Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa | Jornalista
BELIVALDO PENEIRANDO APOIOS
12/10/2018
BELIVALDO PENEIRANDO APOIOS


O resultado da eleição em Sergipe foi surpreendente, seguindo a rota do que sucedeu pelo Brasil afora. Candidatos que se consideravam eleitos despencaram, até para humilhantes posições. Outros, novatos desconhecidos, sem bases partidárias, sem recursos, elegeram-se. Isso revitaliza o processo democrático, porque vai entronizando o voto livre, e retirando do trono os que se consideravam donos dele.

Elegeu-se o jovem delegado de polícia Alessandro. Quem votou nele apenas ouvira falar que num determinado momento ele procurou conduzir um inquérito para apurar corrupção. O delegado talvez nem tenha percorrido um terço dos municípios sergipanos, mas para ele surgiram votos em quase todas as urnas nos mais isolados vilarejos.

André Moura, apontado em todas as pesquisas em segundo lugar e avançando para ultrapassar o líder desde início o senador Antônio Valadares, chegou mesmo a ultrapassá-lo, mas juntos na derrota, todavia bem à frente do senador, que, para desgosto maior, perdeu, tanto ele como o filho, as eleições no seu município, Simão Dias, raiz da sua família, local onde nunca esperariam sofrer tamanho revés.

Em relação ao deputado André Moura teria pesado muito sobre ele a astronômica rejeição do malsinado presidente Temer. André procurou evitar durante toda a longa campanha na qual se empenhou, a alusão ao importante posto que desempenhava no Congresso, era o articulador direto de Temer. Carreou para Sergipe vultosas verbas federais (seus adversários contestam os números) tinha o apoio de quase setenta prefeitos dos setenta e cinco existentes. Melhorara muito a imagem em Aracaju, onde era mais fortemente associado a Temer e Eduardo Cunha, quando salvou a realização do Forrocaju, ameaçado por falta de verbas. O prefeito Edvaldo Nogueira destacou sempre o ajuda de André, mas na eleição votou em Jackson e Rogério.

Jackson Barreto,  antigo campeão de votos em tantos memoráveis pleitos, numa época em que chegou a ter mais de setenta por cento dos votos dos aracajuanos, não conseguiu repetir seus sucessos, o último deles a vitória para a reeleição ao governo, onde chegara com a morte de Marcelo Déda de quem era vice. Eduardo Amorim sofreu uma fragorosa derrota. No caso de Jackson houve, agora, além da ¨fadiga de material¨ o surgimento insistente nas mídias daquela afirmação desastrosa que fizera numa entrevista ao radialista Gilmar Carvalho: ¨Eu não serei candidato a nada vou permanecer no governo até o fim, e se eu for candidato não votem em mim.¨  O povo obedeceu a recomendação, e o velho guerreiro das causas populares, ensarilha suas armas,  e parece disposto a  desfrutar de um merecido repouso. Ele animou-se para a disputa, mesmo com os desgastes no governo, provocados em grande parte pela perseguição mesquinha que lhe moveu o nada republicano presidente Temer.

Talvez não tenha sabido explorar essa circunstância que lhe favoreceria e acreditou na validade do seu carisma, que, todavia, o tempo encarregou-se de ir dissolvendo. A juventude de hoje nem sabe quem foi o Jackson dos anos setenta e oitenta, no combate ao regime autoritário, e o clima agora, nesse aspecto, é até adverso, porque entre os jovens já se observa uma espécie de flerte com o autoritarismo, e deles partem até elogios ao período da ditadura civil-militar. A queda ao fundo do poço do senador Valadares o levou a ocupar no ranking dos perdedores um lugar abaixo de Jackson, contra quem disparou mais fortemente suas rajadas de críticas.

O senador Eduardo, que na campanha escondeu o Amorim, e nem deveria fazê-lo porque ninguém o compara ao irmão, e todos o respeitam como médico e cidadão, amargou talvez a sua última e acachapante derrota, porque não há observador do cenário político atual de Sergipe que acredite numa ressurreição dos Amorins. Entre os deputados estaduais algumas surpresas gratificantes, como a eleição da jovem vereadora Kitty Lima, uma outsider que ganha espaços pela sua militância coerente. Entre os federais apenas uma grande surpresa, todavia nada encorajadora.

Por fim, Belivaldo Chagas, pondo abaixo a mistificação das pesquisas que o colocava em terceiro, com Valadares Filho disparado na frente seguido por Amorim. Nos últimos dias foi admitido o avanço de Belivaldo, um recuo de Amorim, mas Valadarezinho permanecia impoluto na dianteira, fazendo dupla com o seu pai, também liderando o páreo para o Senado.

Belivaldo firmou-se pelo protagonismo revelado nos poucos meses de governo. Saiu na frente da sensível questão da segurança, deu força e determinação à Polícia e a bandidagem começou a refluir. Quando demonstraram ousadias, foram depois alcançados e castigados. Evoluiu muito a saúde, acabaram-se as filas no João Alves, e o ¨Galeguinho¨ com seu jeitão simples, comunicativo, foi conquistando a simpatia do povão.

