Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa | Jornalista
A “velhinha” de Chorrochó e a reforma da Previdência
11/03/2017
A “velhinha” de Chorrochó e a reforma da Previdência

Chorrochó fica no ressequido nordeste baiano, lá ainda restam, intactas, grandes áreas cobertas de caatinga. Ao lado da estrada asfaltada que leva à sede municipal, são vistos nos largos meses de estio, exímios equilibristas de cascos lisos, famintos, e olimpicamente escalando a galharia dos umbuzeiros. Estão à cata dos umbús que matam a fome e saciam a sede. São bodes e cabras, o rebanho farto daqueles sertões.


Num abafado novembro, o escritor sertanejo Alcino Alves Costa, já atormentado pela doença que o matou, acompanhado deste escrevinhador curioso, cumpria, na sede do município, um roteiro para ele estafante, tentando fazer contato com pessoas próximas aos 90 anos, em busca de memorias sobre eventos do cangaço, tema que o fascinou por toda a vida. Queria, perquirindo fontes diversas, fazer um cruzamento de informações sobre episódios que lhe suscitavam dúvidas.


Passavam pessoas vindas da feira e Alcino indagava, sem sucesso, se conheciam gente de mais de 80, com as quais pudesse conversar.  Aproximou-se, então, um homem que, cerimonioso, tirou o chapéu de couro da cabeça e perguntou-nos com uma mansidão que aliviava: - os senhores estão procurando gente velha para conversar, não é? Ouvindo a confirmação, disse: - minha mãe é velha e eu acho que poderia ajudar, soube que vocês querem saber coisas de Lampião. Pelo caminho foi fazendo perguntas para saber de onde vínhamos. Cruzávamos a praça principal e ele apontou para uma residência, informando: - ali é a casa da família do Dr. João Eloi, vocês devem conhecer ele, é gente grande em Sergipe. O delegado Elói era então Secretário de Segurança. O escrevinhador, fingindo aborrecimento, disse: eu não o conheço, mas não gosto nem de ouvir  falar nele. O homem mudou de feição, tornou-se ríspido, e disse: - se o senhor não gosta dele, também não gosta da família.  Não sei como não se gosta de gente de bem.  Aliviado o clima, com as explicações de que tudo não passara de uma brincadeira, uma espécie de teste sobre a popularidade de João Elói na sua própria terra, o homem abriu um largo riso e voltou a demonstrar toda a solicitude do início. A senhora idosa foi encontrada. Não era trôpega, mas caminhava com a lentidão que denuncia idade avançada. O rosto, recoberto de manchas e rugosidades, era a máscara do tempo esculpida com o rigor desapiedado do sol, da secura dos ares que exauriam e da miséria que completava as adversidades do meio.


Quando perguntada se sabia contar alguma coisa sobre a passagem dos cangaceiros por aquelas paragens, a senhora respondeu: - “vige moço, eu nasci muito depois que Lampião morreu, e nem meu pai nem minha mãe lembravam de nada”.


Estávamos em 2007. Lampião, como se sabe, foi morto em 1938. Aquela senhora aparentava algo em torno de 80 a 85 anos, assim, teria entre 10 a 15 anos quando ocorreu a morte do cangaceiro. Mas ela, no eito do cabo da enxada, na exposição ao sol, nas condições de vida que enfrentou, completaria 65 naquele dezembro e parecia com 20 anos a mais. Nós, o escrevinhador e Alcino, éramos mais velhos, e a enxergávamos como se tivesse idade para ser nossa mãe.


Para os que são pobres e expostos às inclemências do meio onde sacrificadamente vivem, o tempo passa devagarinho, mas os seus efeitos, ao contrário, são rapidamente devastadores.


Aposentada pelo FUNRURAL, em torno do mínimo que recebia, gravitava, para sobreviver, uma família composta por filhos e filhas desempregados, que lhe haviam dado oito netos.


O Ministro da Fazenda cogita, tão somente, em garantir o superávit fiscal, âncora tranquilizadora do sistema financeiro, e enxerga no FUNRURAL (criado no bojo de uma ditadura para arrefecer as tensões sociais no campo) uma torneira aberta de gastos que agravam o déficit da previdência e que precisam ser contidos.


Se consumarem a ignomínia desumana, aquela “velhinha” de Chorrochó não terá comida para sustentar filhos e netos que estarão desempregados. Poderão virar assaltantes, explodindo agências desses grandes bancos, plenamente garantidos pelo superávit fiscal, sempre maior, depois de “saneada” a Previdência.

