(Fogo na Amazônia e incêndio na cabeça)
“Não vou admitir o IBAMA. A festa acabou”
A frase foi pronunciada pelo ainda presidente eleito Jair Bolsonaro em 2018. Seguiram-se várias outras, às quais se juntaram aquelas, saídas da boca do Ministro do Meio Ambiente, um homem de negócios, duvidosos, que é nitidamente contrário às políticas ambientais. Seguiram-se os atos de desmonte do IBAMA do ICMBIO, do IMPE. Toda uma série de ações visando desqualificar o trabalho de fiscalização e as constatações em protocolos científicos.
Aqueles que desmatam clandestinamente a Amazônia não são majoritariamente fazendeiros, produtores em busca de áreas de terras para os seus negócios, são sim bandidos, integrantes de facções criminosas que vivem da grilagem, e do contrabando de madeira e de minérios, inclusive preciosos. A Amazônia brasileira, tanto quando a Colombiana, Venezuelana, Peruana e Boliviana, além dos trechos menores nos países das antigas Guianas, toda essa gigantesca área, é, ainda, uma terra de ninguém.
Quando os bandidos ouviram o que dizia o presidente e o seu Ministro, entenderam, então, que era hora de intensificar a devastação. Se a “festa” acabou para o IBAMA, como desejava o presidente, uma outra festa começou, bastante animada e quente: A festa do fogo. Não era absolutamente a primeira, mas esta, de agora, 2019, foi ampliada porque, afinal, sabiam que o sistema de repressão estava desmontado, e teriam a tolerância do próprio comando da República.
Há, sem dúvidas, que se ter muito cuidado quando se trata de questões relativas à Amazônia ou, de um modo geral, às narrativas ecológicas. Os antiambientalistas são movidos pela ambição de lucro fácil, não importando se cometem crimes pelos quais irão pagar muito caro as futuras gerações. Já entre os ambientalistas, move-se, a grande maioria com ideias generosas, e uma outra parte deles envolvida também com interesses econômicos. O capitalismo tem essa faceta específica de tornar possível o lucro entre duas atividades antagônicas.
Mas não é possível calar diante do fogo, do crime, e da imensa insensatez de uma fogueira político-ideológica diretamente atiçada pelo próprio presidente, com aquele seu estilo de descobrir um inimigo a cada dia.
Na Segunda Guerra, quando em 1944 as tropas aliadas aproximavam-se da capital francesa, Adolf Hitler telefonou do seu quartel general para o governador militar de Paris, o general Von Choltitz, e perguntou-lhe: “Allgmein, Paris brennt?” (General, Paris em chamas?) o general respondeu-lhe que não, e ele ordenou: “Allgmein, feurboot in Paris” (general, bote fogo em Paris) O general desobedeceu-lhe, e Paris salvou-se. Se o presidente Bolsonaro telefonar a um dos seus extremados apoiadores, no Pará, por exemplo, para perguntar-lhe se, de fato, a selva amazônica está sendo queimada, ele lhe responderá: “Ainda não está toda, presidente, mas vai ficar”. Entre os que destroem pelo fogo a Amazônia o objetivo é mesmo acabar a floresta.
Mas é imprescindível a qualquer custo retirar a incendiária disputa política extremada, em torno do fogo que consome a floresta. Precisamos de bombeiros a despejar sensatez e equilíbrio nessa refrega de paixões alucinadas, onde o entendimento se torna impossível.
Nada mais emblemático do que o próprio incêndio, as fogueiras que se estendem de um lado ao outro da Amazônia, para configurar a desastrosa metáfora dos dias que o Brasil penosamente atravessa.
Nem precisamos chegar até a Amazônia para constatar os efeitos sobre o clima, resultante da devastação de toda a cobertura vegetal.
Limitemo-nos, aqui, àquela nesga de terra que desce no extremo sul da Bahia, espremida entre o oceano Atlântico e as Minas Gerais. Ali estava, até o começo dos anos setenta, a maior extensão intocada de floresta Atlântica no país. Ela ultrapassava as terras baianas e invadia o Espírito Santo, até além das margens do rio Doce.
No mais curto espaço de tempo se fez a devastação mais completa de uma grande floresta. Na recém surgida cidade de Eunápolis montou-se o polo principal da derrubada. Centenas de caminhões transportavam madeira para as serrarias trabalhando dia e noite. A cidade foi crescendo, da mesma forma que cresceram no século dezenove, aquelas do far-west americano. Surgiu um campo de pouso, dentro da empoeirada área urbana, e o trafego de pequenos aviões era intenso.
Um jornalista sergipano que por lá passou em 1972, a caminho do Rio de Janeiro, numa manhã de dezembro nevoenta, porque ainda havia muita umidade que a floresta proporciona, contou, taxiados no aeródromo 16 pequenos aviões. Chegavam também gringos vindos de todas as partes do mundo. Queriam mogno, jequitibá, e tantas madeiras nobres.
Tudo em 30 anos estava acabado. Terminou a euforia madeireira e restou a terra nua. Hoje, onde chovia em média 2 mil milímetros anuais, existe um panorama parecido com o semiárido nordestino, e na terra onde muito se plantou, quase nada mais se colhe, a não ser com irrigação. Mas os rios antes caudalosos da região estão secando, alguns acabaram. Em Eunápolis e em Teixeira de Freitas, as duas maiores cidades surgidas no tempo em que a floresta toda vinha abaixo, falta água nas torneiras.
