Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
DA “ IDADE DAS TREVAS” ATÉ CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO
27/07/2023
DA “ IDADE DAS TREVAS” ATÉ CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO

DA “ IDADE DAS TREVAS” ATÉ
CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO


 O jogo das cadeiras em Canindé, sai prefeito entra o vice, entra vice sai prefeito.

O período de tempo que vai do ano 400 depois de Cristo até a virada do milênio,    um  espaço alongado de seis séculos, foi caracterizado pelos historiadores  como uma Idade das Trevas.
Quase a totalidade da população da Europa, onde se desenrola toda essa cena, era formada por analfabetos. Os que sabiam ler e escrever, estavam confinados a uns poucos núcleos do conhecimento,  todos circunscritos aos Mosteiros da igreja Católica. Os papas exerciam poder absoluto, e diante deles curvavam-se os reis. Mas,  quase sem exceção,   eram cafajestes simoníacos,  traficavam com  coisas sagradas, corruptos, assassinos, libertinos,   porém, tinham o poder de conceder a absolvição aos pecadores, dizendo-se representantes de Deus sobre a Terra.
Na Idade das Trevas, o conhecimento estava relegado ao desprezo. Carlos Magno, considerado o maior dos imperadores medievais era analfabeto. Todavia, visto como um governante esclarecido, apesar de tudo, e mesmo tendo mandado decapitar, num só dia, mais de 4 mil soldados vencidos, que não aceitaram o batismo.
 Outro analfabeto, era o  o imperador Sigismundo. Um cardeal que tentou corrigir seu tosco latim, recebeu a tosca resposta: “ Ego sum rex Romanus et super grammatica”. Ou seja, sendo rei, estava acima da gramática.
 Analfabetos podem ser também presunçosos e arrogantes. E isso atravessa os séculos.
Na Idade das Trevas,   ninguém ousaria contestar um bispo, desobedecer a um rei, ou deixar de cumprir os rigorosos mandamentos, que incluíam detalhes absurdos.
Não existia, nem de longe , qualquer réstia de cidadania. Havia os que mandavam e os que obedeciam. Os abastados poderosos,  e os miseráveis raquíticos,  dos quais a fome era companhia, desde o nascimento até a morte que chegava antes dos trinta anos.  As guerras permanentes completavam a devastação. A corrupção era hábito generalizado, ao poderoso se permitiam todos os desregramentos, todas as infâmias.
No fundo da Idade das Trevas fora de algumas cidades ,  as pessoas viviam em choças isoladas ou em pequenas vilas, também de casebres, e ali nasciam e morriam, sem terem contato  com gente que vivia a poucos quilômetros,  do outro lado de uma montanha. E nem tinham qualquer noção do que seria a Justiça, ou, de um difuso direito, a  ser-lhes assegurado por uma  distante autoridade. Não havia o que reclamar, e a quem dirigir a reclamação.
Assim, padeceram séculos.
O absurdo, o inacreditável, é que estejamos, aqui e ali,  nos deparado com alguns episódios  de ignorância,  de ausência de responsabilidade , arrogância boçal ou criminosa,  falta de  compostura e aversão à Justiça, praticados por autoridades legitimadas pelo voto popular.   
Esses fatos deprimentes,  talvez , com algum excesso de imaginação, nos fazem retroagir no tempo,  e duvidando até da modernidade,  desenhando cenários da Idade das Trevas,   onde não existia lei, muito menos senso de Justiça, ou equidade.
Ganha as manchetes, o drama agora vivido pelo município de Canindé, que retorna aos noticiários deprimentes. Há uma receita vistosa, todo mês, de 17 milhões, mas, o nível da roubalheira nesses dois anos e seis meses é algo devastador. Se, para roubar, ainda existiria alguma  “ética” desta vez, tudo foi jogado no lixo sórdido da ausência total de vergonha. Trata-se de um acinte à sociedade, uma afronta à Justiça, e o pior : o abandono de uma população sofrida que,  diante do vai e vem que agora sucede, fica ainda mais ao desamparo,  e o município nesse interregno de dúvidas, sofrendo graves prejuízos.  Há nisso tudo um pesado ônus a ser pago por todos, pelo servidor público, pelo empresário, pelo prestador de serviços. E Canindé é um polo turístico, oportuno lembrar.
