A Justiça não se faz nas ruas, não se movimenta em direção às ondas da opinião publica. Isso é o que se proclama, mas nem sempre traduz a realidade. Não é ruim, de todo, que a Justiça coloque num dos pratos da sua balança sensível, um certo peso da manifestação das ruas, ou seja, do sentimento popular. Aliás, talvez por falta desse peso de povo na balança dos julgamentos, é que a Justiça tornou-se nos últimos anos uma instituição não enxergada com muita clareza pelas pessoas comuns. Os ritos judiciais, por si mesmos, já causam alguma estranheza em quem não consegue fazer uma ideia do que seja o emaranhado dos códigos, da Constituição, das leis infraconstitucionais do uso daquelas expressões estranhas e do latinório que há mais de quarenta anos sumiu até das missas.
Para o povo, o ato de fazer justiça é simplesmente dar razão a quem a tem, punir a quem merece , encarcerar quem rouba, mata, e estupra. O resto, para o povo, é uma esquisitice. Mas há magistrados que aludem até ao ¨clamor das ruas¨ ou à ¨voz pública¨, dando a entender que a toga não lhes embaraça os ouvidos.
Quando a Federal prendeu o deputado eleito Valdevan 90, que se preparava para saborear carnes numa churrascaria, houve assim uma espécie de voz pública a repetir: “Que coisa boa, era preciso por um freio, nessa degenerescência da politica.”
Depois, veio o veto à diplomação do candidato, e o Ministro do STF, Luiz Roberto Barroso, tão sensato, tão comedido, tão aparentemente franciscano, decidiu que o 90, preso, deveria sair da penitenciária e ser conduzido pela Polícia Federal até o local da solenidade, onde ele também receberia o seu diploma. Iria escoltado, usaria um par de algemas, envergaria as vestes de presidiário, em vez do paletó e gravata, como manda o figurino das formalidades?
Seria quase uma desnecessária afronta ao poder politico, que se legitima pelo voto, e no ato da diplomação há simbologia e formalidade, sendo um momento cívico que seria conspurcado pela cena grotesca. Algo como mandar striper`s a um baile de debutantes, evidentemente, aqui, muito mal comparando.
Em todo caso salvou-se a festa democrática do constrangimento pela desagradável e insólita cena. Deveu-se a saída oportuna à ação do desembargador Diógenes, que tinha com ele um outro processo contra o 90, e através dele, sem afrontar a decisão do Ministro Barroso, com a plena concordância do Ministério Público, e com pleno respaldo dos demais desembargadores, impediu-se a Valdevan de estar entre os diplomados.
Depois, veio a decisão de um ministro do TSE em Brasília determinando a diplomação do 90. Pela primeira vez isso iria ocorrer dentro de uma Penitenciária, e, assim, jogaram a atividade política outra vez ao rés do chão.
Com essas decisões um tanto estapafúrdias, a pior delas a do Ministro Marco Aurélio mandando soltar todos os presos condenados em segunda instancia, chegou-se ao escândalo. Mesmo abstraindo-se o embate que se trava entre petismo e a enorme onda antipetista, aflorando, no caso, a possível libertação de Lula, não há como conceber uma decisão monocrática e com efeitos tão graves tomada por um ministro que é um dos mais experientes no STF, profundo conhecedor tanto do direito, como atilado intérprete das circunstancias psicossociais que atravessamos. Sem esse clima pesado de confronto, Lula, pela idade avançada já teria sido há muito tempo mandado para prisão domiciliar, ou, nem estaria preso, mas a radicalização desinteligente em que mergulhamos, gera fagulhas que podem resultar em incêndios institucionais. E a um ministro do Supremo caberia a responsabilidade de contribuir para a descontração.
Mas, voltando a Sergipe, ao episódio da diplomação tendo como cenário uma penitenciária, onde se encontra o nosso provável futuro “representante“ em Brasília.
Além da ficha policial que exibe, o agora diplomado é também semianalfabeto.
Houve, paralelamente, o impedimento da diplomação de Luciano Bispo, atual presidente do Poder Legislativo. Luciano não é acusado de peculato, não cometeu crime tipificado no Código Penal, teria incorrido em faltas de natureza eleitoral, isso, há mais de oito anos. Depois de tanto tempo transcorrido, depois que Luciano desempenhou um papel importante na recuperação da imagem do Legislativo sergipano, que fez uma presidência voltada para a discussão de temas atuais da politica, da economia, da cultura, ou seja, qualificou o desempenho do Poder Legislativo, não se envolveu em escândalos, depois de tudo isso, ele, um cidadão, conceituado, recebe tratamento pior do que o recebido por Valdevan 90, no mínimo, um aventureiro com vida duvidosa em São Paulo, e que por vaidade ou outros interesses não exatamente especificados, voltou a Sergipe, dispondo de muito dinheiro para comprar um mandato de deputado federal. Fez a compra e já tem o diploma na mão, mesmo recebido na cela de um presídio, uma espécie de premio da Justiça a um personagem que a desafia e afronta.
É até possível que Valdevan 90 vá ser nosso “representante“ na Câmara Federal, para vergonha nossa, de sergipanos, enquanto são jogados ao lixo os votos copiosos, dados a Luciano, sem que houvesse cometido qualquer deslize, e ele ficará ainda sem direitos políticos por oito anos, pela possível falta há mais de oito anos cometida, e só agora julgada com incomum severidade.