(A pauta é previdência, mas o conflito do dia é o autódromo)
Reforma previdenciária não deveria ser uma tarefa excepcional a cair nas costas de algum governante, que herdou desacertos dos quais outros não cuidaram. Assim, ela não poderia nunca ser emergencial, tocada como caso de vida ou morte, de sobrevivência ou colapso diante de situações limite.
Previdência, teria de ser um tema permanentemente sob estudo, sob atualização constante. E, mais ainda: com uma fiscalização permanente e rigorosa sobre a burocracia vulnerável, muitas vezes corrupta, que define a concessão das aposentadorias, tudo sob o manto das “leis especiais" o eufemismo utilizado, exatamente, para dar uma feição legal às fraudes recorrentes.
A fraude existe em todos os tipos de aposentadorias. Pode ser encontrada na humilde quantia dada aos trabalhadores rurais, quando se verifica que gente que nunca trabalhou no campo obteve o benefício, e existe, também, no escândalo recorrente das astronômicas verbas destinadas a uma minoria de sortudos, que através de leizinhas de ocasião e de favores acrescentados sob amparo de espertezas jurídicas, chega a botar no bolso mais de trinta mil reais todo mês, enquanto a enorme maioria dos aposentados transita pelas proximidades do salário mínimo.
Em nenhum país do mundo civilizado existe o que se faz aqui no Brasil, concedendo-se aposentadorias mais gordas ainda do que os gordos salários recebidos na atividade, e com um tempo de contribuição que não chega para financiar cinco anos de inatividade. O resto, que é o custeio da folgada e alongada vida de inatividade chegando ao dobro do tempo de contribuição, cai nas costas de todos os que pagam impostos.
A chamada contagem recíproca de tempo de serviço dando possibilidade para somar períodos de trabalho nos setores publico e privado, gerou uma enorme malandragem nas chamadas “averbações", que fizeram brotar direitos inexistentes.
Além disso, qualquer cálculo atuarial simples demonstra que na maioria dos casos das aposentadorias mais expressivas, não há uma correlação entre a contribuição exigida e os benefícios assegurados, que tendem a se ampliar na medida em que a longevidade das pessoas aumenta. Os brasileiros aproximam-se dos oitenta anos de vida média, e a taxa de natalidade diminui.
A Constituição de 1988, em curto espaço de tempo fez multiplicar o número de aposentados. Enquanto a economia estava em expansão, gerando empregos fartamente, a crise final ia sendo adiada, todavia, sempre visualizada matematicamente como inevitável.
A crise da previdência, como insistem as corporações, tanto as centrais sindicais como as associações que representam interesses de categorias específicas, e melhor aquinhoadas, não se resume apenas a um problema de gestão.
Adiando a reforma, estamos acolhendo no colo uma bomba relógio que fatalmente explodirá, mas não se sabe exatamente em quanto tempo.
Da forma como se vai comportando a economia brasileira, com recessão, elevada taxa de desemprego, redução drástica das atividades econômicas formais, o colapso se acelera.
No início do seu primeiro governo, FHC, transitando com otimismo no Plano Real, que ele fizera com sua brilhante equipe no governo anterior de Itamar Franco, tratava de colocar alicerces sólidos no edifício macroeconômica que imaginava poder construir, e tratou logo da questão da previdência, que na época já era crucial.
Organizou-se um Fórum Nacional com a participação de mentes brilhantes de pensadores de alto nível, de empresários e centrais sindicais. O objetivo era consolidar um modelo de desenvolvimento a partir da reforma do Estado, da atualização das politicas sociais, incluindo-se a privatização de setores emperrados na área pública.
Não se pode negar que houve notáveis avanços, sob o manto sempre aconchegante para as ideias que era oferecido pela visão social-democrática. Tudo conduzido por um presidente culto, experiente negociador, eleito impulsionado pelo primeiro plano de estabilização monetária a ter sucesso no Brasil. Com o Real, criou-se de fato uma moeda firme, que deixáramos de conhecer há muito tempo, mesmo assim, a reforma da previdência não se completou como seria desejável.
Num livro intitulado Governabilidade e Reformas, escrito por uma equipe de técnicos de alto nível, um dos autores, Marcelo Viana Estevão de Morais, escreveu, sobre a tramitação da reforma da previdência: “O sistema de representação politica é fragmentário, em decorrência da fragilidade partidária, e privilegia as reivindicações regionais, setoriais e corporativas, em detrimento de alternativas mais compatíveis com o interesse publico nacional".
E ele, já em 1995 parecia prever, quando acrescentou: “o trâmite inicial no Congresso da Proposta de Emenda Constitucional, de iniciativa do governo, que modifica o sistema da Previdência Social , já forneceu indícios da dimensão das dificuldades que terão de ser enfrentadas".
O presidente Bolsonaro teve a coragem de enfrentar o inadiável problema da previdência já nos primeiros dias do mandato. A Bolsonaro não se pode atribuir a qualidade de compreender o universo da política e, muito menos,da macroeconomia, mas, tem a seu favor o apoio fundamental dos presidentes do Senado David Alcolumbre e o da Câmara Rodrigo Maia. Além disso, tem o apoio integral da mídia, dos governadores, do empresariado, e de uns poucos setores corporativos. Mas, suspeita-se que Bolsonaro não se adaptou à presidência, e continua a mesma virulenta narrativa, bem sucedida nas circunstancias inusitadas em que transcorreu a campanha, e tem prazer em gerar atritos e polemicas desnecessários.
Isso dificulta ainda mais o tramite de uma matéria delicada, que até exige do presidente uma posição comedida, e inclusive contemporizadora, colocando um freio nos seus ímpetos que geram desassossego nas áreas sensíveis da política e da economia. Não satisfeito, cria de última hora um problema entre os estados do Rio e São Paulo, com a ideia desastrada de mexer no que está dando certo, prometendo retirar São Paulo do endinheirado circuito da Fórmula-1, transferindo-o para o Rio de Janeiro, onde sequer existe autódromo, e numa crise financeira que vivemos promete construir um autódromo no subúrbio carioca de Marechal Deodoro, exatamente numa área de reserva ambiental, e que, segundo o governador paulista João Doria, por enquanto lá só se pode chegar “de helicóptero ou montando a cavalo".
O que faz o presidente Bolsonaro no momento final da votação da previdência na Câmara, onde há a numerosa bancada de deputados paulistas, ir mexer com corrida de automóvel, a Fórmula-1, que na capital, São Paulo, faz circular todo ano mais de 300 milhões de dólares?
Bolsonaro poderia falar sobre as perspectivas que a grande produção e mudanças nas regras do gás natural oferece ao país, e onde Sergipe terá uma posição preponderante. Poderia falar sobre o que renderá a sua viagem ao Japão. Poderia falar sobre a injeção de dinheiro saído do BNDES e da Caixa Econômica para dinamizar a economia. Poderia falar, com otimismo e descontraidamente sobre o Brasil, sobre os brasileiros, sobre esta Nação tão sacrificada, que ele deve conduzir pelos caminhos menos tortuosos possíveis, preferencialmente, sem este show em torno da “necessidade de armas", sem aquelas coisas esquisitas feitas pelo saltimbanco de feiras medievais, que ele resolveu colocar no Ministério da Educação, entre tantas coisas a corrigir, nem que fosse só para facilitar a aprovação da previdência.
Mas.................