(Voltando ao tempo já esquecido)
Será que retroagimos no tempo? Tudo nos faz constatar um inusitado fenômeno de volta ao passado, redivivo em gestos, em comportamentos, em ações, sobretudo no clima pesado, idêntico ao de uma época, e de um episódio, do qual 54 anos nos distanciam.
Em 64 havia um mundo polarizado entre dois colossos. Os Estados Unidos, a mais poderosa potência militar e econômica do mundo, liderava o bloco capitalista, onde se incluíam a Europa ocidental, já recuperada da guerra e demonstrando enorme vigor; toda a América Latina (menos Cuba ) a África, a populosa Índia, o Japão, quase ressuscitado assumindo a posição de segunda maior potência econômica.
Do outro lado, no mundo comunista a União Soviética, gigantesca potência com 20 milhões de quilômetros quadrados mas população escassa, e a China, enorme e superpovoada, com um bilhão de habitantes, o colosso comunista asiático.
As tensões da “guerra fria" agudizavam-se na Europa, onde o exército vermelho avançara durante a guerra, ocupando países, e neles instalando regimes comunistas, Polônia, Tchecoeslováquia, Hungria, Bulgária, Romênia, Iugoslávia, Albânia, e estancara nos limites que ficaram a dividir a Alemanha, seccionada em dois países.
No centro da Alemanha Oriental, comunista, ficara a antiga capital, Berlim, todavia, dividida ao meio, com americanos, franceses e ingleses ocupando um lado; do outro, estavam os russos. No meio, um alto paredão com menos de vinte quilômetros o Muro de Berlim, que ficou simbolizando a barreira entre dois mundos antagônicos.
A batalha entre os dois antagonistas era retórica, e muitas vezes sangrenta, nas guerras de libertação nacional, pela África e Ásia, e nas montanhas de vários países da América Latina, onde focos guerrilheiros buscavam imitar a trajetória dos barbudos combatentes liderados por Fidel Castro, que tomaram o poder e logo declararam que Cuba era marxsista-leninista.
Em 1961, quando a União Soviética instalou em Cuba foguetes capazes de transportar bombas nucleares e atingirem os Estados Unidos, o mundo, por muito pouco escapou do Armagedon. John Kennedy e Nikita Kruschev fizeram então um acordo secreto, dividindo suas áreas de influência.
O conflito não arrefeceu, a disputa estendia-se em escala planetária, e em cada país, com maior ou menor escala, adeptos do comunismo e defensores do capitalismo se enfrentava as vezes com unhas e dentes.
A China já era, em 64, uma potência atômica, e com um exército que se contava em dezenas de milhões de soldados. Rompida com Moscou, a China tornava-se a nova Meca dos que acreditavam na revolução armada. Até a Albânia, rompida com a União Soviética e na órbita chinesa, miudinha, do tamanho de Sergipe, fez da sua mísera capital Tirana, um foco revolucionário reverenciado, e criaram-se pelo mundo novos partidos comunistas da linha chinesa, da linha albanesa.
Em 1964, o conflito global chegou no Brasil a um ponto de pré-guerra civil, e houve o golpe de Estado, pedido nas ruas que se encheram de senhoras católicas, quase todas com suas velas acesas, implorando aos militares que pusessem fim ao que enxergavam como iminente perigo comunista. De um lado rolavam dólares copiosamente, do outro, dizia-se que era injetado o “ouro de Moscou". O golpe, se não acontecesse em 64, seria apenas postergado por alguns meses, ou tornado desnecessário pelo desembarque dos “marines" americanos, apenas, mais uma vez, pisando as suas botas em praias da latinoamérica.