Para não ir mais longe, chegue, quem quiser ver, até Tucano aqui bem perto, quase após a divisa, e, no povoado Jorrinho, tomando uma cerveja e comendo bode assado, pergunte ao garçom onde fica o rio Itapicurú. É aquele mesmo que o então senador Chico Rollemberg, tentava demonstrar, com base histórica e legal, que seria a real divisa molhada entre o miúdo Sergipe e a gigante Bahia. O garçom dirá que o rio secou, acabou, só desce como rápida corrente quando há trovoadas, e isso fica cada dia mais raro. No leito seco já estão frondosas algarobeiras, árvore que sobrevive nos desertos. Isso aconteceu em menos de trinta anos.
Ecologia não tem partidos, não é bolsonarista nem lulista, nem de esquerda nem direita, muito menos comunista. Aliás, onde é que ficam mesmo esses insidiosos comunistas, depois que caiu o Muro de Berlim, a União Soviética acabou, e a China tornou-se o segundo maior país capitalista do mundo? Estariam refugiados em Cuba, de dentes arreganhados para invadirem o Brasil? Na ilha onde Fidel já está enterrado, sobram necessidades insatisfeitas, e o regime busca saídas na livre iniciativa. Estariam precisando, talvez, da ajuda de algo como o nosso tão bem sucedido SEBRAE.
Os que clamam pelo extermínio total dos “comunistas”, que até estariam tocando fogo na Amazônia para culpar Bolsonaro, pedem, histericamente, que se instale no Brasil uma ditadura saneadora, com data fixa de dez anos, tendo exatamente Bolsonaro como o nosso Mussolini tropical, que se encarregaria de exterminar os “maus brasileiros”. Nos igualamos então, em insanidade, aos próprios comunistas, que defendiam uma permanente Ditadura do Proletariado, para que nela fosse “forjado o novo homem”. A “nossa” Ditadura seria então de quem? Dos desajustados sociais? Para fabricarem outros desajustados fanáticos?
Deveriam procurar, na história, como terminaram todos os déspotas “salvadores”.
A ecologia é apenas a ciência da natureza, e hoje o caminho que temos para a preservação deste planeta, nossa casa no universo.
Só isso, e para seguir suas orientações técnicas e adotadas por todos os países civilizados do mundo, não precisaríamos estabelecer um confronto prejudicial em todos os sentidos, e desastroso do ponto de vista econômico com o resto do mundo.
Da Europa, onde se encontra em férias, Blairo Maggi, ex-senador, ex-governador do Mato Grosso, ex-Ministro da Agricultura, e maior produtor de soja do mundo, vendo a deterioração rápida da nossa imagem, e as retaliações que poderão ocorrer em grandes mercados importadores, mandou o recado urgente: “Temos de refazer a imagem do Brasil”.
E o nosso presidente faz gaiatices, bate panelas como tresloucado e agride, desrespeitoso e chulo, o presidente Macron e sua esposa Brigitte. Quando o presidente Macron referiu-se à nossa Amazônia, nele logo viram atitudes imperialistas. Esqueceram que a Guiana Francesa faz extensa fronteira com o Amapá, marcada pelo rio Oyapoque. E tudo ali é Amazônia.
Sem dúvidas, precisamos mesmo refazer a imagem, antes que o pior aconteça.
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JORGE E AS MEMÓRIAS DA RESISTÊNCIA
O MDB, Movimento Democrático Brasileiro, resultou de uma concessão que o regime autoritário fez à oposição depois de extinguir todos os partidos.
As eleições realizadas em três estados, menos de dois anos após o golpe de 1964, levaram à vitória no então estado da Guanabara do embaixador Negrão de Lima, apoiado por Juscelino, já cassado, e pelo proscrito Partido Comunista, que, em termos de votos, era quase nada. Mas a “linha dura” já em pé de guerra, e instigada pelo governador Carlos Lacerda, cujo candidato à sucessão Flexa Ribeiro, fora derrotado, decidiu depor o presidente marechal Castello Branco, por considerá-lo, frouxo e tolerante. Castello salvou-se pela ação do general Costa e Silva, seu Ministro da Guerra, acalmando os extremados, ao mesmo tempo, firmou o seu nome como candidato escolhido pela tropa à presidência da República.
Castello para não ser ultrapassado pelos radicais, baixou o Ato Institucional nº 2, que extinguia todos os partidos e criava dois outros: A ARENA, Aliança Renovadora Nacional (o partido da revolução) e o MDB, a oposição tolerada.
No livro Memórias da Resistência, Jorge Carvalho, professor, escritor, historiador, e tantas coisas mais da sua vida devotada à cultura, conta como foi um período invulgar da nossa história contemporânea, quando política se tornava sinônimo de idealismo.
Nessa história avulta a figura de José Carlos Teixeira, do seu pai, Oviedo, dos irmãos Luiz e Tarcísio, de tantos outros mais que assinaram o ato corajoso de adesão ao partido no seu nascimento, ou a ele se chegaram depois, gente da estirpe de Guido Azevedo, Leopoldo Souza, Jaime Araújo, Baltazar Santos, Benedito Figueiredo, Otávio Penalva, Umberto Mandarino, João Augusto Gama, Marcélio Bonfim, Welington Mangueira, e tantos outros mais, formando o punhado de desassombrados, diante da corrida desenfreada de todos, e de todos os partidos extintos, em direção ao partido do poder, do poder que se intitulava “revolucionário”, e que podia baixar Atos Institucionais, cassar mandatos, censurar e prender.
É livro indispensável para uma visão atualizada da política sergipana.