Luiz Eduardo Costa
Luiz Eduardo Costa | Jornalista
A BASE MILITAR E A DIPLOMACIA SEM RECATO
12/01/2019
A BASE MILITAR E A DIPLOMACIA SEM RECATO


(Num jipe do Exército Brasileiro, em 1943, os presidentes Roosevelt e Getúlio percorrem a base aérea de Natal. No banco traseiro, ao lado de Getúlio, o Almirante Ingram, comandante das bases americanas do nordeste brasileiro, dá uma gargalhada. Roosevelt perguntou a Getúlio se o jipe suportaria o peso do corpulento oficial da marinha Americana. Roosevelt retornou fascinado por Getúlio Vargas.)

Um presidente da República pode ser jejuno completo ou parcial em relação aos assuntos complexos que envolvem o governo. Para esclarecê-lo sobre temas que não domina, o presidente tem uma numerosa equipe de assessores diretos, além da estrutura dos ministérios e demais órgãos da presidência da República. Todo o governo que começa tem a necessidade de uma fase de adaptação, por mais que antes da posse já tenha procurado conhecer os meandros, sobretudo os detalhes essenciais para a efetiva ocupação do poder.

Trata-se de fazer a acoplagem entre as possibilidades no campo político, a disponibilidade ou indisponibilidades financeiras, e as ações administrativas. Isso se chama a arte do possível, que deveria ser, sempre, a prática virtuosa da política.

Na área das relações internacionais o Brasil, apesar da sua reduzida influencia geopolítica, tem tradicionalmente exercido um protagonismo que destaca o nosso país. Assumimos, sempre, a perseverante defesa das soluções negociadas, o interesse em dirimir conflitos, o não envolvimento nos antagonismos que geram tensões e guerras. Essa atitude credenciou o Brasil a agir como interlocutor, e, por isso, autorizado a integrar as forças de paz, que interrompem ou evitam as matanças em várias partes do mundo.

O Itamaraty, o nosso Ministério das Relações Exteriores, ou a Casa de Rio Branco, mantem uma tradição de eficiência e capacidade resolutiva, e os nossos diplomatas formam uma elite que se faz respeitada internacionalmente, porque o Brasil se caracteriza pelo não envolvimento na conturbada geopolítica das discórdias, ódios, as intolerâncias que dividem o mundo.

A chegada do novo Chanceler, um diplomata com imagem anódina entre seus pares, sinalizou uma forte inflexão nos procedimentos da nossa diplomacia.

Quase simultaneamente, foram anunciadas por fontes oficiais e pelo próprio presidente, que o Brasil iria permitir a instalação de uma base militar dos Estados Unidos em nosso território continental, ao mesmo tempo, ultrapassou-se o limite da prudência onde nos mantemos, quando sinalizou-se a possibilidade de transferir a nossa embaixada de Tel Aviv, para Jerusalém, um dos principais focos das insuperáveis e sangrentas discórdias entre árabes e israelenses.

A diplomacia é a sutil arte de buscar consensos entre dissensos, sem perder o foco nos objetivos nacionais, assim, o pragmatismo é indispensável.

Há, ainda, como ingrediente inseparável da diplomacia o calculo meticuloso das vantagens que possam ser obtidas como consequência de cada decisão.

O Brasil, em toda a sua história republicana, só uma vez, e no mais conturbado momento que vivia o mundo, permitiu a instalação de uma base militar em nosso território.

Getúlio Vargas, um ditador que tendia para o autoritarismo, sem para isso ter clara definição ideológica. Ele, no decorrer da década dos trinta, transitou em meio ao choque entre os Estados Unidos, as democracias europeias e o nazi-fascismo da Alemanha e Itália, buscando tirar proveito nas nossas relações comerciais. Éramos uma gigantesca fazenda, e produzíamos pouco, basicamente café, açúcar, couros, mas, tínhamos cobiçadíssimas jazidas de materiais estratégicos. E isso significava muito, num mundo em que todos se armavam para a guerra. Aqui, quando a Segunda Guerra começou em setembro de 1939, Getúlio mantinha na cadeia comunistas e integralistas, envolvidos nas tentativa dos golpes de estado de 35 e 37.

