Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
"ESPERANDO GODOT" E AGUARDANDO A TRAGÉDIA
07/02/2019


Os anos cinquenta, os finais deles, foram tempos alvissareiros de progresso, que já se chamava desenvolvimento, como preferia Celso Furtado. Eram os anos do realizador e pacífico presidente Juscelino Kubitschek, o maior de todos, que se apressava em inaugurar Brasília, em instalar siderúrgicas, em fazer funcionar fábricas de automóveis, por em funcionamento hidrelétricas, e rasgar estradas, pelos ermos selvagens deste continente que é um país, uma Nação.

Sergipe não era mais "aquela pasmaceira intelectual" como disse Paulo de Carvalho, durante a solenidade que fez em 1943, para homenagear um ilustre morto, o médico e romancista Ranulfo Prata, o sergipano de Simão Dias, precursor da literatura regionalista e social, ou "literatura operária", que falecera em São Paulo.

Em Aracaju chegavam grandes intérpretes, violinistas, pianistas, quase sempre vindos da Europa, que ainda se recuperava da guerra, ou fugindo do tacão russo que avançava. O professor Felte Bezerra, criador da SCAS, Sociedade de Cultura Artística de Sergipe, já tinha ao seu lado um jovem fascinado pela música e dando sinais ao pai, o emprendedor Oviêdo Teixeira, que não o esperasse para o comércio, ou para engordar os bois, queria o mundo da cultura, da política. Era José Carlos Teixeira, sobre quem, o professor Jorge Carvalho lança um foco especial, no livro que está concluindo sobre a resistência democrática do MDB em Sergipe, contra o autoritarismo, que, em breve, não se chamará mais ditadura.

Aracaju já tinha um teatro, era o do Ateneu, parte do complexo de ensino e cultura que um governador boiadeiro-inovador, Arnaldo Rolemberg Garcez, construíra. Ali, grupos sergipanos ousavam encenar peças que faziam sucesso no primeiro mundo, ainda de nós tão distante, mesmo pelas "asas da panair".

A peça de Samuel Beckett, Esperando Godot, era um desses sucessos, e levada ao nosso palco provinciano, enchia o auditório e gerava tensas polemicas de ordem intelectual. Seus atores principais, João Costa e Tereza Prado, Clodaldo Alencar, Aglaé Fontes, eram secundados por quase meninos e meninas, atraídos pela arte teatral. Eram eles, entre outros, João Augusto Gama, Chico Varela, Lucinha Viana, Clara Angélica Porto, até aonde a memoria permite registrar.

O hermético Becket, era êmulo, no palco, de Franz Kafka na literatura, e operava com a irresolução, a dúvida, o jogo inconcluso, o trajeto irresoluto.

Quem seria o esperado e nunca aparecido Godot?

Isso dava margem às intepretações. O pessoal do "livre pensar é so pensar", apostava na hipótese da anarquia, da desconstrução, do niilismo, os engajados, atribuíam a Godot, o esperado papel transformador das estruturas, a chegada da revolução, o inescapável encontro com a nova sociedade socialista, que, segundo Marx, seria o partejar sequencial da História, despejando seus filhos do ventre prenhe da mistura de circunstancias, econômicas, sociais e das relações de produção, nessa ordem: saindo do feudalismo para o capitalismo, depois o socialismo, e finalmente o comunismo. Ufa!!!

A maior parte dessa “inteligentzia", confortavelmente confiante, esperava no bar, entre doses de “cuba libre", que o bonde da história passasse perto, e eles o pungariam fazendo brindes ao socialismo, e à sua etapa posterior, o comunismo.

Um padre, Dom Luciano Cabral Duarte, chegado de Paris com todas as glórias acadêmicas da Sorbonne, um filósofo cujo pensamento abrangente lhe permitia universalizar pensamentos e conceitos, apenas lembrava: ¨Já verificaram a semelhança de Godot com a pronúncia de Deus, no inglês, no alemão, no sueco, dinamarquês, holandês luxemburguês, e tantas outras línguas europeias?

Godot, não seria Deus, pelo qual a humanidade anseia?

Os debates continuaram, acalorados como sempre, e Godot permaneceu misteriosamente inexplicado.

Hoje, século vinte e um, fevereiro de 2019, o primeiro lustro do século se aproximando, aquelas discussões cerebrais se transferiram para um octógono violento, onde a inteligência cede lugar à pancadaria.

Mas estamos, agora diante da realidade trágica da espera de uma catástrofe, ou de uma morte anunciada. Godot, segundo Becket, era uma expectativa de esperança. No caso de agora não há esperança. Só desastre, desânimo, frustração e revolta, muita revolta. E que, aliás, de nada adiantam. Tudo está consumado.


Informou-se que a lama pegajosa, pestilenta, mortífera, da Vale, que escorre desde Brumadinho, já teria chegado à represa da hidrelétrica de Três Marias, ultrapassando o agora morto Paraopeba. Antes da segunda quinzena, anunciam, a lama invadiria o São Franscico. Não virá como uma onda enorme e destruidora, visivelmente ameaçando, chegará com a mudança da cor das águas do castigado Velho Chico, E essa mudança é pestilenta, e trará morte a tudo que é vivo, nas águas e de tudo o que bebe daquelas águas. Isto é nós todos: sergipanos, alagoanos, baianos, pernambucanos, os mineiros, duplamente castigados.

Quarta-feira, dia 6, num programa semanal de conversa e interação com a comunidade que a advogada, assistente social e agora radialista Eliane Morais, comanda na Xingó FM, Canindé do São Francisco, foi entrevistado um cidadão sertanejo, beiradeiro das margens do Chico, em Poço Redondo, conhecedor das coisas da terra, da caatinga e das águas que as atravessa, e ele disse sobre a chegada da lama venenosa: “Na piracema quem pesca um peixe ou pega um camarão, recebe multa, perde suas redes, seus anzóis, se brincar vai preso, E agora vão matar os peixes todos, vão matar até as pessoas, e quem vai pagar por isso?

Pois é, o senhor Schvartzman e todos os dirigentes da Vale, responsáveis por mortes e devastação, continuam soltos, e os engenheiros, os “bagrinhos" dessa historia de peixes grandes foram presos e agora soltos.

Para “homenagear" o mercado, não o que produz, gera emprego, mas o que especula, a Vale deve ficar intocável, e os seus crimes, o seu genocídio, a sua devastação do Brasil, terão de ser esquecidos, tolerados.

Resta-nos, a todos nós brasileiros, pagar a conta, e sepultar, conformadamente, os mortos.

Esperemos por Godot?

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