Diante do caos, os vereadores marcaram uma data para decidir sobre o impeachment. Antes que o impedimento se consumasse, o prefeito Weldo Mariano solicitou à Câmara uma licença de 180 dias para tratar de interesses particulares. Assumiu o vice -prefeito Joselildo Almeida Pank do Nascimento. Tomou providencias drásticas. Cortou despesas, reduziu a folha, anulou contratos, ao constatar que havia um monumental desvio ( a palavra mais definidora é assalto, ou, tecnicamente, peculato, e no popular roubo mesmo, roubo , escancaradamente a roubalheira.)
O prefeito Weldo  retornou ao posto apenas com  uma nota onde comunicava aos vereadores que decidira antecipar o retorno, menos de 15 dias após a saída . Teria sido sensato se, diante de acusações e sob ameaça de ser afastado, retornasse com uma espécie de passaporte moral que lhe seria concedido pelo Ministério Público ou o Tribunal de Contas, ou fizesse uma consulta ao Juiz da Comarca.  Nesse interim o promotor da comarca Paulo José  Francisco Alves Filho, produzira uma gravíssima denúncia, solicitando ao Juiz, Paulo Roberto Fonseca Barbosa que decidisse pelo afastamento do prefeito licenciado.  Mas Weldo chegou invadindo as Secretarias de Finanças e de Administração. Retirou documentos e tentou sacar dinheiro em bancos, o que foi sustado pelos precavidos gerentes.  Ele foi acompanhado por seguranças, que não se sabe se  policiais à paisana ou pistoleiros.  Nada mais nada menos do que o retorno do município aos tempos truculentos   vividos há uns vinte anos. Havia, também, ao lado do prefeito em atitude agressiva, um dos seus “ laranjas “, que ampliou patrimônio nos últimos meses, sem ter condições financeiras mínimas para tantas aquisições.
A Câmara, em recesso, não apreciou o pedido de reintegração ao cargo, mas o Juiz da Comarca, que acompanha a tragédia, decidiu, na tarde de hoje, 27 de julho afastar o prefeito Weldo por 90 dias,  determinando que o vice assumisse, que  sensatamente , e para evitar confrontos afastara-se da Prefeitura . Weldo exonerou todos os secretários e diretores de órgãos, mas, esqueceu-se de nomear substitutos na mesma hora, e a Prefeitura permaneceu acéfala.
Nessa mesma tarde o consciencioso e correto desembargador Roberto Porto, deu uma decisão assegurando que o prefeito titular tinha direito de retornar ao cargo, sem autorização da Câmara.  Mas o afastamento  por 90 dias do  prefeito Weldo já estava consumado, diante da decisão do Juiz da Comarca . E o desembargador ainda não tinha conhecimento do fato impeditivo.
Provavelmente o prefeito agora afastado pela Justiça, insistirá, recorrendo ao Tribunal de Justiça.
  Dificilmente terá sucesso, diante dos fatos, tão graves e da existencia do “ modus est furantur “ .  Com licença para o latinório e traduzindo:   ânsia de roubar, já revelada reincidentemente nesses dois anos e seis meses, e que resultou na paralisação ou colapso de serviços essenciais, tais como Educação, onde até na merenda escolar houve roubo, na Saúde, e mais escandalosamente nos contratos, todos eles astronomicamente superfaturados.
Há um clima de   apreensão no município, que se tornaria  revolta e indignação, caso o Tribunal de Justiça viesse a alterar a o ato necessário do Juiz de Direito do agora tumultuado município. Existe a lei, e existe também ao lado dela o bom senso. 
Diante dos fatos, não há como deixar de manter a suspensão do prefeito acusado, até mesmo para que ele não venha no exercício do cargo a obstruir as ações da Justiça, do Tribunal de Contas, do Ministério Publico e até da própria Polícia.
Sobre as Instituições brasileiras paira, infelizmente, um grave clima de descredito, e esse clima tornar-se-á  perigoso,  caso haja até mesmo uma liminar passível de ser interpretada  como  concessão ao “direito” de roubar .
Que, de agora em diante, com o afastamento do gangsterismo afrontoso  na Prefeitura,  e havendo da parte das Instituições uma fiscalização mais ativa; um acompanhamento das ações do novo gestor; sem que isso signifique invasão de prerrogativas, se possa viver um tempo  de esperança. O Juiz Paulo Roberto, sensato e consciencioso, acolheu a consistente e bem fundamentada denuncia do Promotor Paulo Jose, e enumerou  as providencias básicas que o vice terá de adotar nesses noventa dias.
Dessa forma, com segurança, lei,  e tranquilidade,  o caos terá sido evitado, ao mesmo tempo, reforçada, na população, a confiança de que, em Canindé do São Francisco, não se roubará  mais, tão vasta e tão impunemente.

