(General Heleno, uma voz sensata)
Depois de 64, daquela tragédia do Ato Institucional nº 5, que dia 13 fez meio século, da barbaridade do assassinato de Vladmir Herzog, e de tantos outros brasileiros honrados, decentes, vitimados pela intolerância sem freios, depois da vista perdida para sempre de um Milton Coelho, aqui bem perto da gente, é claro, é obvio, que restariam ressentimentos, enquanto não fossem minuciosamente esclarecidos aqueles episódios tétricos. Veio a redemocratização, feita, é bom que se reconheça, sob a batuta dos próprios militares, a partir de Geisel, depois, por Figueiredo, que até disse naquele seu estilo rompante: ¨Vamos abrir mesmo, e quem for contra eu prendo e arrebento¨.
Mas, as vezes, ele também dizia: ¨Assim eu chamo o Pires¨. Valter Pires era o Ministro do Exército, com fama de ¨linha dura¨, mas que não era nenhum Sílvio Frota, querendo fazer frente a Geisel. Colega de turma de Figueiredo, ele só fazia mesmo o que o chefe mandava.
Figueiredo saiu pelos fundos para não ter de cumprimentar Sarney, ele imaginara transmitir a faixa para Tancredo. O general Leônidas, Ministro do Exército, garantiu a transição, segurou os inquietos que queriam contestar a posse de Sarney, e deu o aval militar à democracia sendo iniciada na plenitude.
Após 85, institucionalmente, os militares permaneceram tendo o espaço que lhes era reservado, e Lula, é imprescindível reconhecer, na sua ânsia de dar protagonismo internacional ao Brasil , à custa até de equívocos, deu um papel de relevância aos militares nas missões internacionais que o Brasil assumiu, e foi em direção aos propósitos de reaparelhamento e modernização das forças armadas.
Dilma ao que se sabe, não tratou com a devida consideração o general Elito, seu Ministro, um sergipano do melhor quilate, aliás, ela não teve a devida consideração com ninguém, daí, a sua inevitável queda. No episódio, uma conspiração exclusiva do mundo civil, por sinal com personagens sebosos, e ações solertes. (O vice Temer era o maior interessado, e o seu parceiro, Eduardo Cunha, o presidente da Câmara Federal). Do tumulto das ruas e do terremoto institucional os militares ficaram distantes, e cumpriram discretamente o seu papel.
A dissolução da imagem dos políticos, e o descrédito na politica tradicional, além do forte sentimento antipetista descambando para posições extremadas, fez surgir o capitão Bolsonaro, que encarnou a virtude das organizações militares, a salvo da ferrugem aética que corroeu a vida publica. Apesar de ser deputado em sete sucessivos mandatos, Bolsonaro parecia surfar sem manchas no mar das ¨facilidades¨ da politica, uma impressão que agora começa a se desfazer, o que todavia, de repente, não inviabilizará o seu governo.
Em todos os episódios conturbados da politica brasileira os militares tiveram participação. Nas revoluções dos anos vinte dividiram-se entre revolucionários e legalistas, fizeram a revolução de 30, e levaram ao governo um civil, Getúlio, que se tornou ditador, rodeado pelos tenentes, aos quais rapidamente foi promovendo a capitães, majores, coronéis e generais. Derrubaram Getúlio e chamaram o presidente do Supremo, Jose Linhares para a transição até o pleito que deu a vitória a um general, Eurico Dutra, que derrotou um brigadeiro, Eduardo Gomes.
Em todos os episódios onde os ânimos políticos se exacerbavam, havia sempre civis batendo às portas dos quarteis. Muitos se especializaram nessa insensata tarefa. Humberto de Alencar Castelo Branco, o primeiro dos cinco generais do ciclo militar, ou ditadura, chamou de ¨vivandeiras¨ os políticos de portas de quartel. Eles não foram ao dicionário, e se o fizeram, nem se sentiram ofendidos, por terem mesmo a vocação de sabujos. Vivandeiras, no jargão militar, são aquelas mulheres, prostitutas, quase todas, que acompanhavam as tropas nos seus deslocamentos, isso, quando eles eram feitos a pé, os soldados marchando, e trotando a cavalo, os oficiais.
