(A flatulência da vaca)
O bicho humano é carnívoro por excelência. Desde as cavernas após descer das árvores, onde frutos e folhas lhe bastavam, o bicho homem sentiu o gosto de sangue na boca, talvez aproveitando os restos de um animal que outro matara e saciara a fome deixando sobras. Dai em diante surgia o caçador na busca incessante de quem abater. Animal frágil, facilmente presa de outros bem maiores que ainda deixavam suas pegadas pelo povoado planeta, já aquietando suas desmedidas convulsões geológicas. O homo sapiens, destacada espécie na numerosa fauna de bestas fortes, todavia desinteligentes, foi substituindo a pedra e criando armas mais eficientes para caçar, e também matar outros semelhantes, porque se fizera, ao mesmo tempo, caçador e guerreiro.
Quando as selvas já não conseguiam sustentar a caça que o devorador carnívoro necessitava, então, ele foi reforçar a agricultura para se abastecer com os grãos, as verduras, os legumes. Domesticou rebanhos e se pôs a engordá-los, aí, passou a depender deles. Surgiu a imensa contradição: era preciso usar cada vez mais as extensões de terra para alimentar os numerosos rebanhos. O Brasil, por exemplo, produz milhões de toneladas de milho e soja para que sejam feitas rações e alimentem um rebanho de mais de 150 milhões de bovinos, e de tantos outros, que, por sua vez, se transformam em guloseima para os humanos. Agora entra em cena a questão ambiental, e o ¨peido¨ da vaca, aquela flatulência solta no ar, conduz uma carga de carbono que estaria contribuindo para a calamidade planetária do aquecimento global. Sobre a flatulência vacum, o satírico blogueiro, douto esculápio e sanitarista Antônio Samarone, produziu um texto ferino e preciso.
Belos argumentos, fortalecidos com a nossa irracionalidade, para reforçar os outros argumentos, mais lógicos, todavia insípidos, dos vegetarianos, ou agora radicalmente veganos. Estes, não recebem a graça quase suprema de uma bisteca florentina, que até são encontradas nas imitações sofríveis das churrascarias de beira de estrada, desde que servidas bem sangrentas.
Essa necessidade que sente o homo sapiens de provocar a sangreira desatada dos milhões de herbívoros abatidos todos os dias, fez, necessariamente, multiplicar os Matadouros, aqueles templos malcheirosos do sacrifício diuturno ao insaciável deus estômago.
A coisa sofisticou-se, surgindo os frigoríficos, a indústria da morte bem sofisticada, asséptica, ágil, automatizada, com suas extensas linhas de desmontagem dos bichos, nos cortes atraentes que agregam valor à simplicidade da carne sem maiores tratos.
Aqui em Sergipe o matadouro, rústico, fedorento, onde açougueiros com roupas ensanguentadas promovem o ritual cotidiano da morte e esquartejamento metódico dos corpos, começou agora a criar problemas. O Ministério Público além de dar de frente com transgressões ambientais e sanitárias, detectou aqui e ali, algumas espertezas, que teriam levado dois prefeitos a trocarem compulsoriamente seus gabinetes, por celas que, no caso deles, têm nome de sala.
Matadouro não combina com coisa pública, assim, os prefeitos com mais sensatez, e que tenham matadouros para administrar, estão buscando deles ficar distantes, fechando portas ou encontrando quem se disponha a comprá-los ou a ser concessionário.
Ainda não seria a melhor solução, porque surgiriam empresas cambaleantes, descapitalizadas, com baixo nível de lucratividade, sem margem para reinvestir em modernização.
Se trocaria o descalabro público pela inviabilidade privada.
A saída estaria na modernização do processo do abate, do transporte, da fiscalização e do comércio da carne nossa de cada dia.
Para isso já existem frigoríficos montados por grupos com capacidade técnica e financeira. Para eles se deveria transferir o abate, procurando-se o amparo da manutenção dos empregos dos que hoje são açougueiros espalhados pelos matadouros fechados. Já existem dois e um em projeto, talvez, com mais um localizado em Nossa Senhora da Glória, se poderia formar uma rede de atendimento para todo o estado.