Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
CARTA AO VICE-PRESIDENTE
04/10/2019
CARTA AO VICE-PRESIDENTE

(O vice-presidente Mourão, o governador Belivaldo Chagas e o prefeito Marcos Santana, no Museu Histórico de Sergipe)

Senhor General Hamilton Mourão, Vice Presidente da República,

Através do Poder Legislativo Sergipe o homenageia, e a decisão dos senhores deputados deve traduzir, além de outras considerações, um reconhecimento a qualquer atitude sua tomada em favor  dos interesses desta parcela miúda de brasileiros, vivendo na exiguidade do território sergipano,  reduzido espaço na portentosa configuração de 25 estados e Brasília, nesta unicidade plural que caracteriza a Federação.

Sendo o menor nessa conformação gigante, teríamos de buscar alguma característica específica, que melhor nos conferisse uma identidade visível. Nos apegamos ao culto à inteligência, e deram a Sergipe o apelido um tanto ufanista de “Ninho de Águias”,   mas até justificável,  afinal, aqui nasceram  tantos que dão consistência  àquela vaidosa denominação.

Aprendemos, também, pela modéstia da nossa condição como ente federativo, a lição virtuosa de saber agradecer, reconhecidamente, aos que não nos enxergam apenas pelo que se aufere a partir dos números da demografia ou da geografia.

Há uma outra avaliação a ser feita sobre Sergipe. Segundo relatos de alguns dos nossos representantes que o visitaram em seu Gabinete, desde o governador Belivaldo ao presidente da Assembleia, deputado Luciano Bispo, e de tantos outros parlamentares federais e estaduais, o senhor demonstrou que faz essa outra forma de avaliação a que nos referimos, e, por isso, Sergipe aos seus olhos surge com uma moldura bem mais abrangente do que aquela projetada por simplistas agrimensores ou demógrafos.

Assim, senhor  vice presidente da República, nos enxergando por outra ótica, o senhor justifica, plenamente, a homenagem que lhe faz o nosso Poder Legislativo, a Casa democrática da gente sergipana.

Não sei se o senhor faz parte do clã dos Mourões cearenses. Ter nascido no Amazonas, não o isenta do contágio idealista, impetuoso, turbulento quase, e ao mesmo tempo sensato, acolhedor e visionário, originário do sangue, até porque, foram  nordestinos os que formaram a  leva expressiva de desbravadores, entre eles tantos cearenses , os  “guerreiros da borracha”, esquecidos, injustiçados, saídos da “silva hórrida”, a nossa caatinga, na denominação de Euclides,  para o “inferno verde”,  amazônida,  aclamado por um português, Ferreira de Castro.

Entre os seus consanguíneos estará então, certamente, o mais completo intelectual brasileiro: Gerardo de Mello Mourão. Assim,  o senhor deverá terá na sua estante o volume  A Invenção do Saber, daquele Mourão que, em mais um  livro, O País dos Mourões, escreveu: “O  homem deve se contentar com o país dele.

Mas o homem é igual a Cabral: tinha coragem, estava sem destino, acabou descobrindo a terra”.

Gerardo nunca contentou-se com o país dele, e saiu pelo mundo, Europa, China, África,  Patagonia,  Chaco,  Salares,  Gobi,  Saara,  Estepes,  Tundras,  Himalaias, e, depois de tanto vagar , e mais apreender, retornou para redescobrir e apontar rumos para o país dele: o nosso.

Pois então general, inclua nas suas ânsias atávicas de novas descobertas e novos caminhos o nosso diminuto Sergipe.

Permita-me   explicar-lhe porquê,  e rememorando.

 Na década dos cinquenta, para ser mais preciso, naqueles  anos esfuziantes de Juscelino, Tom Jobim, Vinício, Niemayer, Lúcio Costa, Pelé, Garrincha, Assis Chateaubriand, Celso Furtado, Antônio Maria, Maísa, Dolores Durant, Dom Helder, Marta Rocha,  Burle Marx, toda a geração que atravessou os “ anos dourados “. Naquele tempo novidadeiro, inspirador de futuro,  então , andava anunciando uma nova era dos minérios que Sergipe viveria, um pregador autodidata. Chamava-se Walter de Assis Ferreira Batista.

