Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa | Jornalista
DESOLAÇÃO NA FAFEN E O QUE FAZER COM O BOI
20/02/2019
DESOLAÇÃO NA FAFEN E O QUE FAZER COM O BOI

Quando, pela Cotinguiba, foram restando os “engenhos de fogo morto”, aqueles, desativados pela sobranceria arrogante dos semifeudais senhores, que não deram importância às urgências da modernização, a região, onde existiam cidades florescentes como Maruim, e Laranjeiras, passou a viver a nostalgia saudosa de um passado sem volta.

Sem os engenhos para moer, e o cultivo da cana para alimentá-los, sumiam as oportunidades de trabalho, mal remunerado, quase escravocrata, mas, que permitia a sobrevivência. Havia ainda os rios, os mangues, onde se pescava e catava mariscos, caranguejos e aratus.

O capim nascendo enfezado onde antes havia cana, começou a engordar uma pecuária extensiva de baixíssimo rendimento. Um só vaqueiro podia cuidar até de 500 bois, e eram raríssimos os fazendeiros que chegavam a ter esse número de cabeças.

Pelas praias dos rios Sergipe, Cotinguiba, Sal, Pomonga, iam ficando encalhados os saveiros sem serventia, que antes transportavam o açúcar para os navios no porto de Aracaju.

Em resumo, os engenhos, apesar de pequenos e defasados, tinham relevância na produção açucareira sergipana, pela quantidade deles, e, na medida em que iam apagando os fogos, ampliava-se o desemprego e a miséria, na região onde tudo girava em torno da cana-de-açúcar.

Os municípios, sem receita, eram exportadores de gente que se encaminhava para o sul, ou amontoava-se nas favelas que cresciam em torno de Aracaju.

A tese do economista fisiocrata Quesnay, segundo a qual toda riqueza emanava da terra, isso dito em 1758, mais de um século e meio depois, quando a revolução industrial já transformara o mundo, ainda poderia ser, quase com exatidão, aplicada a Sergipe, apesar das fábricas de tecidos que criaram núcleos operários em cinco municípios: Aracaju, Estância, Neópolis, Propriá e Maruim.

Se da terra não surgiu a riqueza capaz de retirar Sergipe da pobreza, de debaixo dela nos surgiu a esperança de viver um novo tempo. E de fato começamos a vivê-lo, desde que o petróleo e o gás surgiram em terra, depois no mar, e do subsolo, exatamente da Cotinguiba, afloraram os minérios que tornaram viável o polo cimenteiro, o potássio, e a FAFEN consumindo o gás que a PETROBRAS fornece a um preço insustentável, viabilizou, mesmo assim, o complexo de fertilizantes.

Tanto tempo decorrido, e coincidentemente, na região da Cotinguiba, a paralisação forçada da FAFEN gera um desalento comparável ao que surgiu com o colapso da atividade canavieira, agora, todavia, numa escala de proporções incomparavelmente maiores.

A FAFEN não “hiberna”, enferruja, e em pouco tempo se tornará sucata inservível. Não é culpa ainda a ser atribuída ao atual governo. Tudo foi tramado e aconteceu no período de Temer, que deu sequência à desconstrução ética do poder, o fenômeno maléfico que faz tanto tempo nos aflige.

Pedro Parente, um dos introdutores no cenário econômico brasileiro da desavergonhada agiotagem institucional, foi colocado para recuperar a PETROBRAS, vitima do assalto aliado à gestão temerária, e tratou de atender aos megainvestidores, fazendo acordos com os fundos americanos, que custaram mais de oito bilhões de dólares, ao mesmo tempo, começou o desinvestimento da PETROBRAS, alienando patrimônio e reduzindo atividades. Como então conseguiu vistosos lucros? Exatamente a custa do sangue e suor do povo brasileiro, vítima da extorsão praticada dia a dia com os preços dos combustíveis.

