Na Roma antiga, as pessoas portadoras de méritos eram, por reconhecimento, cobertas de dignidades. Ou seja, recebiam comendas e prebendas que correspondiam às qualidades pessoais dos homenageados.
No ritual de obediência à ética e à meritocracia, ocorriam, vez por outra, algumas rupturas, a mais emblemática delas a honra que o imperador Calígula concedeu a Incitatus, o seu cavalo, considerado como um filho, conferindo-lhe o título de Senador, e o direito de exercê-lo com todas as prerrogativas do cargo, caso o equino resolvesse, algum dia, tomar assento entre os seus pares.
Calígula não andava satisfeito com o Senado, que, de alguma forma, lhe atrapalhava as ambições de autocrata absoluto.
Marco Pórcio Catão foi um ilustre integrante do Senado de Roma, onde se destacava com o maior dos tribunos. Foi designado para exercer o cargo de Embaixador na poderosa Cidade Estado do norte africano, Cartago, que do outro lado rivalizava com Roma nas ambições de ocupar, com seus navios, o mar Mediterrâneo, que os romanos orgulhosos e imperiais chamavam de “Mare Nostrum”. Cartago recuperava-se após a arrasadora derrota na batalha de Zama, todavia, humilhada pelo Império vitorioso do lado norte do grande mar. Catão, contudo, experiente, culto, estrategista, observava que Cartago se recuperava e outra vez colocaria no Mare Nostrum seus navios de comércio e guerra. Então, voltou a Roma, e cunhou a frase célebre que usava ao final dos seus flamejantes discursos, e que atravessaria os séculos: “Delenda este Carthago”, em português: Cartago deve ser destruída. Estudiosos latinistas, aproximando-se do perfeccionismo, dizem que Catão, homem culto, jamais usaria aquela expressão, mais próxima das ruas, do vulgar. Assunto então para o médico, e grande expoente entre os raros latinistas, Dr. Marcos Almeida, que eleva a Academia Sergipana de Letras.
Mas o assunto aqui é outro: trata-se de saber o que se fará com a nossa SERGÁS, nossa não, da Mitsui, uma corporação japonesa que, em Sergipe, até agora só tratou exclusivamente de ganhar dinheiro. Isso não é exclusividade dela, é o que costumam fazer todas as grandes empresas. E somente por isso não haveria tanto demérito. “Delenda est SERGÁS?” é a pergunta que em português mesmo, e simples, corre de boca em boca entre empresários, e até nos meios oficiais, onde perpassa a indignação diante da altura dos preços a que chegou o produto, insumo essencial que está a inviabilizar a vida de tantas empresas.
Acontece que hoje desenha-se, nitidamente no horizonte sergipano, o que poderíamos chamar de a Era do Gás.
A riqueza é enorme, com potencial de transformação da nossa acanhada e periclitante economia, capaz mesmo de dar um solavanco modernizador, criando uma fascinante fisionomia social para um Sergipe, onde, apesar de tudo, ainda persiste o ranço passadista, herança dos massapês onde a escravaria tocava a roda dos engenhos e o eito da enxada nos canaviais.
Belivaldo teve a sensibilidade para enxergar essas possibilidades, e quer assegurar a base de onde o salto possa ser iniciado de forma plena e sustentável.
Não adianta ter volume de gás sem espaço assegurado pelo consumo, e isso significa: industrializar Sergipe, montar aqui uma base de distribuição englobando a região nordeste. Para isso, precisamos montar uma estratégia que compatibilize a complexidade enorme da teia de interesses que deverão ser considerados, inclusos no arcabouço jurídico a tomar forma, coisa que leva tempo; e havendo, paralelamente, agilidade total para vender Sergipe ao mundo.
Um dia já muito longe, depois de um crime famoso que ganhou espaço na imprensa brasileira, o assassinato do Dr. Carlos Firpo, aqui chegou como advogado o já celebrado Evandro Lins e Silva. Mais de quarenta anos depois, perto de falecer, ele escreveu o livro Salão dos Passos Perdidos, onde narra sua trajetória como causídico e Ministro do Supremo.
Abordando a tragédia da morte do médico em Aracaju, diz o Dr. Evandro Lins: “O crime foi muito maior do que o tamanho de Sergipe”.
Parafraseando o advogado famoso diríamos: o caso do gás com que termos de lidar é muito maior do que Sergipe.
Mas Brasília não está alheia ao problema, pelo contrário, o ministro das minas e energia, Bento Albuquerque e o da economia Paulo Guedes, já inseriram o gás sergipano na agenda federal. Todavia, a PETROBRAS vive uma fase de desmonte. Isso terá de ser levado em conta.
Voltando à SERGÁS onde o Estado de Sergipe tem meros 17% de participação, e mando zero, será imprescindível alterar o contrato inicial, sem que isso signifique a destruição da empresa, até mesmo porque esse seria um objetivo impossível.
O governo no caso é tão irrelevante, que a redução que fez no ICMS sobre o gás, logo em seguida foi coberto com um aumento de preços.
A SERGÁS alcança somente 6 municípios, entre os 75 de Sergipe. Ai estaria o caminho aberto para a diversificação da cadeia do gás, um ato jurídico que terá de ser paralelo à ação de mercado, na ampliação do polo industrial do gás. Nisso, se inclui prioritariamente a reativação da FAFEN.
A Barra dos Coqueiros, nessa estratégia a ser formulada teria de ser prioritária, o Polo principal, onde já estão a CELSE, a grande termelétrica, e a usina flutuante de regaseificação, o que significa uma base pronta para viabilizar o imediato fornecimento do gás, por enquanto, importado do Qatar.
A venda das ações do Estado na SERGÁS é dificultada ou inviabilizada pelo contrato existente, que dá aos sócios majoritários a preferência na compra. E essa é uma armadilha não desmontável. Por outro lado, entrar em choque com a japonesa, naquela linha de DELENDA SERGÁS, poderá ser perda de tempo.
Não há outra estratégia a ser seguida, a não ser com a presença da GOLAR, e CELSE, na ocupação dos espaços não preenchidos pela SERGÁS, abertura maior de mercado e foco integral no Polo da Barra dos Coqueiros.
O que se deve fazer é um modelo onde haja espaço para diversificados agentes, se possível, com um mínimo de atritos, e o máximo de eficiência regulatória, para que Sergipe seja visto como local para bons investimentos, sem autofagias.