Certa noite,  numa palestra feita no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Walter  foi ao quadro negro.   Traçou a giz um circulo que sua mão segura de esperança desenhou, quase perfeito. No centro, colocou um ponto e a palavra: Aracaju. A partir dali, riscou dois raios, um, em cada semicírculo, e nos seus extremos escreveu: calcário, sais sódicos e potássicos, petróleo, gás natural. Traçou então uma tangente no lado direito do círculo, e de cima a baixo foi escrevendo: Refinaria de Petróleo, Planta de Gás Natural, Polo Petroquímico, Fábricas de Cimento e Gesso, de Salgema,  Mina de Potássio,  Polo de Fertilizantes.

E anunciou o que era mais fantástico: Aqui em Sergipe num raio de menos de 40 quilômetros, que aquele círculo abrangia, estavam localizadas, as vezes superpostas, todas as jazidas minerais que sustentariam o portentoso Polo Industrial  .

Falava para uma plateia entre deslumbrados professores e estudantes  das cinco únicas faculdades existentes em Aracaju, e outros  renitentes conservadores e céticos, que ridicularizavam o palestrante: “Walter é aviador e anda perdido pelas nuvens.”

O pregoeiro do futuro era de fato aviador; fundara, em 1939 o Aeroclube de Sergipe, e em agosto de 1942, junto com alunos solos de pilotagem, aventuraram-se ao mar, e localizaram  os destroços e os náufragos dos navios que, no dia anterior, o submarino alemão U- 540 torpedeara e afundara, entre Sergipe e Bahia. Depois, ficaram a patrulhar diariamente a costa, após finalizadas as operações de socorro. Foram eles, então, os primeiros brasileiros nos seus frágeis Paulistinhas e CAP-4, a entrar em operações de guerra, no segundo grande conflito mundial.

Uns cinco anos transcorridos, em Carmópolis, como na cena épica daquele filme  Assim Caminha a Humanidade, (Giant no original) protagonizado por James Dean, o governador  João de Seixas Dória, tomava banho de petróleo no primeiro jorro registrado em Sergipe, quando se descobriu no Brasil um segundo campo produtor. Ao seu lado, secretários, petroleiros e um estudante de Economia, Paulo Barbosa de Araújo, que, depois, e já perto de morrer, publicaria dois importantes livros sobre a saga do petróleo em Sergipe e no Brasil.

Os comboios madorrentos  da Ferrovia Leste Brasileiro começaram,  em vagões tanques, a transportar o óleo sergipano para a refinaria  Mataripe, na Bahia.

Consolidava-se, assim, a primeira das proféticas anunciações do geólogo amador Walter Baptista. 

Um ano depois, com Seixas Dória já cassado e injustamente preso, vinha a Sergipe o presidente Marechal Castello Branco para visitar os campos produtores.  Desfez então as suspeitas  de que o Ministro Roberto Campos acabaria por convencê-lo a privatizar a Petrobras.

Quatro anos decorridos, o governador Lourival Baptista  inaugurava o asfaltamento da Orla da Atalaia e dizia: “ Neste local, um excelente mirante, a noite se transformará em atração turística, pois o Brasil virá ver  as luzes das chamas do gás queimando  a clarear o mar, saindo dessas plataformas que estão aqui na nossa frente, únicas em nosso país.”

Dois meses antes,  no mar da praia de Atalaia, em Aracaju, o óleo e o gás jorravam pela primeira vez na plataforma marítima brasileira.

Era a segunda predição confirmada de Walter.

Mais alguns anos, o general Geisel, então presidindo a PETROBRAS, autorizava o início da construção da FAFEN, a Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados. Pouco tempo depois o Presidente Figueiredo acompanhado pelo jornalista Roberto Marinho, fazia a descida num elevador gigante até  400 metros abaixo, onde a PETROMISA já extraia taquidrita , shelita, e produzia o potássio. O elevador atravessava, a meio caminho, um aquífero. Foi um desafio vencido pela engenharia nacional.

O Polo de Fertilizantes veio em seguida, consequência direta da oferta de insumos  na superfície daquele círculo virtuoso traçado para uma plateia no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, uns trinta anos antes.

 Mais   profecias de Walter confirmadas.

