Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa | Jornalista
A TERCEIRA GUERRA COM A FRANÇA
06/09/2019
A TERCEIRA GUERRA COM A FRANÇA

(Jânio Quadros)

(Alguns personagens das três guerras)

(João Goulart)

(General Gaulle)

(Brigitte e Macron)

(Bolsonaro)

Em Paris, na rua de Rivoli  ao lado do parque das Tulherias, fica o Palais Royal. É magnifico e  austero.  Nas suas dependências foram vividos dramáticos episódios da  fascinante história da França. Na longa e sólida parede do palácio há reentrâncias onde existem estátuas de grandes personagens francesas, e numa delas está o almirante Nicolás Durand de Villegaignon.


Em 1555 ele desembarcou numa ilha na  baía de Guanabara que os índios chamavam Serzipe, ou Serigipe, com seus quase 300 hugenotes que fugiam da perseguição religiosa em seu país, e ali instalou-se, dizendo que estava criada no novo mundo a França Antártica. Durou doze anos a limitada conquista, até que Estácio de Sá, sobrinho do governador – geral Mem de Sá, juntando-se à uma tribo inimiga daquela que aliara-se aos franceses, os levou a exaustão e derrota. Antes, do outro lado da baía, Estácio de Sá fez a sua base, e ao povoado nascente deu o nome de Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Os franceses depuseram armas e lhes foi permitido retornar à França.  A ilha  que seria o embrião da conquista pretendida, homenageou o almirante ganhando o nome de Ilha de Villegaignon.

Menos de meio século transcorrido, os franceses retornam, dessa vez para se instalarem mais ao norte, bem próximo ao Equador, por isso, deram à nova terra o nome de França Equinocial. Dessa vez o comandante da expedição conquistadora era um navegante pirata, Daniel de La Touche. A permanência dos franceses  foi mais curta ainda. Três anos depois, derrotados na batalha de Guaxenduba, eles deram forçoso adeus às ambições de conquista,  mas,  deixaram numa ilha a cidade  de São Luiz do Maranhão, fundada em homenagem ao rei de França.  Na Prefeitura de São Luiz existe um busto do conquistador frustrado La Touche. Dizem os maranhenses que o  vasto bigode bem ressaltado no rosto de pedra, inspirou Sarney a cultivar o seu, igualmente vistoso e lustroso com tanta tinta preta.

Essas duas pequenas guerras não podem ser consideradas  obras brasileiras, porque  conduzidas pelos portugueses, mas foram reais, levadas a efeito com lanças, espadas, arcabuzes e canhões, e as flechas dos índios, nativos guerreiros.

Trezentos anos transcorridos , surgiria a primeira guerra, ou episódio inicial de uma desgraciosa farsa. em três atos bizarros.


Eleito presidente, o populista Jânio Quadros imaginava-se como salvador da pátria, mas, destituído de poderes para dar suas prometidas vassouradas moralizadoras. Proibiu o biquine, as brigas de galo, e planejou invadir a Guiana francesa sob o pretexto de que pelo porto de Caiena saiam os minérios brasileiros contrabandeados, principalmente o valioso manganês do Amapá. Designou o coronel Moura Cavalcanti para governar o território, e numa conversa reservadíssima, explicou o que pretendia fazer, e pediu-lhe que começasse a abrir as picadas para a marcha da tropa brasileira. Seria uma incompleta divisão de infantaria com 2 500 homens, aviões bombardeiros que seriam baseados em Macapá e Boa Vista, e a Marinha atacaria posições no litoral  e faria o bloqueio do porto de Caiena.

Jânio, entre múltiplas doses de uísque, imaginava que a França  com 400 mil soldados combatendo na Argélia, os terroristas de extrema direita da OAS, promovendo ataques no território francês, inclusive contra o próprio presidente general de Gaulle, e a dor da derrota de Dien Bien Phu, na Indochina (Vietnam), nem teria mais animo para atravessar o Atlântico, e vir recuperar a colônia sul americana. Nem imaginou,  que a esquadra francesa era a quarta mais poderosa do mundo, e viria, transportando fuzileiros navais e mais um porta-aviões, com jatos de última geração.