O SERTÃO PERDE ORLANDINHO

Não era à toa que o povo do sertão gostava tanto de Orlandinho. Seu carisma resultava da simplicidade, da forma despojadamente franca como se comunicava com as pessoas, do afeto amistoso que transmitia logo no primeiro contato que tinha com alguém, fosse autoridade importante, ou gente pobre, esquecida lá pelos ermos das caatingas que ele costumava cruzar com frequência, indo ouvir gente, fazer amigos, cativar com gestos e demonstrações de solidariedade. Orlandinho falava a mesma língua. Aos pobres aparecia como um igual, aos poderosos surgia como um político despojado de cerimonias e vaidades, que se expressava de modo curioso e com um especial senso de humor. Dessa forma conquistava apoios, tanto dos que poderiam votar nele, como entre aqueles, em Aracaju ou Brasília, dos quais precisava, para suprir as necessidades enormes do seu município.

O Prefeito Orlando Porto de Andrade, Orlandinho, será insubstituível em Canindé, fará muita falta ao sertão. Sergipe perde um político que tinha a marca sincera da cordialidade e era efetivamente devotado ao seu povo.

Em Aracaju a Missa de Sétimo Dia será celebrada nessa segunda, às dezenove horas, na igreja Jesus Ressuscitado.

ANDRÉ E JACKSON, UM ENCONTRO POR SERGIPE

O deputado André Moura, afastado da liderança do governo na Câmara, não perdeu poder, embora ocupando um cargo de líder do governo no Congresso, que institucionalmente nem existe. Mas como ele tem inegável apoio no grupo do “centrão” e Eduardo Cunha mesmo na cadeia continua desenvoltamente mexendo os seus cordéis, André não poderia, depois do embate vencido por Rodrigo Maia, ter sido simplesmente ignorado por Temer, em vias de sofrer um revés na aprovação, como ele deseja, da reforma da Previdência. André, além do mais, ocupa lugares importantes em várias comissões da Câmara.

Recentemente, André acenou com a possibilidade de uma aproximação institucional com o governador Jackson Barreto, superando as mágoas e os efeitos cáusticos de ofensas trocadas de parte a parte. Quando a política descamba do seu campo específico para o terreno da agressão pessoal, tudo de ruim acontece, não só para os contendores, bem pior para a sociedade. Tanto André como Jackson compreenderam o desgaste a que se expunham, caso imitassem o senador Valadares, colocando raiva no discurso. Política, já ensinava Marcelo Déda, não se faz com o fígado, se faz com o coração. Por coração, Déda entendia o sentimento virtuoso de responsabilidade pública. Aqui, acrescentaríamos: nesse sentido, coração pode também ser sinônimo de um bom pragmatismo. André sabe que Jackson tem bases sólidas no PMDB e que não interessa ao presidente Temer um confronto entre um líder no Congresso e um governador de estado, peemedebista histórico. Daí, entendeu que não deveria reeditar o episódio vivido com o agora presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que desagradou a Temer e mais ainda ao influente Ministro Moreira Franco, sogro de Maia, quase lhe custando uma boa parte do prestigio que desfruta no plano federal.

Jackson aproveita a oportunidade favorável, construída também por amigos comuns, como é o caso do vice-governador e chefe da Casa Civil, Belivaldo Chagas, muito amigo do Conselheiro aposentado Reinaldo Moura, pai de André, com quem JB admite que efetivamente precisa acertar os ponteiros, para evitar prejuízos a Sergipe. Na conversa com André, desarmará a odiosidade e substituirá um impossível gesto de amizade pessoal verdadeira por um possível elo de união voltado para Sergipe. Assim, ganham André, Jackson e, mais ainda, ganhará Sergipe. Isso se chama Política, assim mesmo, com P maiúsculo.

O VETERANO SENADOR E O ESTREANTE DEPUTADO

Não é a idade que nos torna velhos, são as ideias e os comportamentos, entre eles, vaidades excessivas e culto à própria imagem, fatores que nos fossilizam, nos tornam rançosos, ao invés de inteligentes e renovados. Valadares, o senador, sempre teve rara capacidade de renovar-se,  readaptando-se ao rumo das circunstancias, daí, o seu êxito, sua longevidade política. Tinha a capacidade de dialogar, conviver, e até transigir. Com isso, nunca criou inimigos, a não ser no episódio traumático do rompimento com Jackson em 1988. Refez as amizades, procurou curar feridas. O revés recente da derrota do filho candidato a prefeito de Aracaju gerou em Valadares, talvez, um sentimento torturante de que começava um declínio, aliás inevitável a todos os políticos. E isso lhe fez adotar um comportamento agressivo que antes nunca tivera, e que absolutamente não é a sua característica, nem lhe faz somar pontos de popularidade. Na segunda-feira dia 6, o senador Valadares e o jovem deputado estreante em Brasília, Joni Marcos, se empenharam num acalorado debate no programa de Gilmar Carvalho. Superado pela frieza e hábil argumentação do deputado, que o desconcertou mais ainda ao dizer que quando nasceu, ele já era Senador, Valadares perdeu o controle. Fez o que o hábil politico que sempre foi jamais faria: ofendeu muita gente, inclusive a Evangélicos e Umbandistas.

