Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
NOSSO TRISTE RECORDE MUNDIAL DE SANGREIRA
06/02/2019
NOSSO TRISTE RECORDE MUNDIAL DE SANGREIRA

(Jabuticaba Brasileira: bandido exibindo fuzil)

Aquele país que se dizia o paraíso da cordialidade, da temperança, do entendimento e tolerância que se supunha fosse o Brasil, talvez, nunca houvesse existido mesmo. A nossa História, toda ela uma sucessão de lutas fratricidas, de rebeliões sangrentas, de graves desentendimentos políticos, suspeita-se, tenha passado desapercebida a intelectuais como Sérgio Buarque de Holanda, o inventor do brasileiro cordial, e Stefen Zweig, um austríaco que veio correndo para o Brasil, com medo de Adolf Hitler, que começava a conquistar o mundo e a por em marcha a sua meta de exterminar os judeus.

Judeu, e escritor de fama internacional, Zweig encontrou bom acolhimento num país cujo governo ditatorial flertava, ou melhor, quase amasiava-se com o nazi-fascismo. Getúlio, o ditador, o recebia no Rio Negro, o seu palácio de veraneio em Petrópolis, e homenageava a ele e à esposa com jantares, seguidos de afáveis e construtivas conversas.

Zweig então escreveu o livro Brasil, País do Futuro. Getúlio adorou a propaganda que se fazia indiretamente do seu próprio regime, com a exaltação da tolerância, afabilidade e harmonia predominantes entre os brasileiros, num contraste virtuoso com o clima de ódio e sangue vigente no resto do mundo, por sinal, o mundo civilizado da época.

O Brasil adiou o ansiado encontro com o porvir, ou dele tenha sentido a presença apenas, em efêmeros períodos. Já a cordialidade exaltada por Sérgio Buarque, foi sendo diariamente desconstruída nas manchetes em “caixa alta” dos matutinos e vespertinos, de cujas páginas, dizia-se, escorria sangue. E isso começou a acontecer ainda nos anos quarenta, e foi num crescendo sem interrupção, até chegarmos hoje ao patamar sombrio de uma liderança mundial traduzida nas cifras da sangreira de homicídios, que chegam a 60 mil a cada ano. E tende a aumentar.

E o que é pior: as gangues criaram espaços próprios, nesgas dominadas da pátria amada salve salve, onde exercem um domínio incontestado diante do Estado, e se estraçalham pela hegemonia entre elas mesmas, ou, ameaçadas por um novo poder paralelo e desenhado como se fosse a face punitiva e subterrânea do Estado: as milícias. Na verdade, os frangalhos em que se vai transformando o poder público, corrompido e acumpliciado com o crime, e tendo feito a opção pela vertente bandida do justiçamento e da extorsão.

Caso os milicianos se vejam ameaçados pelas reações do Estado, ou os narcotraficantes sintam que perdem terreno, de cima dos morros do Rio de Janeiro centenas de fuzis e metralhadoras poderão atirar contra a cidade, e o pânico se estabelecerá.

O que está ocorrendo agora no Ceará, seria apenas uma pálida amostra do que bandidos assim rotulados, e milicianos ainda sem esse rótulo, poderiam fazer na imensa cidade maravilhosa do Rio de Janeiro.

Diante da tragédia de uma sociedade destituída da proteção legítima e indispensável do poder público, o Estado brasileiro por todos os seus entes constitutivos, omitiu-se, tergiversou, ou simplesmente acovardou-se.

Alguns refugiaram-se na tese hoje tornada inepta de que, corrigindo-se as desigualdades sociais o crime refluiria naturalmente. Isso não aconteceu, enquanto a própria ascensão social gerava mais narizes cheiradores.

Como vulgarmente se diz: “o buraco é mais embaixo”. E haja especialistas, sociólogos, cientistas políticos, filósofos, psicólogos, médicos, psicanalistas, psiquiatras, religiosos, políticos, charlatães, para se empenharem num debate envolvendo o narcotráfico, a violência, e as formas de combater a um, e ao outro.

E criaram-se os times contendores: o da cadeia e o da escola, o da bala e o dos direitos humanos.

Surgiu uma refrega ideológica, e nada de se encontrar um denominador comum sobre o melhor caminho para conter a violência.

O ministro Sérgio Moro corre em direção ao sentimento popular, e tem pressa para fazer aprovar no Congresso um projeto de lei endurecendo penas, acabando a frouxidão nas cadeias, e adianta-se, talvez com riscos, a uma esperada decisão do STF sobre o cumprimento da pena após decisão da segunda instância.

É evidente que a polícia terá de receber a cobertura devida para agir quando há combate, enfrentamento com a marginalidade, que, no Brasil, tem o privilégio de portar fuzis de última geração.

Mas será um tanto difícil convencer o Congresso, onde se sabe que existem também representantes do narcotráfico, das milícias, das facções criminosas, e dos engravatados, renitentes peculatários.

Eles irão aprovar medidas contra os seus próprios interesses?

Essa é uma realidade que não é somente brasileira. A representação politica é a fotografia sem retoques de cada etapa da sociedade. E ninguém imagine que fechar Congresso seja a solução.

Tudo começa pelo eleitor equivocado, que escolhe levado por emoções, ou capitulando diante do dinheiro que recebe.

Por qual motivo temos a ilustre figura de um Valdevan 90 a nos representar na Câmara dos Deputados?

No caso, o erro não é apenas do eleitor, mas, da complacência ou conivência que certos setores da Justiça demonstram, e que, à boca miúda, fazem surgir comentários desairosos sobre a ¨circulação de reais¨.

Há pressa para que se aprove a reforma da previdência, depois, a reforma tributária, talvez, uma improvável reforma política, e esses temas centralizam as atenções. Nesse sentido, a iniciativa do ex-Juiz poderá ter sido um tanto fora de hora.

Mas, existe formatado o modelo de segurança deixado pelo ex-Ministro Raul Jungman. Ele prevê a integração de esforços e de aprimoramento do sistema de inteligência entre estados e a União. Prevê a presença indispensável do governo Federal como agente principal e líder da rede nacional de segurança pública, exercendo um papel nunca assumido integralmente de responsabilizar-se pelas nossas fronteiras.

Talvez, para que se retirem resultados concretos e mais rápidos, o que melhor faria o ministro Moro seria esquecer a fotografia com a presença de governadores e secretários de segurança a ouvi-lo falar. Melhor seria tratar de por em prática um modelo de segurança que já está desenhado, e que poderá ter aplicação imediata, mesmo com a frouxidão das nossas leis penais, que ao longo do processo iriam sendo atualizadas.

Voltar