Foram providenciais as chuvas que caíram por todo o sertão, ou seja, o coração do semiárido sergipano, que não recebia chuva razoável, há sete anos.
Nesses últimos vinte dias, em algumas regiões despencaram mais de duzentos milímetros de água, mas a média deve ter ficado em torno dos oitenta milímetros, o que é muito bom, excelente mesmo, para uma região onde a escassez de água chegava ao extremo. Os caminhões usualmente empregados durante as estiagens, eram insuficientes agora para atender à necessidade das pessoas e dos rebanhos.
A produção leiteira, base principal da economia do semiárido desabou, em alguns casos, a menos da metade. Para agravar as coisas, nesse momento de crise aguda, os laticínios alegando encolhimento da demanda reduziram o preço que estavam pagando, de um real e setenta o litro, para noventa centavos agora. Não há margem de lucro para os produtores com esse preço, mas eles preferem vender o leite a ter que jogá-lo fora. Outros, estão sem alternativa, a não ser perder o produto, porque não se pode parar a ordenha, isso, desde que os laticínios interromperam a coleta, e o pagamento, consequentemente.
Há em Sergipe apenas três grandes laticínios, o Natville, o Betânia e o Sabe, mais novo. Este, tem diversificado a produção de lácteos, está até fabricando sucos, mas reduziu a sua participação no mercado, diminuindo a compra do leite.
O número de pequenos laticínios é reduzido, poderia ser bem maior, e isso ampliaria o mercado, reduziria a dependência do produtor aos grandes laticínios. Sergipe vende queijos e manteiga desses pequenos laticínios para o interior de Pernambuco e Paraíba, principalmente. A médio prazo, desde que haja financiamentos bancários todos esses mini-laticínios seriam modernizados, (alguns estão paralisados por não atenderem exigências sanitárias e ambientais) e ampliariam a produção. Há mais um problema, porque a produção leiteira foi reduzida pela venda de parte dos rebanhos para regiões do estado ou para outros estados.
A chuva encheu barragens, o que alivia o drama de dar de beber aos rebanhos, o pasto se refaz, e se manterá, caso nesses próximos dias haja mais chuvas. Isso aliviará os custos com a ração. Mas há uma perda enorme que levará algum tempo para ser compensada.
Todavia, esse quadro de escassez hídrica no semiárido que é permanente, tende, ao que tudo indica, a tornar-se mais grave, caso persistam essas transformações atribuídas ao aquecimento global. O fato é que, nos últimos trinta anos aconteceram coisas que só no espaço do tempo geológico se imaginaria fossem possíveis. A redução na média da pluviosidade chega a mais de cinquenta por cento nos últimos cinco anos em algumas regiões mais secas do semiárido. Rios que ainda eram perenes desapareceram, olhos d'Água, ou nascentes, secaram, a fauna e a flora têm sido pesadamente afetados. Há diversos animais da caatinga que estão extintos, ou quase. E o colapso do rio São Francisco a cada dia é mais acentuado.
Ao fenômeno natural, registrado historicamente desde o século dezesseis, ou seja, nos primórdios do Brasil recém visitado pelas caravelas portuguesas, juntam-se, também, as ações humanas agravando o desastre.
A caatinga foi devastada por fazendeiros, para que surgissem os pastos. Nos últimos anos foi plantado o capim buffel, considerado resistente à estiagem, mas, com o agravamento da seca até o buffel morreu. Os pastos estão nus, e neles ocorre mais acentuada a desertificação. Retirar a cobertura da caatinga tem sido uma ação desastrosa, mas agora, são os integrantes do MST, que sem nada produzir nos seus assentamentos, recorrem à única atividade possível: o corte da caatinga para fazer carvão. Nesses anos de seca, a fumaça dos carvoeiros tem sido permanente. Mas o que fazer, se eles passam fome e lutam pela sobrevivência das suas famílias? Um saco de carvão é vendido aos atravessadores, que pagam entre cinco e sete reais.
Como notou Euclides da Cunha, deixando feericamente gravado no seu mais famoso livro Os Sertões, as chuvas, quando caem torrenciais no chão esturricado e pedregoso do sertão correm rápidas sobre o solo, onde quase não penetra a água, enchem os rios caudatários que logo despejam sua corrente nos rios maiores, na região descrita por Euclides, só o São Francisco, e em poucos dias ou horas, nada mais resta, e o chão logo volta a ressecar-se.
Na região toda onde choveu em Sergipe, os rios já estão completamente secos, e assim ficaram em apenas três dias.
Precisamos tratar de perenizar precariamente esses rios. Bastarão pedras, e pedras é que não faltam no sertão.
Com elas se fariam sucessivas barramentos, essas barragens deveriam ter forma de um semicírculo com a parte côncava voltada para a montante, ou seja, de onde vem a corrente, isso, segundo a física, e um ramo dela, a hidrologia, aumenta a resistência, e faz a força da água dispersar-se. O objetivo não seria manter o rio represado, apenas acumular água até a altura da vazão. A barragem de pedras sobrepostas, sem cimento, não seguraria por muito tempo a água que correria pelas frestas. Mas restariam grandes poças, e no solo permeável a água se infiltraria, então, no leito do rio se fariam cacimbas, nos trechos mais úmidos se permitiria o plantio, e nas poças beberiam os rebanhos. Teoricamente a coisa tem viabilidade, mas na prática já existem pelo sertão pernambucano, paraibano e cearense, muitas experiências bem sucedidas.
Poderíamos imitá-los, se houver para isso os recursos necessários. Os proprietários de áreas maiores poderiam ser estimulados a fazer barragens em riachos intermitentes que existam nas suas terras.