Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa | Jornalista
DA "DERRAMA" AO IMPOSTÔMETRO
12/02/2020
DA

(Impostômetro: Reação da sociedade para revelar a "derrama")

A  mais horrorosa  tormenta de quem produz, tem um nome: impostos.
Desde o camponês na Idade Média, escorchado pelo senhor feudal, o rei, e o bispo, todo o cobrador de impostos que chegava acompanhado de cavaleiros, lanças em riste, passou a ser visto como a praga previsível que vinha em tempo certo para infernizar a vida  de quem trabalhava suando para sobreviver.


As galés que se empenharam na maior batalha naval da antiguidade, Salamina, em 480 AC, tinham escravos impulsionando seus remos; muitos, daqueles martirizados, pagando suas penas por serem “sonegadores de impostos". Tanto do lado grego, como do lado persa, o Estado conseguia a proeza de colocar em linha de combate centenas de navios. Do lado persa sob o comando de Xerxes, um general que se improvisou em almirante, alinhavam-se 800  pesadas trirremes de batalha. Do lado grego sob o comando de Temístocles, hábil político e genial estrategista, apenas 300 barcos leves e manobráveis. Os gregos abriram clareiras na rígida formação da  enorme esquadra inimiga, e  lançaram chumaços de fogo que espalharam o pânico. Nas galés gregas, escravos também remavam acorrentados, eram, igualmente, devedores de impostos.
Mas, os helênicos cultivavam a filosofia, eram  civilizados, e  eficientes, fabricavam melhores navios, formavam inigualáveis guerreiros. Conseguiam isso aplicando de forma adequada os impostos que arrecadavam usando a força, da mesma forma como faziam os persas, estes, todavia, péssimos administradores do tesouro.
Temistócles, que logo tornou-se herói, caiu em desgraça em seguida, quando os integrantes do Aerópago, a Assembleia ateniense, fiscalizaram com rigor suas contas, (hoje seria uma auditoria) e o acusaram de peculato. Nisso, os gregos revelaram um outro lado virtuoso do zelo com as finanças públicas: a transparência na aplicação dos recursos.
No Brasil Colônia, a agenda impreterível da cobrança dos impostos ganhou um nome: Dia da Derrama. Todos deviam estar preparados para aquela data em que a Corte portuguesa arrecadava o possível e o impossível, para sustentar a gastança de uma nobreza indolente, dessangrando a colônia, sem cuidar da fatal anemia econômica do Reino; por sua vez, também sangrado, pelos espertos e poderosos flibusteiros ingleses.
A revolta que levou o nome desairoso de  Inconfidência Mineira, estava programada para explodir, exatamente no malsinado “Dia da Derrama”, quando se cobrava, nas “minas-gerais", o chamado dízimo do ouro, cujo volume exato variava conforme as circunstancias.
O "dízimo" mexia exatamente com a burguesia emergente, que nadaria em ouro, não fossem tão rigorosos os  prepostos de El Rey, sempre susceptíveis, todavia, a  generosos “agrados”. Reunidos em Lojas Maçônicas, os brasileiros que conseguiram, apesar de tudo formar algum cabedal, tramaram a independência, premidos exatamente pela avidez da “derrama”.


Não querer pagar imposto, como revela a história, era um caminho certo para a forca.
Mais de dois séculos transcorridos, um clima de “derrama" ainda perpassa nas relações do Estado que cobra, com os que são submetidos à cobrança, e, por variados motivos, não deixam-na de entender como injusta.
Desse conflito surdo, que desafia o tempo, nasceram os relógios, marcadores virtuais da espantosa quantidade de dinheiro que entra  a todo instante nos cofres da União, dos Estados e Municípios. 
São os impostômetros, a máquina denunciadora da iniquidade que as entidades empresariais pretenderam revelar, como um alerta dirigido à população. Todavia, os pobres, ou mesmo aqueles abaixo da linha da pobreza,  mesmo sendo os mais sacrificados, permanecem indiferentes, resignados, sequer sabem o quanto é retirado dos seus escassos ganhos, pela avidez das engrenagens tributárias, que lhes perturbam a vida, desde a passagem do transporte péssimo, à massa de milho que ainda poderá comprar. 
Dizem, os neo ou ultraliberais, que é preciso cortar impostos e reduzir, paralelamente, o tamanho do Estado. E dar plena e total liberdade ao mercado.
Dizem, os estatistas, que o Estado deve comandar a economia, ter presença ativa  na área produtiva, e ser fiscal rigoroso do mercado.
É necessário retirar das duas linhas algo que traduza efetivamente a realidade, sem   a fantasia   das concepções extremas.
Para que o Estado sobreviva, e isso significa capacidade de assegurar os requisitos básicos para o bem estar das pessoas, é inevitável a cobrança de impostos, mas, para que as empresas sobrevivam, podendo pagar impostos, é preciso que a carga suportada não lhes rebente a coluna onde o corpo se equilibra.
Dai, porque, redução de impostos ou aumento de impostos são duas decisões que não podem resultar das emoções ou ânsias populistas.
Sejamos realistas: Nem o governo federal pode abrir mão dos impostos que cobra sobre os combustíveis, nem, muito menos ainda, os governadores de estados. Sem a receita do ICMS proveniente do óleo diesel, da gasolina e do etanol, pelo menos quinze dos estados no mês seguinte, já não poderiam garantir o funcionamento dos hospitais e pagar a folha dos servidores.
A bravata, pode render adesões inconsequentes, mas os efeitos da insensatez  logo transformariam a satisfação  em revolta.
Um dia, o Estado que cobra impostos, e a sociedade que a eles se submete, encontrarão um denominador comum, que assegure o funcionamento pleno da máquina pública, e liberte as empresas, o cidadão, dessa sangria desatada que transforma o Brasil, numa terra de  desalentados.
Não há discordâncias quanto à necessidade de reduzir impostos.
Uma reforma tributária é urgente, inadiável, mas isso exigirá negociação, busca de consensos, visão técnica, sensibilidade social.
A dúvida é se teremos como  preencher esses requisitos, sem substituir o populismo por um projeto de Estado, tendo em vista o Brasil, e longe da sedução de candidaturas. 
Enquanto isso, a "derrama" continua, e o impostômetro roda  rápido. 

Voltar