Ao final, contudo, fez o gesto que o redimirá, se transformado em prática. Reconheceu que bate boca não constrói, que os problemas graves que Sergipe enfrenta não serão vencidos sem união política. Valadares, se não pediu desculpas a Joni, acenou, com uma recuperada elegância, para o apaziguamento e a união por Sergipe. O senador se reencontrará, assim, com a sua face conciliadora e sensata. Depois do gesto feito por André no sentido de substituir a conflagração pelo diálogo, logo aceito por Jackson, que esperava por isso, a posição de Valadares tornou-se delicada.

Nisso, o deputado Joni Marcos poderá ter prestado um serviço a Sergipe, contribuindo, com o desfecho do debate, para que o senador refizesse a rota tempestuosa e apontasse a bússola para um norte de serenidade. O primeiro gesto a confirmar o novo rumo seria a aceitação do rodízio na Coordenação da bancada sergipana, porque não há como contestar uma decisão majoritária. Se insistir, o senador ficaria como a criança chorando porque lhe tiraram da boca a chupetinha que o distraía. O senador, sem sentir-se afrontado ou humilhado, muito menos derrotado, poderá ter, como sempre teve, uma excelente atuação no preparo do orçamento e na construção consensual das emendas de bancada. Quanto às suas preocupações relativas ao próximo ano, ainda há muitas luas a serem assinaladas no calendário, cujo virar de folhas não se faz ao ritmo das ansiedades. O deputado Laércio Oliveira indicado novo Coordenador, repete, insistentemente, que não quer disputa nem desentendimento, quer apenas compreensão e diálogo.

EM TEMPO: Depois de redigida esta nota, na manhã do dia 10, numa entrevista ao radialista George Magalhães na Fan-Fm, o senador soltou desastradamente a língua. Investiu contra o Prefeito Edvaldo Nogueira, chamando-o deselegantemente de Edvaldo “Nojeira”. Custa a crer que um experiente Senador da República tenha agido dessa forma. A ofensa revela, além de destempero, também uma dose de amnésia ou ingratidão, pois Edvaldo continua sendo a mesma pessoa que dele recebia largos elogios, quando apoiava a primeira candidatura frustrada de Valadares Filho à Prefeitura de Aracaju. No mundo do Senador, que infelizmente continua girando em torno do umbigo, Edvaldo Nogueira tornou-se “nojeira” quando, no ano passado, foi escolhido para ser candidato e venceu a eleição.

QUANDO O DR. CEILÃO FOI INTERVENTOR NO BANESE

Quando FHC queria por que queria privatizar todas as empresas estatais, principalmente as financeiras, uma exigência do FMI, que monitorava de bem perto o endividado e dependente governo brasileiro, Albano, então governador, teve uma amena conversa com o Ministro Malan, da Fazenda, discorrendo sobre sua disposição para privatizar a empresa de distribuição de energia. As amenidades sumiram quando o governador disse ao ministro que não desejava incluir o BANESE no pacote. Malan fez algumas veladas advertências sobre o relacionamento de Sergipe com o Governo Federal, caso não se fizesse a privatização do BANESE, e sugeriu que um funcionário do Banco Central fosse fazer uma espécie de auditoria no banco, mas, na condição de presidente. Veio a Aracaju um burocrata: era o Dr. Ceilão.

O homem, com nome assim geográfico, tornou-se uma espécie de Rei do Ceilão, sentou-se numa cadeira transformada em trono, numa sala isolada do mundo. Cortava despesas, suprimia serviços, acabou a publicidade, entendendo-a como desnecessária. O banco economizou, mas despencou no mercado. Houve forte reação entre os empresários, e o Dr. Ceilão desceu do trono e foi-se embora. Interventores iguais foram colocados em outros bancos, como o de Alagoas, o da Paraíba, e logo os deixaram inoperantes, desvalorizados, prontos para a venda num negócio de cartas marcadas. Os interventores do Banco Central eram formuladores de políticas monetárias, nada entendiam de bancos comerciais. Mas cumpriram a missão que interessava ao grande conglomerado financeiro em formação, que hoje dominando o mercado e sem concorrência, faz o que bem entende e dita a politica macroeconômica.

