Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
MATADOUROS ABATENDO OS BOIS E AS REPUTAÇÕES
09/11/2018
MATADOUROS ABATENDO OS BOIS E AS REPUTAÇÕES

(Francisquinho, tinha um matadouro no caminho)    

Em Sergipe matadouros públicos quer pertencendo a municípios como ao estado sempre deram fartos motivos para grandes confusões. Por causa de um matadouro, e certamente haverá alguma coisa mais por trás dos bois, o prefeito de Itabaiana Valmir de Francisquinho, até então muito bem avaliado como gestor eficiente, está agora junto com alguns auxiliares passando uma indesejada temporada na cadeia. Não só os bois são abatidos em Matadouros, reputações também podem ter o mesmo destino.

Bois abatidos servem para saciar a fome, já as reputações abatidas, ao contrário, alimentam a fome insaciável de desconstrução moral, que sempre surge após a revelação pública de malandragens, supostas, ou efetivamente cometidas por políticos no exercício de mandatos que o povo lhes confiam.

Há alguns eles transitam impávidos pelos caminhos tortuosos que seguem, sem que ninguém os atrapalhem, por serem espertos na caminhada, terem sorte, ou gozarem do benefício de órgãos fiscalizadores ineptos, ou, no mínimo, descuidados.

A delegada Daniele Garcia, e em menor intensidade o delegado agora senador Alessandro Vieira se tornaram cabos eleitorais da malograda candidatura ao governo do deputado Valadares Filho, e, além do apoio ao candidato, disseram-se perseguidos, justamente porque lutavam denodadamente contra a corrupção. Os dois, nas suas sucessivas falas eleitorais, criaram a suspeita de que, ao deixarem o comando do setor da polícia encarregado de identificar malandros de paletó e gravata, dali em diante, os roedores de cofres públicos não se dariam mais ao trabalho de abafar aquele ruído que a sua artesania nefasta sempre provoca.

Essa atitude dos delegados causou insatisfação entre os próprios colegas, principalmente entre aqueles que os substituíram, e que, em curto espaço de tempo, alcançaram resultados superiores aos que os antecederam. Talvez os delegados substituídos se imaginassem campeões absolutos na tarefa que, pelas suas características, deveria sempre ser tão discreta quanto corriqueira, jamais devendo servir de escadaria por onde transitam ambições políticas. O combate ao crime organizado exige ações da mesma forma cautelosas, tanto quando se buscam punir crimes dos ¨pés de chinelo¨, como aqueles dos ¨punhos de renda¨.

A reputação do prefeito Valmir de Francisquinho, parece agora estar irremediavelmente comprometida. Segundo a sempre comedida e sensata superintendente da SSP, delegada Katarina Feitosa, existem provas contra o prefeito Valmir por ela definidas como ¨robustas¨.

Não é fácil lidar com Matadouros, não exatamente por dificuldades na sangrenta faina de abater gado, ou das exigências sanitárias e ambientais que devem ser cumpridas, o problema maior é enquadrar a atividade no espaço da legislação específica que rege a gestão pública.

Tudo seria bem mais fácil se esses abatedouros geralmente construídos pelos municípios, e com verbas federais, tendo o objetivo de evitar o abate clandestino, ilegal, fossem transferidos para a iniciativa privada, vendidos, ou cedidos sob a forma de concessões.

Mas, estranhamente, os prefeitos se apegam ao “sacrifício” de administrar a ¨carnificina¨. O próprio prefeito Valmir reagiu forte quando um moderno abatedouro-frigorifico do Grupo Maim, foi instalado no interior do seu município. Recusou-se a transferir o abate para a atividade privada, e manteve em operação o Matadouro Municipal, onde, não só falhas sanitárias eram apontadas.

Se tiverem juízo, aqueles prefeitos de municípios onde existam Matadouros públicos, deveriam tratar rapidamente de privatizá-los.

Matar bois, receber dinheiro pelo serviço prestado, não deve ser uma atribuição de prefeituras.

A TURBULENTA CRÔNICA DAS CASAS ONDE MATAM BOIS

(Matadouros, carnes e carniças)

A História dos matadouros públicos em Sergipe é turbulenta, e dela nem Aracaju escapou. Mas o Matadouro aracajuano não era da Prefeitura, era do governo do estado, que, durante muito tempo o tratava como se fosse uma ¨joia da coroa¨, embora suja, repugnante, a começar pelo aspecto deplorável das  instalações, a forma medieval como se faziam os abates e toda a sequência das operações, e, pior ainda, as relações viciadas que envolviam o poder público, a política rasteira, com o negócio sempre nebuloso da chamada ¨carne verde¨. 