Venceu com larga margem, quase duzentos mil votos à frente de Valadarezinho, em quem o povo não identificou a figura de um gestor capaz de tocar em frente um trem que Belivaldo já colocara em movimento.

Belivaldo, agora, sem   imaginar-se antecipadamente vencedor, faz, todavia, uma caminhada facilitada pelo número de adesões que vem recebendo. Num só dia vieram mais de quinze prefeitos, os deputados Venâncio Fonseca, Capitão Samuel e Jairo de Gloria. Nesse sábado deverá ser anunciada a chegada do grupo do pastor Heleno. Heleno teve mais de cento e sessenta mil votos, e demonstrou força no sertão.

Uma tarefa que Belivaldo agora acrescenta às suas preocupações administrativas, e com a campanha eleitoral, será a sutileza de peneirar  as adesões que chegam, isso, para não susceptibilizar os companheiros que começaram juntos com ele a jornada, que levou ao sucesso no primeiro turno.

O OVO DA SERPENTE OU A SEMENTE DO ÓDIO

Ingmar Bergman um dos maiores cineastas do século passado produziu, no começo da década dos vinte um filme que se eternizaria como a clássica metáfora do nascimento do nazi-fascismo, e deu-lhe um nome evocativo: O Ovo da Serpente. 

 A Alemanha do pós-guerra mergulhara numa devastadora crise econômica. O Marco alemão deixara de ser uma efetiva expressão monetária e dissolvia-se num corrosivo processo de desvalorização, estimulado pelo titubeante governo da ¨República de Weimar¨, que, assim, livrava-se do pagamento da vultosa indenização de guerra, em moeda alemã, equivocadamente estabelecida pelos vencedores no humilhante tratado de Versailles.

O orgulhoso e culto povo alemão passava fome, hordas de milhões de desempregados, ex-combatentes desmobilizados e abandonados pelas forças armadas, perambulavam esfarrapados pelas ruas. Havia desesperança e revolta, indignação com a classe política, os arruaceiros tomavam as cidades e a esquerda e direita extremadas se enfrentavam em conflitos sangrentos.

Nesse clima surge um sombrio personagem, um ex-cabo do exército que saiu da guerra temporariamente cego e condecorado por heroísmo. Era o austríaco que recebera cidadania alemã Adolf Hitler. Conseguiu um emprego como agente secreto do exército e se foi infiltrando nos sindicatos, e num deles encontrou-se com aquilo que Ingmar Bergman, sutilmente retrata no seu filme: o ovo da serpente.

O que era esse ovo?

A semente plantada para promover uma catalisação da desesperança e frustração das massas, nelas introduzindo o ódio a alguma coisa escolhida como alvo, para a descarga raivosa de todas as decepções e angústias. Então, na deteriorada cena política alemão surgiu a figura a princípio caricata, depois, idolatrada e trágica, do desconhecido ex-combatente Adolf Hitler.

A narrativa de ódio começou a seduzir um povo marcado por desgraças. Primeiro, lhes restituiu o orgulho, fazendo os alemães na sua maioria, acreditassem que realmente eram uma raça superior, e o resto as sub-raças. Os alemães pertenceriam a um ramo único da raça ariana, que além da Alemanha só seria encontrada em alguns países ainda não miscigenados da Europa e teria origem na Índia. Por serem superiores os alemães possuiriam o direito divino de conquistar, se apropriando de terras estrangeiras, onde estava o lebensraum, o espaço vital que necessitavam para viver e expandirem-se. Isso era uma promessa de guerra, que seduzia a casta militar com tradições rigidamente prussianas, onde estava uma parte de uma milenar nobreza. Os trabalhadores fartos da incompetência e da corrupção dos políticos, também viram em Hitler o homem providencial.

Ele não saíra da política, não pertencia à elite, era apenas um cabo do exército que combatera pela pátria e denunciava a cumplicidade de tantos que foram covardes e levaram a Alemanha ao desastre. Apontou os inimigos: os judeus, os comunistas, os exploradores do povo, os devastadores dos cofres públicos. Com a promessa de uma nova Alemanha, as massas, descrentes, assimilavam bem a imagem de futuro desenhado pelo nazismo; levantavam suas bandeiras e agiam como fanáticos, que em pouco tempo estariam a espancar e assassinar judeus, comunistas, homossexuais, levados aos milhões às Câmaras de Gás nos campos de extermínio. Por fim a tragédia se consumaria com a tragédia de outra mais devastadora guerra.

Não existe um clima mais propicio ao surgimento dos fanatismos e dos homens providenciais, os salvadores da pátria do que a falta de emprego, a tortura da fome, a descrença, e até o ódio às instituições vistas como áreas ocupadas por aproveitadores e ladrões. Esse clima favorece o surgimento do ¨ovo da serpente¨.

Resta- nos esperar e mais ainda rezar, para que esse ovo da serpente ao eclodir, não nos traga outras adversidades, nem açule ainda mais a fúria  que cresce, entre os que se enfrentam como cães ferozes.

É preciso que não banalizemos o ódio, a semente, o ovo da serpente. Geradores das mais devastadoras violências.

 

 

 

Voltar