Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa | Jornalista
ACENDER CIGARRO E APAGAR A VIDA
29/05/2019
ACENDER CIGARRO E APAGAR A VIDA

(Que hábito horrível engolir fumaça)

Aspirar fumaça, levá-la com muito avidez ao pulmão e à “cabeça” é, para os que fumam diversas espécies de fumo, um hábito acompanhado de grande prazer, e logo, necessariamente, se transforma em vício. Asseguram os que não fumam o fumo legal, que paga impostos e é tratado como atividade econômica, até de relevo, que suas folhas são naturais, não têm aditivos químicos, por isso, não oferecem perigo maior do que um simples “barato,” que gera sossego, tranquilidade, assim, não representaria o perigo que se alardeia, sequer se transformaria em vício. E há os que até dizem: “aperto há mais de 30 anos e não sou viciado”, e logo acrescentam: “epa, tá na hora do meu baseado”!

Mas o assunto aqui não é absolutamente a maconha, cujas virtudes os adeptos tanto cantam em prosa, verso, e principalmente música.

O fumo de que tratamos nestas linhas é aquele nos cigarros que são fabricados principalmente pela poderosa empresa Souza & Cruz, que, é bom saber, não é de seu Souza nem de seu Cruz.

O Brasil era um dos países onde mais se fumava, e onde também mais se morria de fumar.

Vamos contar porque na década dos anos setenta quase metade dos brasileiros era de fumantes, e hoje são menos de quinze por cento.

Lourival Baptista tornou-se senador da República em 1970, quando , contrariando a vontade do presidente Médici, deixou o governo de Sergipe, e elegeu-se senador.

Logo no começo do mandato iniciou uma intensiva campanha contra o uso de fumo, o tabaco, especificamente.

Quando encerrou o terceiro e último mandato em 1995, o numero de fumantes no Brasil havia se reduzido a menos da metade do que era quando ele começou aquilo que denominou  campanha “anti-tabaco”.

Lourival foi objeto de críticas, até de galhofa, geralmente partidas de um grupo que entendia ser inútil combater o cigarro, e mais ainda, que esse combate não deveria ser feito por um representante do povo, eleito para tratar de problemas maiores e mais graves.

Lourival, pacientemente, não respondia diretamente às criticas, mas, ia reunindo argumentos consistentes, mostrando, por exemplo, as estatísticas sobre a incidência do câncer pulmonar e as quantias enormes que o governo dispendia para ampliar cada vez mais o tratamento oncológico. Depois, foram surgindo as ideias, os projetos, as sugestões do senador Lourival Baptista para que se restringisse  a livre comercialização dos cigarros, cujo marketing sofisticado associava o hábito de fumar ao sucesso na vida, ao charme, ao prestigio social, e até mesmo à sedução que exerceria o fumante  na vida amorosa, sendo homem ou mulher, e principalmente jovem, uma parcela da sociedade para à qual se voltavam a inteligência e criatividade das grandes agências de publicidade. Em torno da indústria do fumo movia-se uma variada engrenagem de interesses, e muita grana, desde o plantio, passando pelo seu tratamento primário, chegando ao processo de fabricação do cigarro, à venda e ao marketing. Lourival começou a intensificar a informação de que num cigarro havia uma infinidade de produtos além da nicotina, drogas químicas para criar sabores, odores, e também gerar dependência no fumante, provocar deliberadamente o vício, procedimento semelhante ao crime cometido por quem fabrica a pasta da coca ou o crack.

Num lado e outro das carteiras tornaram-se obrigatórias as advertências, às vezes até assustadoras, e, progressivamente, chegou-se, à proibição de fumar em público, em recintos fechados, inclusive bares, que logo criaram espaços próprios para fumantes. Nos aviões os fumantes que já estavam confinados na parte traseira, foram proibidos completamente de fumar.

O passo mais difícil foi à proibição da propaganda de cigarros em toda a mídia, que, aliás, tinha a Souza & Cruz na relação dos principais anunciantes.

Nenhum país conseguiu tanto sucesso no combate ao fumo como o Brasil. Na Europa, nos Estados Unidos, na nossa vizinha Argentina, continua-se fumando muito, ou até exageradamente, como no caso da Rússia. Os chineses também fumam muito.

No Brasil os fumantes hoje andam em torno apenas dos quinze por cento. E a tendência é a diminuição dessa cifra, porque o habito de fumar tornou-se antipático, incômodo, e mesmo antissocial.

O ato de fumar dissociou-se do charme, tornou-se uma deselegância, quase, em alguns casos, uma grosseria desrespeitosa. O cigarro não tem mais aquela aura de sedução em suaves mãos femininas.   Aquele contemplar a dois, das sopradas colunas de fumaça subindo, na penumbra das boates, é coisa de uma geração que se foi ou já se vai.

Estabeleceu-se também a barreira mais forte que é o preço do cigarro, cada vez mais elevado pela incidência dos impostos. Entre os itens que compõem a receita do governo  a fatia do imposto que incide sobre o fumo ainda é expressiva.

Agora a Souza & Cruz está sendo pesadamente afetada pelo contrabando de cigarros produzidos no Paraguai, inclusive por empresas fumageiras menores, que operavam no Brasil e se transferiram para o paraíso fiscal paraguaio, e mandam para aqui seus cigarros, mais letais ainda e a precinhos compatíveis com os bolsos sem recheio.

Parece que existe uma soma de interesses entre a quase monopolista cigarreira e setores do governo, que sugerem de forma esdrúxula a redução de impostos sobre os cigarros da Souza & Cruz, para que seus venenos tenham preços menores e vençam a desleal concorrência dos paraguaios. Assim, o governo arrecadaria mais.

Esqueceram de calcular quando custa para os cofres públicos o tratamento das vitimas do cigarro a baixo preço, e a realimentação de um vício que  está em trajetória de  queda.

Estão jogando fumaça na cara dos brasileiros, tanto no caso do cigarro, como em muitos outros. 

 

 

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