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CANAL DE XINGÓ UM PROJETO
 QUE PRECISA SER REVISADO


O São Francisco fica ao lado e é mais fácil fazer adutoras.

O que é o Canal de Xingó ? Um projetado curso  de água permanente, iniciado em Glória, na Bahia, e que após uns 60 quilômetros entraria em Sergipe pelo município de Canindé, faria voltas, e terminaria, após atravessar Poço Redondo, Monte Alegre e Nossa Senhora da Gloria, em algum ponto a ser definido.
Ele corre em todo o seu trecho paralelo ao rio São Francisco do qual se alimenta.
Quando Lula fez a transposição do São Francisco para levar água aos  estados  de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte , Ceará e sul do Piauí, retirava-se a agua para leva-la a locais ressequidos, e onde, exceto no Piauí, cortado pelo  volumoso Parnaíba, os outros não tinham rios permanentes.  Uma cidade, importante polo econômico como  Campina Grande, na Paraíba, assistia seu  Distrito Industrial ser esvaziado, com as industrias sendo transferidas por absoluta falta d´agua, havendo ameaça de até mesmo   de faltar água para a população. Com a transposição,  Campina Grande foi salva pelo gongo.
O canal de Xingó,  caríssimo por sinal, retiraria água do Velho Chico, e viria com ela correndo em alguns pontos a uma distancia inferior a trinta quilômetros do ainda grande rio. Se efetivamente começar a ser construído, ( Bolsonaro mentiu dizendo que já se iniciara a construção) levará muito tempo. Em Alagoas o Canal do Sertão, bem menor, já gastou quase trinta anos entre inícios, paradeiras e recomeços, e não está pronto.
Parece que temos um rio, e vamos querer um outro menor ao seu lado.
Tempos atrás, quando era possível  fazer humor, descontraidamente, sem ofender, poderíamos perguntar:  é coisa de português ? Hoje, não se faz esse tipo de piada, por ser preconceituosa, ferir susceptibilidades,  sendo politicamente incorreta. Mas os portugueses  nem se ofendiam, respondendo com piadas do mesmo naipe voltadas aos brasileiros.
O projetado Canal de Xingó não merece ser alvo de piadas,  merece, sim, ser objeto de estudo. Seria lógico analisar custos, vez que o rio São Francisco corre ao lado do semiárido sergipano, para definir se a construção de adutoras, como sempre se fez, captado água no baixo São Francisco. Poderia ser uma alternativa mais barata, e provavelmente mais fácil de ser executada?
Existe a ilusão de que o Canal de Xingó não exigiria bombeamento, porque as águas desceriam por gravidade. Não é verdade. Não há nenhum trajeto projetado onde as bombas não se façam necessárias. Há apenas alguns trechos onde elas seriam dispensáveis.
Para atender com maior urgência à bacia  leiteira de Santa Rosa do Ermírio, o governador Fábio Mitidieri depois de analisar sugestão que aqui insistentemente fazíamos, entendeu como  viável a construção de uma adutora de uns trinta quilômetros, para levar água sem tratamento ao rebanho leiteiro e possivelmente para alguma irrigação. O senador Alessandro Vieira, num gesto de muita responsabilidade pública, e sem levar em conta interesses eleitorais, liberou uma emenda de mais de 30 milhões de reais que garantirá a execução da obra. Todavia, pouco se sabe sobre o andamento do projeto, entregue à responsabilidade  da antiga COHIDRO, que mantem ainda à sua frente o antigo presidente, o mesmo que fez, refez, está fazendo de novo, apenas um simples conserto de uma barragem que continua sem armazenar água.
Mas o assunto é outro. Trata-se mesmo do Canal de Xingó, coisa para as calendas gregas, ou a opção por um sistema de barragens paralelas, vez que temos aqui um rio portentoso e onde sobram as águas na sua parte derradeira, indo a desperdiçar-se no mar. É preciso estudar essas alternativas, sem botar tanta fé no complicado canal. Aliás nada de novo. Aracaju é abastecida por uma grande adutora vinda do São Francisco. São 90 quilômetros, construída no governo Augusto Franco com recursos da PETROBRAS. Naquele tempo a estatal era essencialmente brasileira. Deixou de sê-lo no governo Temer, assim continuou no governo, ou tumulto do capitão, e agora está reencontrado o modelo que nos permitiu avanços econômicos, muito mais consistentes do que o pagamento astronômico de dividendos a acionistas, em grande parte estrangeiros.   Ainda há, também, a rede de adutoras da DESO, que aliás furam dia sim dia não, mas, levam água a quase todo o sertão e agreste sergipanos.
Mas isso  já é outra história...
 

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