O governo não administrava diretamente o Matadouro, preferia a concessão, invariavelmente feita a políticos-pecuaristas, e que faziam parte do grupo no poder. Divergências entre ¨boiadeiros¨ girando em torno do controle do Matadouro, causaram conflitos e mortes.

Um dos concessionários, quando mudou o governo e recusou-se a sair, alegando que o contrato ia além do tempo do mandato do governante anterior, descobriu que os seus papeis não valiam nada, quando ocorreu uma operação com características bélicas, levada a efeito pela PolÍcia Militar, que esperava encontrar resistência armada durante a ocupação.

A sebosa central de mortes bovinas, ficava na Avenida Maranhão, nos fundos do Aeroclube de Sergipe, cuja pista de piçarra, com uns 800 metros de comprimento servia para a operação dos bimotores de todas as empresas aéreas operando em Aracaju, que, depois da guerra, (1939-1945) eram quase dez.

Os marchantes, as fateiras, espalhavam restos dos animais pelo matagal em volta, e por ali os urubus disputavam a carniça com os cães, uma numerosa matilha. Os urubus eram sempre uma ameaça aos pousos e decolagem dos aviões, isso até 1958, quando entrou em operação o Aeroporto de Aracaju, na Atalaia, e no aeródromo quase sem serventia ficaram operando apenas os poucos aviões de treinamento do Aeroclube. Um detalhe: a pista de pouso, os hangares e a miúda estação de passageiros, foram construídos por um grupo de cidadãos, liderados por Walter de Assis Ferreira Baptista, para desenvolver em Sergipe a atividade aeronáutica. O governo do estado apenas a tudo assistiu, quase sempre de longe.

Voltando ao antigo Matadouro. Por algum tempo, depois da retomada ¨manu militari¨, a matança ficou sob a responsabilidade direta do governo do estado, no maltratado e fedorento prédio, e debaixo da proteção de uma tropa da PM formada por soldados maltrapilhos, armados com obsoletos mosquetões.

Travou-se então furiosa disputa envolvendo boiadeiros influentes, que formavam o chamado ¨Partido do Boi¨, alguns dos quais também integrantes de outra facção poderosa, o Partido da Pistola, e, finalmente, o Matadouro mais uma vez foi terceirizado.

Na virada da década dos anos 50 para os 60, pecuaristas, que também exerciam variadas atividades, eram comerciantes, industriais, advogados, médicos, com a participação do Estado, instalaram o moderno Frigorifico de Aracaju. Fechou o velho Matadouro, e o objetivo era concentrar cada vez mais o abate em Aracaju, com a capacidade que tinha a nova unidade de industrializar as carnes, e seguir padrões de higiene, tendo a fiscalização permanente do Ministério da Agricultura.

Um dos primeiros fiscais federais foi o veterinário Matias Paulino. Pernambucano, ele chegou a Aracaju e logo conheceu Lígia Maynard Garcez, a moça que dirigia um Ford, ¨rabo de peixe¨ azul e branco, chapa 1. Formam hoje um longevo e proativo casal com participação meritória em nossa sociedade, e o veterinário tornou-se também advogado, para estar junto, na Faculdade de Direito, da então namorada.

O assunto Matadouro, árido, até desprimoroso, envolve, felizmente, leves amenidades das quais temos de tratar com o devido carinho.

Mas, enfim, o Frigorífico de Aracaju também acabou, tragado pela concorrência predadora do abate clandestino, ou o ¨boi na folhinha¨, negócio em cujo entorno organizou-se uma máfia, com poder político, e pistola também.

Mas, por essa época já surgira a Nutrial em Propriá, empresa nascida da visão do empresário Murilo Dantas, que idealizou uma cadeia de produção verticalizada, e em escala. Não foi complementada, em face dos maus tratos que sofre no Brasil a atividade produtiva, para que se sobreponha, privilegiadamente, o parasitário capital rentista.

Agora, porém, com o surgimento do Frigorifico do grupo Maim, e do que será instalado pelo Grupo Maratá, às margens da nova rodovia Itabaiana-Itaporanga, iniciada por Jackson, e a ampliação do Nutrial, se tornará inevitável o encerramento das atividades dos matadouros municipais, que, tanto podem fazer a ¨felicidade¨ como a desgraça dos prefeitos.

Um detalhe: O frigorífico do grupo Maratá será voltado para a exportação de cortes especiais, o que agregará valor ao nosso produto.

 

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