A procuradora Eunice Dantas se destaca por não hesitar em fazer as representações que considera pertinentes ao exercício pleno do seu cargo. Tem se envolvido em questões espinhosas, como o caso da denúncia contra dezoito representantes do povo na Assembleia Legislativa de Sergipe. Foi, sem dúvidas, o episódio mais constrangedor envolvendo políticos em toda a história sergipana, com proporções bem maiores do que um outro caso envolvendo políticos e gestores públicos, que ficou conhecido pelo nome de batismo que a Polícia Federal lhe deu: ¨Operação Navalha¨. Tanto num episódio, como no outro, todos os envolvidos resultaram absolvidos, por falta de provas, ou procedimentos entendidos por desembargadores federais como efetuados de forma ilegal no decorrer da investigação, mas, que haviam sido aceitos pelo STJ. Isso no caso da Operação Navalha.
Agora, a Procuradora Federal Eunice Dantas provoca algo próximo a um terremoto político, ao pedir, na Justiça Eleitoral a cassação da chapa vencedora de Belivaldo Chagas e Eliane Aquino. A questão deverá ser analisada pelo colegiado do Tribunal Regional Eleitoral, e centraliza, hoje, as atenções do mundo político. A procuradora foi bastante comedida na ação que moveu, onde não tipifica crimes, mas argumenta no sentido de demonstrar que a presença da máquina do Estado poderia ter influenciado no resultado da eleição, e assim, pede a cassação da chapa, o que nos levaria, se vier a ocorrer, a uma outra eleição, com todas as despesas e atribulações que isso implicaria, indo para o lixo a vontade expressa na manifestação popular, no caso, uma vitória que poderia ser classificada parodiando toscamente o nosso Hino, como retumbante.
Aqui, a argumentação desenvolvida pela Doutora Eunice Dantas, nos remete ao cerne da questão, que é o complexo e ao mesmo tempo frágil arcabouço da legislação eleitoral, quando aplicada aos casos da reeleição de prefeito, governador e presidente da República. Qualquer um dos titulares desses cargos, ao movimentar-se politicamente, disputando a reeleição, carrega, com ele, todo o aparato da máquina administrativa, porque dela é o titular. Existe um calendário das restrições aplicáveis ao candidato durante a campanha, e também a pré-campanha, que, mesmo sendo rigorosamente obedecida, não isenta o postulante de ficar sujeito às interpretações sobre uso abusivo do poder que dispõe.
O candidato à reeleição, no caso, um governador, continua dotado de plenos poderes para exercer o comando do estado. Terá de adotar ações administrativas, já adredemente planejadas, que estejam inseridas na rotina, ou, adotar outras, até em função de circunstâncias fortuitas. Se houver uma seca, ou uma enchente, ele terá de tomar medidas rápidas de assistência à população, embora correndo o risco de que possam vir a ser entendidas como eleitoreiras.
Se o governador cruzar os braços, e ficar esperando o transcurso do período eleitoral para voltar a governar, poderia ver-se livre da acusação de abuso do poder, mas, terá sido irresponsável, e aí se configuram outros crimes.
Não é fácil o trânsito de um prefeito, governador ou presidente candidatos à reeleição, como também não é cômoda a situação das autoridades encarregadas da fiscalização, para que a equidade no pleito não seja ofendida.
No caso de Belivaldo há o recorde antes não alcançado dos mais de trezentos mil votos de vantagem, o que configura uma situação de apoio popular sem precedentes, que não poderia ter sido conquistado pelo uso de uma máquina estatal, aliás, tão empobrecida e frágil como a sergipana, que é mais um fator limitante, do que uma vantagem a ser desfrutada.
Belivaldo assumiu o governo em abril, quando Jackson renunciou para disputar uma cadeira no Senado. Não tinha sequer a certeza de que se tornaria efetivamente candidato à reeleição. Na primeira sondagem de votos que apareceu, ele tinha desprezíveis quatro por cento, mas havia o alento de uma rejeição diminuta, inferior mesmo aos dois candidatos que lideravam as pesquisas, o senador Eduardo Amorim, e o deputado federal Valadares Filho. Num momento complicado da política nacional, com os políticos pesadamente estigmatizados em decorrência da corrupção e da ineficiência, o momento, dizia-se, seria plenamente favorável à oposição, representada por um nome novo.
O fenômeno do crescimento em proporção geométrica do candidato Belivaldo, está ainda a ser interpretado e entendido, sobretudo, pela sua ascensão rápida, e o derretimento das outras candidaturas, apontadas como favoritas. Houve uma debandada de aliados, que Belivaldo assistiu até com uma certa fleugma, e não se deu ao trabalho de insistentemente tentar evitara fuga, rumo ao que parecia muito mais viável. Parece que ele saiu do espaço da inviabilidade, exatamente porque dedicou -se em tempo integral a governar, e foi revertendo expectativas. Ai, se poderá dizer que a presença no governo o beneficiou, por ter sido a oportunidade que esperaria para demonstrar, em serviço, a sua capacidade de administrar.
Por outro lado, em caso de fracasso administrativo, o aparato do governo lhe teria sido fatal.
Se o ato específico de governar for enquadrado no leque extenso das linhas que, segundo a Legislação eleitoral, não podem ser ultrapassadas, ai então, tanto Belivaldo como qualquer outro candidato à reeleição estariam fritos, sairiam todos como preguiçosos e incompetentes.
Razão porque, o melhor mesmo que se poderia fazer seria acabar com a reeleição, e ampliar o mandato para cinco anos. Políticos e aplicadores da lei, teriam então mais sossego.
Nesse sentido, a ação movida pela procuradora Eunice Dantas, poderá servir como mais um elemento de reflexão sobre a impropriedade, no caso brasileiro, do instituto da reeleição.