Depois que os caminhoneiros pararam o Brasil e fizeram de Temer um refém encolhido, a queda de Parente foi inevitável. Mas, ele já havia estabelecido o prazo fatal para a “hibernação” das Fafens, a sergipana e a baiana. O crime poderia deixar de ser consumado, mas, no dia aprazado para a morte que já fora anunciada, ao presidente Bolsonaro não chegaram os apelos que a ele foram dirigidos pelos governadores dos dois estados, pelos sindicatos, municípios e empresários do polo petroquímico baiano, estes, prejudicados duplamente pelo fechamento da Fafen de lá, e sem a amônia que recebiam da Fafen daqui. O presidente chegando de Davos, internava-se para uma cirurgia que apresentou problemas, e a hospitalização prolongou-se.

Há uma esperança no horizonte. O deputado Laércio Oliveira solicitou uma audiência ao Vice presidente Hamilton Mourão. E lá se foram o governador Belivaldo Chagas, o ex-governador Albano Franco, o senador Alessandro Vieira e o deputado federal Laércio Oliveira falar com o Vice. Que bom, quando todos se juntam em defesa de Sergipe. Então, pela primeira vez, uma alta autoridade federal manifestou-se claramente contra a “hibernação”. E alinhou argumentos consistentes para condenar a ideia já posta em prática. Em tudo, o pensamento do vice-presidente Mourão coincide com o que é expresso na reivindicação formulada por Sergipe, através do governo, dos seus representantes e da sociedade. Haverá um outro encontro de Belivaldo com o vice-presidente, dessa vez em companhia do governador da Bahia Rui Costa.

Assim, o desalento se encaminha para transformar-se em esperança. Que assim seja. Não merecemos esse insensato e impatriótico castigo, herança de Michel Temer, o indigno.

Já um outro desalento, menor, sem dúvidas, acontece em consequência da pressa que revelam o Ministério Público e os órgãos ambientais para o conserto de um erro, de uma calamidade que acontece desde os tempos em que começou a colonização de Sergipe, e hoje continua, com uma cara diferente, falsamente remodelada. A calamidade é a forma repugnantemente suja como se faz o abate do gado nos chamados matadouros, que as prefeituras dos municípios criam, e os prefeitos tanta questão fazem em manter sob uma forma peculiar de administração, que não é estatal ou privada, nem se enquadra em nenhuma definição razoável que possa caracterizá-la. E o pior, ainda, é a sempre ausente noção de higiene.

Mas não se corrigem erros seculares através de ações drásticas com efeitos imediatos. O fechamento sumário é injustificável sob todos os aspectos, o mais grave deles, o desemprego que está provocando, a fome que chega a centenas de lares, e a devastação de um setor da economia que, apesar de tudo, gera renda e empregos.

O gado levado para o abate em matadouros distantes que ainda funcionam, não recebe, como se poderia imaginar, os cuidados sanitários necessários. A carne é transportada depois em caminhões ou camionetes sem câmeras frigoríficas, e jogada nos fundos das carrocerias, sem que haja qualquer cuidado com a higiene, a assepsia.

Assim, a população continua consumindo um produto de péssima qualidade, quase podre, o que piora ainda com o aumento do abate clandestino, o chamado “boi na folhinha”.

Em consequência dessas ações autoritárias, sem nenhum consenso social, não avançamos, só regredimos no tempo, e esse atraso despenca, exclusivamente, nas costas dos mais pobres.

Perdem os marchantes, os açougueiros, as mulheres “fateiras”, toda uma legião de pessoas pobres que têm o sustento assegurado no abate, no tratamento da carne e das vísceras, e na comercialização. Ganham os grandes supermercados ou os médios, que adquirem a carne de frigoríficos e têm condições para transportá-la em veículos refrigerados.

Os procuradores (a) e promotores (a) do MP, poderiam ler um pequeno livreto, escrito por ninguém menos do que Cervantes, (século dezesseis) intitulado: Colóquio dos Cachorros. Dois cães conversam filosoficamente, e um deles, que vivia num Matadouro, relata ao outro o perigo que correm os que desagradam homens e mulheres armados com longas facas, que mexem com carnes, tripas, bofes e corações.

Para refazer a economia que gira em torno do boi, vai ser um enorme trabalho.

O Ministério Público precisa, com urgência, perder a suposição da infalibilidade.

Desse equívoco até o papa já distanciou-se.

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