Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa | Jornalista
ESTAMOS NUMA BOLSOCRACIA?
12/07/2019
ESTAMOS NUMA BOLSOCRACIA?

(O Itamaraty: de Rio Branco ao Bolso Baby)

O presidente Bolsonaro anunciou, com a maior sem cerimonia  do mundo, que vai nomear seu filho Eduardo Bolsonaro, para ocupar a Embaixada do Brasil em Washington, que para nós é ainda a mais importante. Eduardo, como é sabido, elegeu-se deputado federal por São Paulo, sendo recordista em votos. O presidente tem um filho senador, outro deputado federal, e mais um que é vereador do Rio de Janeiro, mas,  instalaram uma trincheira permanente no Planalto, onde traçam  os caminhos ou os descaminhos  da República. Já abateram dois Ministros de Estado, um deles, Santos Cruz, general reformado com brilhante folha de serviços ao país.

Os três jovens afoitos e extremados, foram eleitos pelo voto popular em eleição livre. Impulsionados, é certo, pelo fenômeno eleitoral, aquele surto de Bolsonarismo surgido a partir da devastação dos cofres públicos, tolerada por governos anteriores, e o clímax da incompetência alcançado na era Dilma.

Eduardo é presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara Federal, não se destacou até agora por nenhuma ação que merecesse registro. Tem uma rala tintura de conhecimentos, falseia algumas vezes as regras do vernáculo, sua visão de mundo, além de estreita, é preconceituosa e extremista. As qualidades essenciais  que tem o filho para ser Embaixador, segundo o pai presidente, resume-se ao fato de que aprendeu a falar inglês, e também espanhol, e “é amigo dos filhos de Donald Trump”, que, por sinal, aproxima-se do fim do mandato, e poderá até não ser reeleito.

Nomear parentes em primeiro grau para cargos públicos, é algo que recebeu um nome desde que vigora a Constituição de 1988. Chama-se Nepotismo, e é crime de responsabilidade, ou mesmo prevaricação.

Parlamentar federal não pode exercer cargos públicos que não tenham o nível de Ministério, mas, já se fala em alterar a Constituição, para que o deputado Bolsonaro se transforme, legalmente, sem renunciar ao mandato, no Embaixador Bolsonaro.

Poderiam, os autores da ideia, aproveitar a oportunidade e também alterarem o nome do nosso país, relacionado à sua instituição republicana, e assim passasse a ser:  “República Bolsocrática do Brasil.”

Getúlio Vargas,  foi o homem que por mais tempo exerceu o poder no Brasil. Foram 15 anos como ditador, o que ele mesmo chamava de um “curto período”, e mais quatro eleito pelo voto popular, e derrubado por ele mesmo, com um tiro no peito, antes que os rebelados da Aeronáutica,  consumassem a mazorca, invadissem o Catete e o defenestrassem de lá por alguma janela.

Os filhos de Getúlio nunca foram nomeados para coisa alguma, mas um deles,  Lutero, que era médico, foi convocado pelo exército para acompanhar as tropas que foram lutar na Itália, na Segunda Grande Guerra. O outro, Getulinho, morreu cedo. Era engenheiro, especializou-se nos Estados Unidos e trabalhava numa empresa privada.

Alzirinha, a filha que o acompanhou até os instantes finais, era advogada. Muito inteligente e perspicaz, fazia o papel de secretária particular, de maneira informal, e sem remuneração.

Não se tem noticia na República brasileira, tanto na velha que durou até 1930, quanto na atual, que vai resistindo até hoje, de um presidente nomeando filhos para ministérios, e muito menos para ocuparem Embaixadas. No período  da ditadura militar-civil, (1964-1985) Castelo Branco, o primeiro dos 5 generais, nomeou um irmão para um posto de chefia na Receita Federal, de onde ele era funcionário. O irmão aceitou o presente de um automóvel feito pelos servidores da Receita, Castelo mandou que ele devolvesse o presente e o exonerou. O filho de Costa e Silva, Álcio, era tenente-coronel, e assim permaneceu até reformar-se e ir  trabalhar na iniciativa privada. Médici tinha dois fillhos economistas, continuaram nos cargos que exerciam, distantes, lá no Rio Grande do Sul. Ernesto Geisel tinha uma filha única, o outro morreu ainda menino, atropelado por um trem. A filha, Amália Lucy, era funcionária da FUNARTE. Veio umas duas ou três vezes a Aracaju, e ao ser apresentada às pessoas, declinava apenas o prenome. Extremamente educada, guardava absoluta discrição, jamais aparecendo como Amália Lucy Geisel, a  filha do presidente.