Se quiserem mesmo dar nome exato ao regime que houve no país entre 1964 a 1985, o mais adequado seria denominá-lo ditadura civil-militar. Quem redigiu o nefando Ato Institucional nº 5? O jurista Gama e Silva.
Quem comandou a censura à imprensa e não queria que ela terminasse? Um pseudo jurista, o politico Armando Falcão, caráter duvidoso, adulou tanto Juscelino, que dele recebeu um rendoso cartório no Rio de Janeiro, e ficou quieto e calado quando JK, senador, foi injustamente cassado por Castelo Branco, que também dele foi beneficiado com as estrelas de general, tudo para atender as ambições de um outro civil, Carlos Lacerda, que queria tirar JK do seu caminho, e ser candidato a presidente, sem ter concorrentes, em 1965. Depois que puxa-sacos civis prorrogaram o mandato de Castelo, Lacerda, frustrado e raivoso, quando ainda não havia censura, pelo menos no Rio e São Paulo, fez um artigo a que deu o titulo: ¨O Anjo da Rua Conde Lage¨. Era uma alusão clara ao presidente Castelo, e à rua onde ficava o puteiro carioca.
Leonel Brizola, politico pessoalmente honrado, líder respeitado da esquerda nacionalista, tornou-se amigo do presidente Figueiredo, que havia dito não saber se iria apertar a sua mão, quando ele foi eleito governador do Rio. Brizola, tornando-se conviva dos churrascos na Granja do Torto, fez tudo o que foi possível para que o general Figueiredo aceitasse a prorrogação do seu mandato, isso, quando as ¨Diretas Jᨠenchiam as ruas.
Assim, somente aos militares não deveria caber o ônus pelo regime que teve acertos, mas o erro intrínseco e incurável de ter sido uma ditadura.
Sarney, fez parte ativa da ditadura, Antônio Carlos Magalhães foi um dos seus maiores estimuladores. Os dois, maiores beneficiários do regime autoritário, se tornaram heróis populares, quando aderiram a Tancredo, que, aliás, na sua sempre discreta e sóbria forma de proceder, fez oposição ao regime, sem contudo deixar de dialogar com os seus líderes militares.
Não é fácil fazer a Historia isenta, quando ainda restam após tanto tempo, ressentimentos, ódios, e posições inflexíveis em torno de alguns episódios. Não se poderá pedir à viúva do jornalista Herzog, aos seus filhos, para que aceitem a versão de suicídio; não se poderia ter dito à viúva de Rubens Paiva, (ela morreu agora) esperando convencê-la, e aos seus filhos, que o deputado foi morto atropelado, ao fugir dos militares que o levavam preso.
Da mesma forma não se poderá convencer aos pais do soldado Mário Kozel Filho, que ele não foi morto por assassinos, mas por jovens guerrilheiros, idealistas e libertadores. Foram, sem duvidas, menos cruéis do que frios torturadores de indefesos, mas, não deixam de ser assassinos.
O pior exatamente que se poderia fazer, e aliás já se fez, foi reabrir as feridas, refazer divergências, e estimular o odiosidade.
Já faz meio século, tempo de esquecer. Sem ressentimentos, é preciso garantir aos brasileiros o direito à liberdade, à divergência, à contestação, e que sejam motivados a juntarem as mãos quando for possível, sem imposições ou medo, e somarem-se por um projeto de Brasil includente, livre de preconceitos e extremismos, que nos abra caminho para cumprir o destino de ser um grande país.
Nesse sentido, esses militares que chegam, se forem assim como o general Heleno, e rodearem o capitão para que ele , na condição de presidente a partir de janeiro, modere o discurso, pelo nobre objetivo da pacificação nacional, abandone completamente o seu ego, e ponha freio no ego dos seus filhos, nem dê ouvido a radicalismos. Se assim o fizerem, certamente não estarão banindo os políticos, mas, praticando a política, e transmitindo a todos eles um bom exemplo, e até ajudando para que se refaça a confiança na politica, que é necessária, imprescindível e insubstituível.