Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa, é jornalista, escritor, ambientalista, membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Maçônica de Letras e Ciências.
AS INTERVENÇÕES  E OS DERROTADOS
06/07/2023
AS INTERVENÇÕES  E OS DERROTADOS

AS INTERVENÇÕES  E OS DERROTADOS

Pank chegou mostrando serviço. Espera-se que assim continue


 

Quando um município aproxima-se do caos administrativo, ou nele já está mergulhado, costuma-se recorrer à intervenção. É solicitada pelo Ministério Público ou Tribunal de Contas.  Submetida então ao Tribunal de Justiça para que os desembargadores decidam sobre a necessidade ou conveniência do afastamento do Prefeito, e, para o seu lugar,  designado o interventor escolhido pelo governador do Estado, e o nome aprovado pela Assembleia Legislativa.

Não são frequentes essas anomalias, todavia constitucionais, que ferem, de certa forma, o processo democrático da escolha pelo voto popular. Mas, trata-se de um instrumento emergencial,   para dar fim a desmandos.

 

Nesses últimos vinte anos, Canindé do São Francisco foi o município recordista em intervenções, ou, quase o único a sofrê-las.

As motivações são várias,  entre elas,  avulta a desordem no trato com a abundancia de recursos nos cofres  do município. Pode ser paradoxal, porque essa fartura deveria traduzir-se em avanços sociais e econômicos para o rico, e ao mesmo tempo desventurado município.

Mas, aconteceram também quedas abruptas na receita, motivadas pela insegurança jurídica, que agora termina, com a decisão do STF dando ganho de causa ao estado de Sergipe, na demanda que rola há vinte anos sob os direitos de royalties da Usina Xingó. Decidiu-se que Sergipe será o beneficiado por estarem no seu território as turbinas que geram a energia.

O município de Piranhas, em Alagoas, que dá exemplos virtuosos de boa aplicação dos recursos, no caso, deveria, apesar da decisão já consolidada, receber também alguma forma de compensação, mas,  o fato é que Canindé aumentará  mais ainda o volume de reais nos seus cofres,  a necessitar de quem cuide deles com zelo e responsabilidade.

  A primeira das intervenções ocorreu há quase vinte anos, e parece ter sido a única que deu resultados, sendo interventor o Procurador de Justiça Fernando Mattos, que contou com um naipe qualificado de representantes do MP, e técnicos do Tribunal de Contas.

Todavia, as intervenções têm prazo legal estabelecido, e depois, a depender do gestor municipal retornando ao cargo, os exemplos são mantidos, ou simplesmente desprezados .  

 Antes,  aconteciam episódios sangrentos a partir de choques entre os vereadores e o executivo, sob ameaça de impeachments.

 Recentemente, retornaram esses choques, dois prefeitos foram afastados, o presidente da Câmara assumiu, ou o vice, mas,   logo  os titulares voltaram aos seus postos por decisão judicial. Sem que se registrassem violências ou ameaças. Tudo na mais perfeita paz e convivência democrática .

Há poucos dias os vereadores por maioria expressiva ( 8 dos 11) com apoio maciço da população, teriam afastado o prefeito, não fosse a solução conciliatória, ( também mais adequada, para evitar um longo processo rolando nos tribunais) que permitiu o licenciamento do titular e a posse do vice, Josenildo Pank.

Claro, quando um novo gestor assume,  substituindo um outro que demonstrou total incapacidade para gerir o município, seria lógico um crédito de confiança para o seu desempenho inicial. E Pank estreou  muito bem, fazendo cortes que redundaram numa economia próxima aos dois milhões de reais.  Começou a   transformar a letargia ou desleixo administrativo, demonstrando agilidade e decisão. Atendendo à instancias do  Promotor da comarca, Paulo José, o prefeito exonerou os três integrantes da nova administração, para que não pairassem suspeitas de nepotismo.

 No seu blog tão  acessado, o atilado jornalista Adilberto de Souza estranha que se fale tanto, insistentemente, em intervenção agora, inclusive em emissoras de rádio pelo proativo Promotor Público da Comarca, quando o “ o novo gestor nem teve tempo para dizer ao que veio “. Esse estranhamento é, aliás,  dominante nas mídias, e entre a própria população canideense, pela intempestividade  da pretendida intervenção .

Quando uma intervenção acontece , não há apenas um penalizado, todos perdem.

Em primeiro lugar, fragiliza-se a imagem da democracia, com  a supressão dos efeitos da vontade popular manifesta através do voto.

Desidrata-se o exercício da política, pela decepção e dúvida sobre a sua eficácia.

Para que ocorra o afastamento drástico de um gestor levado ao poder pelo voto, configura-se, também, ao lado dos supostos delitos cometidos por ele, uma evidencia de que falharam os instrumentos legais de fiscalização e controle.

O descalabro não ocorre de um dia para uma noite, e quando se atinge o que poderia ser o caos, desenha-se, também, a suspeita de que houve leniência, ou acomodação, enquanto aconteciam os ilícitos, até absurdos.

Fica-se então a imaginar que, todos os prefeitos diretamente responsáveis pelo desmonte  das regras que disciplinam e orientam,  delas fizeram pouco caso, teriam agido crentes de que não sofreriam penalizações, por terem imaginado que seriam inimputáveis , ou fora do alcance de quem aplica a lei.

Havendo um aperfeiçoamento do aparato legal, de forma que possa atuar em conjunto, e  pontualmente, os erros não se teriam acumulado a ponto de  se tornarem  escândalo público.

Assim, uma intervenção sempre deixará  dúvida sobre a capacidade e eficiência das instituições, porque acontecem depois que a corda estica e arrebenta .

E é preciso avaliar, sobretudo, o montante de recursos desviados e perdidos, nesse tempo, chamemos assim, de desatenção  ou complacência, e o que poderá fazer um interventor em curto espaço de tempo, sem conhecer as características do município, sem saber, por exemplo, no caso de Canindé, que a maior parte da população da zona rural   não tem água para beber , para lavar, tomar banho e cozinhar, caso não chegue a tempo e  hora um caminhão-pipa, um, entre centenas deles, que estão constantemente a percorrer as estradas maltratadas do semiárido, e que bichos também, tantas vezes morrem de sede por falta de água.

 Na intervenção, o município praticamente para, enquanto são devassados os “livros” da contabilidade sob suspeita, e tudo o mais fica em  segundo plano.

 A população interiorana, não precisa da presença de contadores atentos às cifras, aparecendo  durante as intervenções, precisa sim, e espera, que o controle e fiscalização sejam exercidos na sua plenitude, e permanentemente, tal qual  exigem as prerrogativas de cada instituição.

E assim, se antecipem nas ações, antes que o desastre aconteça.

As intervenções, apenas deixam explícita uma derrota de todos.

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