No final da década dos anos setenta o bloco comunista começou a desabar. Caiu o Muro, a Alemanha reunificou-se, toda ela capitalista, os países dentro da chamada Cortina de Ferro libertaram-se do jugo soviético, rejeitaram o comunismo, e a própria União Soviética desintegrou-se. Voltou a ser a mesma Rússia enorme do tempo dos Tzares, com território reduzido em uns cinco milhões de quilômetros quadrados. Mas, permaneceu sendo a segunda potência militar. O Partido Comunista russo não chega hoje aos dez por cento de votos, e Vladimir Putin tornou-se um novo Tzar de extrema direita, que, por sinal, interferiu na eleição americana para ajudar Donald Trump, seu colega ideológico, e parceiro de bunga-bunga, as bacanais organizadas pelo ex-Primeiro Ministro italiano o extremista de direita Silvio Berlusconi, tão corrupto como devasso, que importava louras prostitutas russas, e Putin sabia de tudo, e tudo tem registrado.
A Rússia de Putin alinha-se às ideias extremadas de Steve Bennon e Mike Pompeu, os gurus ideológicos de Trump inspirados nos desvarios totalitarios do Duce italiano, Mussolini, que terminou pendurado de ponta cabeça, no gancho de um açougue à beira do lago de Como. E, paradoxalmente, tropas americanas, e também em modesta proporção brasileiras, ajudaram varrer da Itália o fascismo.
A China, breve, será a maior potência econômica do mundo, e capitalista, a menos que ocorra algum desalinho nos rigorosos planos econômicos caso ganhem corpo pelo país os protestos agora restritos a Hong- Kong, a ex-colônia inglesa devolvida à China, que recebeu um status especial de área onde são preservadas algumas liberdades, que inexistem, completamente, no resto do antigo enorme e milenar Império do Meio.
O “comunismo" da Coreia do Norte é apenas um recurso semântico para dar nome a um regime despótico, cruel, que estatizou até as mentes dos seres humanos que lá desgraçadamente nasceram.
Cuba, sufocada por incapacidade própria, e pelo bloqueio americano que Obama reduziu e Trump quase restabeleceu, alivia a estatização, e, se não houver maiores percalços, será, nos próximos cinco anos tão capitalista como qualquer outro país latino americano. É uma ditadura? É. Mas desde quando o Brasil foi um país intrometido nos assuntos internos dos outros?
Bolsonaro governa como se o país fosse a sua casa, e como se os brasileiros todos pensassem como ele e os seus filhos. Talvez, frustrado porque não é exatamente assim, ele se torna o agressivo e apressado cavaleiro andante da demolição de tudo o que não estiver enquadrado no seu figurino um tanto exótico, onde cabem, confortavelmente, os alunos do psicótico Olavo de Carvalho.
O retorno ao clima de 1964, é exatamente a estratégia que ele usa para tudo justificar, em nome da sua cruzada anticomunista.
Mas o nosso buraco agora está em outro lugar. E tem o tamanho enorme de uma economia em recessão, de uma indústria com capacidade ociosa ultrapassando o nível da produtiva, sinal vermelho para a falência, do comércio em desalento, e da gigantesca cifra de desemprego.
Enquanto não houver paz, estabilidade política, menos vozerio, menos tumulto, menos belicosidade, e menos ânsia de demolir, revivendo conflitos do passado hoje adormecidos, a nossa economia continuará desabando, e chegando cada vez mais próxima do que era em 1964.
Sem olhos postos no futuro, e sem compreensão para a realidade do país e do mundo moderno, Bolsonaro trava o seu próprio governo, amesquinha os seus ministros, e “cada vez mais apaixonado por Bolsonaro" talvez não tenha espaço na alma, para abrigar a única paixão que deveria ter: pelo Brasil, e pelos brasileiros.
JOÃO OLIVA, DOCEMENTE CRISTÃO
(João Oliva, um cidadão exemplo)
Fala-se tanto, agora, porque o vozerio emana do mais alto escalão da República, aliás ainda laica, numa qualidade necessária a cada brasileiro, que seria aquela convicção “terrivelmente cristã", mais especificamente “terrivelmente evangélica”, até credencial para que sejam ungidos de agora por diante possíveis futuros ocupantes do Supremo Tribunal Federal.
Mas esse não é assunto do qual aqui queremos tratar.
Na verdade, o que desejamos é tendo como foco a vida de um homem agora morto, retemperar a força da razão, diante do desvario que até pretende transformar a fé, ou seja, uma a religião exclusiva, em instrumento da política, e orientação do Estado.