96 ANOS DE UM CIDADÃO EXEMPLO

Mesmo em tempos caracterizados pelo aumento da longevidade, um aniversário de 96 anos, completados por um cidadão que permanece lúcido, sobretudo prestante, socialmente útil, é fato sim a ser, além de festejado, apontado como exemplo, que precisa ser conhecido e largamente imitado. O sólido nonagenário é Carlos Sattler, Carlito, como é mais conhecido pela legião de amigos. Sendo talvez o mais antigo obreiro maçônico no país, Carlito não perde sessão, nunca deixa de ter participação ativa. É mais antigo em idade, adverte seu velho companheiro José Francisco da Rocha, Dr. Rochinha, que tem apenas noventa anos, mas entrou mais cedo na Loja Cotinguiba, para a qual conduziu Carlito. Quem deixa exemplos de vida tão dignificantes como Carlito, merece muito mais do que um pequeno bolo adornado com 96 velinhas. Merece o respeito, o reconhecimento e o agradecimento dos sergipanos.

DA ALFABETIZAÇÃO À LITERATURA

A Loja Maçônica Cotinguiba destacou-se desde os seus primórdios no empenho para livrar Sergipe do obscurantismo. Combater o analfabetismo foi uma das suas metas. Hoje o mais grave problema é o analfabetismo funcional, como reconhece o Secretário da Educação, professor Jorge Carvalho, empenhado em instalar até o final do próximo ano 36 escolas em tempo integral. O analfabeto funcional é a prova mais deplorável do insucesso da Escola. Eles leem mal e não interpretam o texto.

Estão condenados a não ultrapassar a faixa que delimita o alienado do cidadão, porque, também, como numa espécie de anestesia acrítica, são incapazes de fazer uma avaliação do mundo que os insira na realidade. Para vencer a barreira do ensino ineficaz, a Loja Maçônica Cotinguiba desenvolve um programa de estimulo à leitura e à escrita. Domingos Pascoal, maçom e militante cultural, acadêmico, coordena a publicação das Antologias de Conto e Poesia agora no terceiro número. Percorreu Sergipe, descobrindo escritores, estimulando pessoas a exercitarem a escrita e a imaginação. O resultado visível desse trabalho é o lançamento no próximo sábado, dia 18, da Antologia de numero três. O evento será na Loja Maçônica Cotinguiba, na rua Santo Amaro, 171, a partir das quinze horas. O Venerável Ibrahim Salim, e todos os obreiros, estão convidando os intelectuais, as academias, as autoridades, a todos os que se interessam pelas letras, a comparecerem ao lançamento.

A CRISE HÍDRICA SÓ NO COMEÇO

Essa estiagem que já chega ao sexto ano, que faz de Sergipe agora uma manchinha pequena, fora das previsões de chuva, é algo que não parece apenas episódico. Estaríamos vivendo o início de um grave sintoma da crise hídrica que se tornará mais intensa. Diante desse quadro, o ex-deputado José Carlos Machado, político que se caracterizou no desempenho dos mandatos pela insistência em Pensar Sergipe, entende, como urgente, a elaboração de um projeto para as transformações que ocorrerão na medida em que as chuvas se tornarem cada vez mais escassas. É tarefa, diz Machado, tão séria que não pode ficar restrita ao âmbito dos políticos. Terá de ser uma meta da sociedade e, para isso, será indispensável a participação de pensadores, técnicos, cientistas sociais e dos que lidam com as ciências do tempo, da terra, da vida.

DONA GINA, CEM ANOS

Dona Gina era um nome que se pronunciava com respeito. Mãe, esposa, ela não se limitava às tarefas do lar, como no seu tempo, na sua juventude, se definiam as atribuições da mulher. Sem ser militante de causas feministas, mas uma discreta religiosa e cidadã que se preocupava com o próximo, com os que sofriam, ela foi a inspiração para tantas obras sociais patrocinadas sem alarde pelo seu marido Augusto Franco. Seus filhos, seus netos, bisnetos, familiares, amigos, assinalaram o seu centenário com uma Missa celebrada na igrejinha que ela frequentava todos os dias, a Nossa Senhora Auxiliadora. Dona Maria Virginia Leite Franco, nome que ainda não consta em uma das nossas avenidas.

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