palpável, verdadeiro.
Vivemos tempos complexos, diríamos até inusitados.
A nova mídia virtual, hoje de fato o quarto poder, traduz múltiplos e variados interesses, expressa tendências, e escancancara radicalismos. Também, a todo instante, explode sob a forma de falsidades, todos os ódios, todas as frustrações, o conjunto dos recalques coletivos. A mídia digital tornou-se avassaladora, porque é o resultado de um inacreditável fenômeno: a transformação de cada indivíduo, do semianalfabeto ao intelectual, num agente formador de opinião, ativista político, o extremado desagregador social, formando legiões de adeptos.
A mídia tradicional, entendem alguns, já superada, vai resistindo como pode. Há quem preveja um mundo sem jornais impressos, num espaço máximo de dez anos. Mas essa mídia clássica, digamos assim, tem sido ainda um fator de equilíbrio, e mais ainda de restauração da realidade dos fatos, tão desvirtuados e tão manipulados no mundo digital, onde ninguém responde pelos seus atos.
O Jornal do Dia, é um veículo impresso resistente, com um pequeno todavia seleto grupo de redatores, de analistas políticos, de um crítico de arte que mereceria figurar nas páginas de grandes jornais com amplitude nacional. Tem, ainda, a virtude de não “ter dono”. É um jornal de jornalistas, às vezes, foi a narrativa única de crítica, quando tudo se transformava na unanimidade do aplauso.
As pessoas, têm ou terão um dia a sua biografia, e nisso há uma sutil diferença: o jornal constrói diariamente a própria “biografia”, naquilo que contêm as suas páginas, e nisso, ainda que indiretamente, são “biografados” os que as escrevem.
Assim, para manter aquele laço de identidade entre o que aqui simbolizamos como o ATO e o FATO, um, não sobrevivendo sem o outro, o resistente Jornal do Dia, sem nenhum demérito para a sua “biografia”, até para preservá-la íntegra, poderia fazer, no espaço antes utilizado da primeira página, uma necessária retratação, destacando que o Conselheiro do Tribunal de Contas Carlos Pinna de Assis, nunca chegou a ser condenado pelo STJ, ou outra qualquer Corte de Justiça.
As vezes, e isso é tão corriqueiro nas redações, onde, como em qualquer local, existem amizades, preferências, sintonias ou idiossincrasias, (lá vem aquela palavra de que tanto gostava um ícone de política sergipana José Carlos Teixeira), se intrometem “insinuações”, digamos assim, externas, vindas de sujeitos convenientemente ocultos.
Isso faz parte do cenário, e dele nenhuma redação escapa. São episódios humanos, demasiadamente humanos.
Todavia, reconhecer um equívoco, e que, no caso, afeta duramente a vida de um cidadão como Carlos Pinna, que tem sido ao longo da vida um articulador de laços sociais benéficos, virtuosos até; que se caracteriza ainda pelo comedimento, pelo respeito às instituições e à cidadania, poderia não agradar ao “sujeito oculto”, mas, faria muito bem à “biografia” do próprio jornal.
Inexiste o ATO da notícia ou do comentário, quando lhe falta a objetividade do FATO.