Esse cidadão, jornalista, advogado, escritor, poeta, um frade sem envergar o hábito, João Oliva, viveu profundamente a fé, mourejou no seu dia a dia a prática virtuosa da solidariedade, que deve ser o âmago da consciência cristã. Para isso, aparelhou-se por toda a vida para tornar-se um homem do saber. E o fez para poder pensar, distinguir, intuir, também aconselhar e harmonizar. João Oliva não foi apenas um intelectual da sua época, da sua geração. Seguindo aquele dístico “Ao espírito vivo", que está no pórtico da universidade de Heidelberg, onde se inicia o “caminho dos filósofos", Oliva integrava-se ao mundo, participava de tudo que significasse a clarificação do espírito, o que mais acendia a sua chama interior da religiosidade, e o fazia compreender melhor as transformações do mundo, dos costumes, da própria vida, e demonstrando junto com a esposa, para a sua numerosa prole que o choque de gerações somente gera consequências quando falta o sorriso da compreensão, ao lado da firmeza do exemplo. Por isso, os onze filhos se fizeram seus herdeiros do que era a sua maior riqueza: o caráter, a honra, a sede de saber, a ânsia de justiça.
Ele passou a vida harmonizando, disse, ao lado do esquife na Academia Sergipana de Letras o acadêmico presidente Anderson Nascimento. A arte da harmonização era uma característica do meu pai, disse o filho Luiz Eduardo Oliva.
Antônia Amorosa, artista, na despedida fez música e poesia, uma epifania para o instante. Tudo muito no clima de suavidade e paz, a síntese do que foi a vida daquele exemplar morto.
Se perguntassem a João Oliva se ele aceitaria ser Ministro do Supremo sendo "terrivelmente" cristão, ele, com certeza diria que gostaria de definir-se como docemente cristão, empregando um advérbio mais próximo da mansa serenidade do Cristo.
Na noite do dia primeiro de abril de 1964, Seixas Dória que estava no Rio de Janeiro, retornou a Aracaju, e reassumiu o governo tendo a certeza de que em breve seria preso. No Palácio Olímpio Campos, que tinha a dupla função de sede do governo e morada oficial do governador, em torno da mesa onde Seixas jantava com a família e alguns auxiliares, naqueles instantes tensos, depois de reunir-se com sindicalistas, estudantes, líderes da esquerda, todos ansiosos por ouvir uma palavra do governador que significasse resistência ao golpe já consumado, Seixas explicara que não haveria resistência em nenhuma parte do país, e que ele todavia, iria fazer um manifesto externando seu compromisso com a legalidade e a democracia, mesmo tendo a certeza de que logo seria deposto e preso.
O Palácio logo esvaziou-se, indo o grupo concentrar-se na Estação Central da ferrovia Leste Brasileiro. Em torno da mesa de refeições, o reduzido número de auxiliares e amigos permaneceu fazendo companhia ao governador. Começou-se, então, a discutir os termos do Manifesto. João Oliva era o Secretário de Imprensa e deu o tom: “O texto deve ser sereno para evitar provocações, e afirmativo para não denotar covardia”. Recebeu logo do governador a incumbência de redigí-lo. Foi à Remington, concluiu a tarefa, e informou a Seixas Dória: “Vou ler antes o texto ao telefone para Dom Távora”, que era o Arcebispo.
João Oliva tinha em Dom Távora um paradigma para a sua vida. Guardou com ele o que o Arcebispo lhe dissera, e o manifesto, tal como redigira foi levado à Rádio Difusora para ser lido pelo diretor, o locutor Sodré Junior.
Na madrugada Seixas Dória foi preso, e ao amanhecer do dia Oliva retornou ao Palácio ocupado pelos militares. Dirigiu-se ao vice já “empossado" Celso de Carvalho, disse-lhe que estava ali para entregar-lhe o cargo, e dar ao sucessor as informações que fossem necessárias.