Com mais alguns uísques Jânio Quadros renunciou antes de começar sua aventura guerreira.

O segundo episódio ficou conhecido como a “Guerra da Lagosta".  No litoral cearense pequenos barcos dedicavam-se a uma atividade altamente lucrativa: a captura da lagosta. Começaram a chegar barcos franceses maiores, dotados de câmaras frigorificas e com mais aperfeiçoados métodos de pesca. A Marinha brasileira capturou alguns desses barcos, a França deslocou dois cruzadores para o litoral nordestino, e isso se transformou num “casus belli “, ou seja, motivo suficiente para a guerra, isso pelo menos numa parte açodada da imprensa brasileira, e setores da esquerda enxergando uma agressão à soberania nacional. Um almirante chegou a dizer, como se estivesse a comandar ainda a esquadra imperial, que os nossos “vasos de guerra já estavam com seus fogos acesos”.

O presidente João Goulart, que inicialmente aproveitou o episódio para alavancar sua popularidade, viu que a coisa estava indo longe demais, sabia muito bem qual a têmpera do homem que governava a França, Charles De Gaulle, e providenciou os “panos quentes” diplomáticos.

A crise acabou e dela sobrou a frase equivocadamente atribuída a De Gaulle: “Le Brésil n`est pas un pays sérieux". O Brasil não é um país sério.

O primeiro presidente da ditadura militar – civil, o marechal Castello Branco, era um francófilo, apreciava a literatura francesa, lia os seus clássicos. Buscou, então, refazer os laços com Paris, que sempre foram fortes, e estavam fragmentados desde a Guerra da Lagosta. 

Precisava também explicar aos franceses e europeus em geral, o que pretendia de fato o regime militar.  Convidou o inquieto jornalista e político Carlos Lacerda que governava o estado da Guanabara, e falava fluentemente  francês e inglês, para que ele fosse explicar a natureza do regime na Europa, começando por Paris. Ao desembarcar no aeroporto de Orly, havia uns vinte repórteres de jornais, TVs e rádios  a aguardá-lo. A primeira pergunta foi: “Governador Carlos Lacerda o senhor foi um destacado integrante do Partido Comunista Brasileiro, e hoje vem aqui a serviço de um governo militar de extrema direita, como explica seu gesto".

Escandindo lentamente as frases em francês, Lacerda respondeu: “De fato eu fui comunista, mas, nem tanto quanto o senhor André Malraux, Ministro da Cultura do governo do general De Gaulle, pelo que sei um governo de direita”.

Acabou ali a missão diplomática. 

Meses depois, Castello nomeia  para a Embaixada em Paris o politico mineiro Bilac Pinto,  jurista e intelectual renomado. Habilidoso, Bilac refez primorosamente os laços, e levou ao general De Gaulle o convite de Castello para ele visitar o Brasil.

O “Grand Charles" em Brasília, com sua imponência aos dois metros e quatro de altura, ao lado de Castelo Branco, que tinha parcos um e sessenta, alimentaram a verve criativa dos chargistas. Mas os dois  se identificaram como ex-combatentes  da Segunda Grande Guerra que chefiavam os seus países. O terceiro foi o general  Eisenhower, comandante das tropas aliadas na Europa, que se tornou presidente dos Estados Unidos.

Nessa “ terceira guerra” não escapou nem Brigitte a discreta culta e elegante esposa do presidente Macron.

Sabe-se, porém, que   em Colombey les deux Églises,  visitantes do venerado túmulo onde estão os ossos de De Gaulle, e da sua esposa Yvonne, chegaram a identificar a fala fantasmagórica do general a repetir:  “Maintenant  je dis: vraiment, le Brésil n`est pas um pays serieux” Agora eu digo: verdadeiramente o Brasil não é um país sério”.

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