(Entre as águias e os urubus)
Nós, sergipanos, nunca conseguimos ao longo da história nos libertar por completo daquele acanhamento resultante do determinismo geográfico dessa superfície exígua, onde nos foi dado viver. Cercados pela opulência territorial baiana, nos deixamos abater sempre pelo desanimo, e confinamos o próprio comportamento ao espaço onde nunca conseguimos conviver descortinando maiores horizontes. Talvez, isso tantas vezes nos faça conformados com a mediocridade e até a mesquinharia.
Nos comportamos como antagonistas, enxergando no outro um invasor dos nossos restritos domínios. Provavelmente, nos distanciamos, também, daquele espírito gregário, que faz florescer a coletividade, porque, ao invés de nos sentirmos próximos, nos comportamos como se estivéssemos sempre sendo apertados, e nos dividimos entre incômodos e incomodados.
E quem nos aperta ou esmaga nessa miudeza serigipaníssima?
O vizinho, aquele ao lado e com quem mutuamente estamos a nos estranhar.
Mais do que conterrâneos, somos estranhos e desconfiados.
Os judeus, errantes na sua diáspora mundo afora, na primeira oportunidade, retornaram em massa à terra berço, nela se apertaram, se acomodaram, se aconchegaram, e fizeram de Israel uma grande Nação, por sinal menor do que Sergipe, com cinco vezes mais habitantes, que muito divergem, e muito se distanciam em visões politicas diversas, mas, tratando-se do interesse maior de Israel, estão sempre juntos, irmãos e irmanados.
Um dia, um sergipano, talvez inconformado com os nossos complexos, as nossas ânsias difusas de inconformismos e hostilidades, resolveu recorrer a uma metáfora, e disse que Sergipe, tão pequeno, era um Ninho de Águias. Exemplificou mostrando que daqui saíram Tobias Barreto, Silvio Romero, João Ribeiro, Manoel Bonfim, Gumercindo Bessa , Ranulfo Prata, e tantos e tantos outros.
Destacaram-se pelo talento. Mas aí, pessimistas ou realistas disseram: “Os gênios não couberam dentro de Sergipe.”
Graccho Cardoso, governando Sergipe, em menos de quatro anos espalhou obras importantes pelo estado, e em todas elas colocou uma águia encimando-a, destacada no topo.
Seria uma inspiração romana, agregando-se, para dar força ao gongórico da frase ufanista.
Não tardou, tanto as águias virtuais do ninho, como aquelas reais cinzeladas em pedra, acabaram sendo ridicularizadas , da mesma forma pelos políticos contrariados ou invejosos, como pelos panfletários irreverentes.
Nessa mixórdia de sentimentos complexos, acabamos por mergulhar num pessimismo opaco, e dele não escapamos.
Quando se fez a primeira pavimentação asfáltica nas ruas aracajuanas, surgiram os que garantiam que no nosso solo de apicuns encharcados, o asfalto logo viraria lama.
Quando começou a construção do que na época era chamado de arranha-céu, o edifício Atalaia, com dez andares, houve um sisudo editorial advertindo para o risco daquela obra, no solo flácido de Aracaju. Na origem de tudo, estavam divergências políticas.
Quando o governador Lourival Baptista começou a instalar o Distrito Industrial de Aracaju, espalhava-se, inclusive em comentários de jornais, que ali iriam ser criadas duas fábricas: uma de pé de moleque, outra de bolo de puba.
Quando o governador Augusto Franco construiu a Adutora do São Francisco, espalhou-se a informação de que iríamos ter as mais caras tarifas de água do mundo.
Quando o governador Luiz Garcia construiu o Hotel Pálace de Aracaju, popularizou- se um comentário de jornal sobre o futuro do empreendimento: o hotel iria sobreviver hospedando a família do governador, e servindo a eles almoços e jantares.
Não se conseguiu ainda vencer o sentimento de frustração permanente de sermos um estado pequeno e pobre, e condenado a permanecer assim.
O grande planejador do nosso desenvolvimento nas décadas de cinquenta e sessenta, o economista Aloísio de Campos, apesar dos êxitos que alcançou, costumava dizer em instantes de avassalador desalento: “Enterraram em Sergipe uma caveira de burro".
Pois é, restaria a todos nós a iniciativa de desenterrá-la livrando-nos da mandinga perversa que nos causaria desalento, atraso e frustrações.
Sai a “velha política", teria começado a “nova política", mas Sergipe permanece assolado pelo sentimento de malquerenças imotivadas, de ranzinzices emboloradas, e ainda pelo mofo irremovível do pessimismo, tudo, agora, acrescido com uma dose desarrazoada de odiosidade.
Aqui, em Aracaju, teria acontecido no dia 4 deste mês o Simpósio do Gás. Seria a abertura para um novo tempo, anunciado com a presença, entre outros, do ministro das Minas e Energia Bento Albuquerque, de executivos das maiores empresas de gás do mundo. Aconteceu aquela tragédia, estranha em todos os sentidos, o suicídio em público do um industrial da área cerâmica, Sadi Glitz. Antes do tiro ele chamou de mentiroso o governador Belivaldo Chagas, que acabara de ler um discurso, onde traçava as linhas da nova economia do gás, e das medidas que seriam tomadas, em conjunto, pelos governos federal e estadual.
O empresário enfrentava dificuldades enormes, depois de uma bem sucedida trajetória de empreendedorismo em Sergipe, e um dos obstáculos seria exatamente o preço do gás. Menos de uma semana depois, uma decisão do CADE com a concordância da PETROBRAS, acabava o monopólio e abria o mercado do gás para a concorrência, com uma esperada redução considerável de tarifas.
Seria insensato e desrespeitoso, falar sobre as motivações, sobre as agonias, sobre os tormentos mentais, de alguém que chega a um gesto extremo de acabar com a vida, e dando ao ato final a assistência de uma enorme plateia, causando pavor e choque em centenas de pessoas.
Mas, no que vem sucedendo depois, com a desfaçatez da picuinha, com esse refluxo das frustrações políticas que se valem da tragédia, nessas manifestações, se pode identificar, facilmente, as garras dos que se empenham em cavar cada vez mais fundo o buraco onde estaria a “caveira de burro” dos nossos fracassos, e das nossas mesquinharias.
Sergipe, o ninho das águias, também abriga abutres. E para o abutre, um cadáver é sempre prato cheio. Ainda que seja de um ser humano. Aproveitam-se da tragédia para regurgitar frustrações pessoais, e manter vivo um desgraçado clima de odiosidade, onde o adversário deve ser demolido a qualquer custo.