Celso, sempre gentil e moderado pediu-lhe que aguardasse para que o assunto fosse decidido e Oliva com voz mansa e tranquila respondeu-lhe: “Doutor Celso, o governador Seixas Dória me nomeou, e como ele está preso e não pode exonerar-me, eu tenho a obrigação moral de me considerar exonerado”.
Assim fez, e assim, lúcido, tranquilo, permaneceu por toda a vida conservando aquela altivez e coragem moral que, somente os puros de espírito sabem manter, sem disso fazer alardes.
João Oliva foi o cidadão de uma época, e um exemplo para todas as épocas.
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A PÓS JUSTIÇA DA CUT
Manifestantes, quase todos da CUT a Central Única dos Trabalhadores, protestaram na calçada fronteiriça do Tribunal de Contas de Sergipe. Lá dentro decidiu-se o óbvio, por cinco votos a zero. Afirmaram os Conselheiros que a vaga deixada pelo então Conselheiro Flávio Conceição fora preenchida pelo advogado Clóvis Barbosa.
Se a Justiça atender à solicitação da defesa de Flávio, ele retornará ao cargo. Como se sabe, Flávio foi afastado depois de um rumoroso processo que começou com a sua prisão, e levado algemado ao Recife. Foi logo libertado pela Justiça Federal. Depois, Flávio foi afastado e aposentado. O processo continuou e agora houve a absolvição em todas as instancias, o STF inclusive.
A decisão é final e irrecorrível, assim, inocentado de todas as acusações Flávio Conceição readquire as mesmas condições que teve ao ser nomeado pelo governador João Alves. Flávio mereceu a unanimidade na Assembleia, e toda a imprensa sergipana a ele só fez elogios. Ninguém alegou quaisquer suspeições. De repente Flávio foi execrado. Agora, munido do alvará que lhe conferiu a Justiça, quer voltar ao TCE.
O ocupante da vaga Clóvis Barbosa, sabia, sem dúvidas dos riscos que iria correr. Agora, sua defesa de forma um tanto calhorda e desleal, alega que a vaga a ser preenchida por Flávio é a que ocupa a conselheira Angélica, que, como registram as atas do TCE, e como é publico e notório, foi nomeada para ocupar a vaga deixada pelo conselheiro Hidelgards, aposentado ao completar 70 anos.
Clóvis, queira ou não ocupa a vaga deixada por Flávio Conceição, que agora tem pela frente a pós-justiça da CUT.
A ÉTICA DO SISTEMA FINANCEIRO
Se isso não for mais uma notícia falsa, nessa onda de “fatos" pré-fabricados o que diz o cidadão dirigente do Banco Itaú, seria a síntese perfeita da “ética" particularíssima seguida pelo nosso cafagéstico sistema financeiro. Aquele, que cada vez mais amplia lucros e acha saudável cobrar em torno de 400% em média de juros ao ano, em cartão de crédito e cheque especial.
O sistema de abutres festeja doze milhões de desempregados, porque, enquanto eles estiverem passando fome a inflação não sobe.
É o holocausto que gera lucros.
A COCHILADA NO TURISMO
Sabe-se agora que a gota d`água para que fosse exonerado o Secretário do Turismo Manelito Franco teria sido, literalmente, uma cochilada. Tendo o ex roncado ou não, o fato é que o novo Secretário interino Sales Neto, duplamente exercendo também as funções de Secretário de Comunicação Social, terá o desafio de profissionalizar o turismo e conduzir tecnicamente uma Secretaria que tem servido, em alguns casos quase como comitê eleitoral. Sales é competente, tem espírito público e muita experiência.
A OCASIÃO ERRADA
Esta não teria sido exatamente a hora para que o Ministério Público entrasse com uma ação, querendo extinguir a pensão especial que recebe o ex-governador João Alves. Pensão na época prevista em lei e que deixou de ser um direito alguns anos epois. O homem público que tem a marca da sua visão nas inúmeras obras que espalhou pelo estado, encontra-se em situação gravíssima de saúde num hospital brasiliense.
A sua situação financeira também não é das melhores.