O ditador, cercado por almirantes e generais admiradores de Hitler e Mussolini, festejou a queda da França, ergueu brindes à ascensão das potencias autoritárias, diante do que classificou como esgotamento dos modelos liberais. Em dezembro de 1941, quando o Japão atacou as ilhas americanas do Havaí, Getúlio apressou-se em levar solidariedade aos irmãos do norte. Mas, quando finalmente, sob velada ameaça de invasão dos Marines, concordou em ceder bases para os americanos se instalarem no nordeste brasileiro, principalmente em Natal, as nossas exportações para a Alemanha já haviam quase quadruplicado, e chegado a 300 milhões de reichmarks, a moeda alemã, equiparada ao dólar.

Getúlio, quando o presidente americano aqui veio para encontrar-se com ele em Natal, (geralmente é ao contrário) obteve a promessa de liberar fartos recursos para a industrialização e modernização do Brasil, e nos garantir apoio, caso fossemos atacados pelas forças do Eixo, (Alemanha – Itália – Japão). Getúlio foi mais longe, tornou o Brasil o único país independente do hemisfério sul a enviar tropas para combater na Europa, no teatro de guerra italiano. Sem a ponta de lança de Natal, de onde partiram milhares de voos para a África do norte, americanos e ingleses, não teriam subjugado o que restava das tropas alemãs e italianas, e desembarcado na Sicília, para subir pela ¨bota¨ italiana e apressar o desfecho da guerra.

O presidente americano até pensou em incluir o Brasil na Conferencia de Yalta, que reuniu os quatro grandes: americanos, russos, ingleses, e a França de De Gaulle, tentando simular poderio após a vergonha de Vichi. O primeiro ministro inglês Winston Churchill, e o ditador soviético Stalin, não deram ouvidos a Roosevelt, e Getúlio, por sua vez, nem insistiu em participar, o que, se acontecesse, faria diferente a nossa História. Em Yalta meses antes do fim da guerra, as potencias vitoriosas fatiaram o mundo de acordo com os seus interesses.

A ideia da base americana já foi sepultada pela indignação que causou entre os comandos militares, mas, a adesão aos propósitos do premier israelense, extremista e belicoso, parece não ter sido arquivada, e isso não nos trará nenhuma vantagem. Muito pelo contrário.

Parece que não avaliamos muito bem o enorme e único potencial que temos para nos colocar entre as quatro maiores potencias do mundo.

O astronauta, com passagem paga numa nave espacial americana, aventura sem resultados práticos, onde Lula torrou 30 milhões de dólares, agora, ministro da ciência e tecnologia, vai a Israel para importar técnicas de dessalinização de água, e utilizá-las no nordeste. Não sabe, talvez, que já dominamos, e muito bem, essa tecnologia. Só em Sergipe temos 29 dessalinizadores ofertando água no semiárido, como informa o especialista em recursos hídricos Ailton Rocha, que, inclusive, já viu de perto os experimentos israelenses, aliás, bem sucedidos. O astronauta nem precisaria voar para mais longe, bastaria ir a Campina Grande ver, na Universidade Federal, as experiências de dessalinização tocadas pelo professor Kepler. Se lhe derem recursos, ele irá muito além do que é feito em Israel.

O astronauta-ministro, concorda com a cessão da base de lançamento de foguetes no Maranhão aos americanos, concorda com o desaparecimento da EMBRAER, absorvida pela Boeing. Assim, nunca teremos, nem a tecnologia própria que necessitamos para o grande salto na ciência e tecnologia, nem o suporte de uma diplomacia inteligente, alinhada com efetivos conceitos de soberania nacional, ao mesmo tempo, em sintonia com as mudanças civilizatórias que se processam no conjunto das nações mais avançadas.


 

 

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