Agora, senhor general  vice -presidente Hamilton Mourão, a FAFEN permanece “hibernando”, ou seja, ampliando prejuízos.  Sem a amônia e ureia, desmobiliza-se parte do Polo de Fertilizantes sergipanos. Um detalhe a mais, senhor vice-presidente: a FAFEN produzia ureia pecuária, aliás, era a única no Brasil. Produzia também uma substancia indispensável para  a realização da hemodiálise. Além do fertilizante a FAFEN transitava pela chamada “ química fina “. Tudo isso perdeu-se, e o Brasil está importando  o que aqui não é mais produzido.

Se queriam dar uma mãozinha ao processo de desindustrialização do país, o fizeram então, e com muita invertida competência.

E para Sergipe virá ainda o pior: o presidente da PETROBRAS, ao que justifica, enxugando a empresa , pretende desmobilizar completamente a Região de Produção  Nordeste sediada em Aracaju.  Caso isso venha a ser um fato consumado, irão acrescentar mais uns quatro mil desempregados aos cinco mil que a FAFEN, hibernada, já criou. Isso num país que ainda tem quase doze milhões de desempregados, não parece ser a melhor saída, por mais que se tenha ojeriza às ideias daquele Lord inglês chamado John Maynard Keynes.

Sobre o famoso economista que inspirou o presidente Roosevelt a por em prática o New Deal,   Roberto Campos em seu livro Lanterna de Proa, faz uma saborosa indiscrição: Keynes, participando da Conferência de Bretton Woods , o ponto fulcral da hegemonia do dólar,  fora o único que recebeu permissão para se fazer acompanhar por esposa ou amante . Sarcástico, Campos lembrou que isso aconteceu porque, apesar dos atrativos da sua esposa a excêntrica  bailarina russa Lydia Kopokova, a castidade permaneceria no quarto daquele isolado hotel nas montanhas de New Hampshire, onde Keynes limitava-se a sorver o seu champagne.

Do Champagne de Lord Keynes, tratemos, com pesar, do óleo de rícino, purgante   áspero, laxativo devastador, que estão  empurrando goela abaixo dos sergipanos. Talvez ,  nos condenando a secretar esperanças, como se fossem excrementos.

Mas não chegaremos a tal ponto, porque, finalmente, um pouco além daquele círculo quase miraculoso que Walter riscara,  dessa vez , a uns oitenta quilômetros da costa sergipana, os campos gigantescos de gás e petróleo irão entrar em produção. Fica difícil entender porque motivo a PETROBRAS daqui bateria em retirada.

Mas não iremos nos perder em conjecturas vãs. Já estamos, pragmaticamente, a saudar a EXXON, a petroleira global que chegou, movida pela vontade de abocanhar os últimos dinheiros fartos, da farta era do petróleo, que não atravessará a metade deste século.

Teremos mais gás a exportar do que o gasoduto boliviano. Isso, somente para começar, e, naturalmente, vamos precisar do apoio que já nos foi assegurado pelo ministro Bento Albuquerque , e sinalizado por Paulo Guedes.

Assim, em tempos de mudanças, quando o capitalismo que faz mutações que Marx nem chegou a suspeitar, cuida de gerar uma economia tecnológica exponencial, aderindo ao discurso verde, que agora até agrega valor, passaremos por uma nova revolução, a derradeira que os combustíveis fósseis ainda conseguem gerar. Necessitamos criatividade para pavimentar com muita segurança o caminho do futuro próximo, coisa que a China, já entendeu há muito tempo, e por isso dispara.

Dizia, aquele que foi um dos maiores lideres do século passado, Winston Spencer Churchill : “Estadista é aquele que pensa no futuro e não na próxima eleição."

Senhor general vice-presidente, o senhor, verdadeiramente um homem de Estado, retornará a Brasília  certamente, agora, com uma imagem ainda mais nítida de Sergipe.  Assim, poderá com  autoridade moral e conhecimento técnico, demonstrar  que uma parcela do futuro deste país, poderá estar atrelada exatamente ao que vier a acontecer neste diminuto pedaço de Brasil, onde se localiza o círculo  quase mágico, para o qual o Governo, os investidores nacionais e estrangeiros, deverão convergir suas atenções.

Sergipe, senhor general Hamilton  Mourão, recusa-se teimosamente a “ hibernar".

Ajude a nos livrar da letargia imposta, o castigo que não merecemos.

Com um Tríplice e Fraternal Abraço, atenciosamente,

LUIZ EDUARDO COSTA

 

 

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