Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
“ISSO É COISA DE VIADO”
24/05/2019
“ISSO É COISA DE VIADO”

(Carlinhos Maia e Mateus, o sucesso da festa)

Lá pelas caatingas onde Lampião fazia as suas bravuras, e atrocidades, até bem pouco tempo sobreviveu um outro tipo de cangaceirismo, aquele, que metia as mãos sangrentas na política e nos cofres. Chegou ao cúmulo da ousadia no atentado em Aracaju contra o desembargador Luiz Mendonça, então presidente do Tribunal Regional Eleitoral. Esse cangaço sem “papo amarelo” nem alpercatas, que se movia em Cherokees, levando metralhadoras Uzi, fez muitas vítimas, uma delas, o radialista Zezinho Cazuza, da Xingó-FM, abatido pela arrogância desumana de bandidos acobertados pelo poder. Ao amanhecer do dia 13 de março de 2000, quando o corpo despedaçado do radialista ainda jazia sobre a pedra do fétido morgue do hospital mal tratado de Canindé do São Francisco, o prefeito, logo apontado como mandante do crime, falava ao telefone numa emissora de rádio de Aracaju, para banalizar a barbaridade, dizendo: “o crime não tem nada de político, Cazuza era um homossexual, isso é coisa de gente como ele, coisa de viado”.

Uma das mais fortes características da humanidade é o confronto que marca a sua História, deslizando dos espaços reservados à racionalidade aos surtos recorrentes da estupidez. Esse entrechoque, dramatiza a trajetória do homo sapiens, ou rationalis, que tanto compõe a Quinta Sinfonia, A Noite do Meu Bem, La Vie em Rose, como fabrica armas de destruição em massa.

O ser humano, exatamente por possuir e cultivar a inteligência, é contraditório, e permanentemente inquieto.

Sendo contraditório, sublimou a música, e inventou a guerra.

Sendo inquieto, inventou a bisbilhotice. Ou seja, aquela mania de intrometer-se na vida dos outros, de invadir espaços que seriam a indevassável célula da intimidade dos semelhantes.

Assim procedendo tornou-se intolerante, e o que é ainda pior: refugiou-se na hipocrisia, aquele palco onde vicejam os sentimentos pérfidos, recobertos, todos, pelo manto seboso da falsidade.

Dessa arquitetura, ou lixeira de frustrações, surgiu a bactéria perigosa do preconceito, que é berçário do ódio.

Esses moços, Carlinhos Maia e Mateus, saídos dos estamentos mais pobres da nossa árdua vida nordestina, ousaram fazer um happening social, unindo a fama e o prestígio que conquistaram à ousadia do desafio. Desde Canindé do São Francisco e Piranhas, cidades irmanadas pela mesma água do Velho Chico, eles levaram à Aldeia Global as imagens da felicidade de dois seres humanos ligados pelo afeto, e que anunciavam, com muita pompa e circunstância, sem receios, a sua união, assim, pública e festivamente proclamada. Quiseram dar a ela um sentimento de família, que, na verdade, sempre existe onde prevalece a harmonia. Comemoraram ao lado dos pais, irmãos, avós, os parentes todos, e uma infinidade de amigos.

Fizeram algum mal, agrediram a alguém, espalharam, ódio, malquerenças, afetaram o rumo corriqueiro da vida?

Carregaram fuzis?

Faz pouco tempo, aqui em Sergipe, onde morreu o cangaceiro Lampião, símbolo de valentia e macheza, anunciou-se a “descoberta” da sua homossexualidade. O “Capitão” Virgulino Ferreira, líder de um grupo formado por pessoas ferozes, casado com a intrépida Maria Bonita, era gay?

A reação dos sergipanos e dos nordestinos em geral não foi, como equivocadamente se imaginou que seria: - não acredito, não é possível, Lampião, viado?

A reação registrada foi majoritariamente esta: “E daí? Isso é problema dele, ninguém tem nada a ver com isso. Lampião, sendo gay, continua sendo o mesmo Lampião”.

Aquela frase “isso é coisa de viado” grosseira, discriminatória, se depender somente do STF, já pode ser incluída no elenco das afrontas criminosas. O Supremo, em votação ainda incompleta, já alcançou, todavia, o número de votos para definir o crime de homofobia. É tão grave quanto discriminar raça, religião, ou gênero. Coisas assim: “isso é coisa de judeu, de negro, ou de mulher.” Essas frases estúpidas, ditas com o intuito de ferir pelo preconceito.

O senso de humor, todavia persiste, e não se deverá censurá-lo. O humor não fere, o humor não discrimina, o humor a si mesmo perdoa, e a si mesmo justifica quando desperta o riso, sinal mais nítido da felicidade. E na felicidade todos se encontram. Até as loiras.........

O STJ, em decisão histórica, acaba agora de condenar o presidente Jair Bolsonaro a pagar 15 mil reais de indenização àquela deputada que ele, ainda na Câmara Federal insultou, durante um bate-boca férvido fora da tribuna: “Você nem merece ser estuprada porque é muito feia”.

Mas há muita gente que dirá: casamento, ou sexo de homem com homem, ou mulher com mulher, é uma afronta às leis de Deus.

A crença religiosa terá de ser respeitada, desde que em consonância com as leis do país, e por sua vez respeitando quem tenha outra convicção, e outro comportamento.

Enfim, é preciso refletir sobre a complexidade das sociedades abertas, sobre a diversidade e os costumes de grupos e de indivíduos.

Isso se chama culto à Liberdade, que aliás termina onde o Direito do outro possa ser arranhado.

Então, que Carlinhos Maia e Mateus, conservem as suas alianças, e, se possível, fiquem juntos e felizes por toda a vida.

Nem precisando, para isso, fazer juras de fidelidades eternas.

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