Os exemplos de casa, dos pais, da família, são os mais importantes, sempre, ao longo da vida, principalmente na vida pública.

Quando Geisel assumiu, seu irmão Orlando Geisel era Ministro do Exército, ele o substituiu, nomeando o general Dale Coutinho.

João Figueiredo tinha um irmão intelectual famoso, Guilherme Figueiredo. Ele tornou-se Reitor, mas da Universidade estadual do Rio de Janeiro. Figueiredo não o nomeou.   Os outros irmãos, dois eram generais , que permaneceram no Exército, e um outro,  dentista,  ficou no seu consultório.

Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula, Dilma, nenhum nomeou filhos ou parentes. Dilma tem uma filha Procuradora Federal,e quando foi Ministra de Minas e Energia, a filha trabalhava em Aracaju. Dilma vinha visitá-la viajando em avião de carreira, e no aeroporto tomava um táxi.

Até agora, pelo que se constata quase diariamente, os filhos do presidente Bolsonaro têm sido uma espécie de combustível, extremamente inflamável, a movimentar a “usina de crises” identificada no Planalto pelo presidente da Câmara Rodrigo Maia, um personagem que se transforma em ponto de equilíbrio, em meio aos tumultos brasilienses.   

Por trás desses desarranjos institucionais, surge sempre algum dos integrantes da trinca fumegante de filhos que parecem sentir prazer em provocar incêndios.

Já  agrediram o Supremo Tribunal, os presidentes do Senado e da Câmara, e por último o alvo foi o general Heleno, acusado de desleixo em relação à segurança do presidente e de sua família.

Diplomacia requer tato, sutileza, equilíbrio, moderação, perspicácia, e as vezes é preciso calibrar a desfaçatez, ou também  envolver as ameaças numa embalagem elegante.

Não sem motivo, Taillerand considerava a diplomacia o mais elevado degrau da inteligência política.

O nosso Instituto Rio Branco, o Itamaraty, é uma das mais conceituadas escolas de diplomacia do mundo. Temos uma longa tradição a preservar, desde o desenho das nossas próprias fronteiras, um trabalho de engenharia política de grande sutileza, feito pelo homem que emprestou seu nome ao próprio Itamaraty: a Casa de Rio Branco.

Temos no poder um presidente um tanto tosco, que, todavia, com exceção de três calamitosos, formou um Ministério de boa qualidade, onde despontam gestores com elevada competência e espirito publico, bastando citar aqui o Ministro das Minas e Energia Bento Albuquerque. Ele monta, junto com Paulo Guedes, um grande projeto  associando a produção de gás e petróleo a um complexo industrial novo, e um sistema de distribuição diversificado.

Se vier a reforma tributária, tudo aponta para um período de crescimento econômico. O presidente e o seu clã, fariam grande favor ao Brasil se deixassem de expressar ideias e ações bizarras, como essa de levar um sujeito que seja “terrivelmente evangélico”, para fazê-lo sentar na Suprema Corte.

Se o critério for religioso, coisa que afronta a civilização, teremos de ter, por equidade, também pessoas terrivelmente umbandistas, terrivelmente espíritas, terrivelmente muçulmanas, terrivelmente católicas.

É terrível escutar coisas assim.

Como bem lembrou o deputado Rodrigo Maia,  investidor estrangeiro não investe em país onde as instituições são agredidas.

O pior de tudo é a imagem de bizarrice que estamos ganhando no  exterior. Essa ida de um filho do presidente para ocupar uma Embaixada, porque “fala inglês”, mesmo sem nunca ter dado sinais de que entende o que é diplomacia, nos faz regredir ao tempo em que nos confundiam com as “Banana`s Republics”, dominadas por caudilhos violentos, e suas famílias arrogantes.

A mídia mundial já nos ridiculariza.

Jean Claude Duvalier, o longevo ditador do desgraçado Haiti, que recebeu o apelido grotesco de Papa Doc, deixou como sucessor um filho, que o substituiu no trono, disfarçado com o nome de República. Os haitianos logo o apelidaram de “Baby Doc”.

Será que o Brasil merece os “ Babys Bolsos”?

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